Atlas da Amazônia Brasileira

Editorial

Mudando o curso das águas

A Amazônia é uma das últimas fronteiras de abundância de recursos naturais e biodiversidade. Consequentemente, é lugar de uma severa imposição de interesses entre setores econômicos neoliberais que ameaçam a floresta e seus seres, incluindo uma imensa população humana: no Brasil, quase 28 milhões de pessoas, incluindo mais de 180 povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhas e uma variedade de outros povos e comunidades tradicionais que detêm vasto conhecimento e práticas sustentáveis.

Pensar esses interesses envolve complexificar a visão que o restante do Brasil, bem como do mundo, construiu em relação à região amazônica e suas dinâmicas. Esse Atlas se apresenta como uma ferramenta para esse processo, contrapondo-se – em seus 32 artigos escritos por mais de 50 autores (em sua maioria, pesquisadores e pensadores amazônidas) – às visões idealizadas, legado da colonização que persiste até os dias de hoje, reducionistas desse emaranhado de vidas a um vazio, um território inabitado e primitivo fadado a ser violentamente integrado à sociedade ocidental.

Nas últimas décadas, o indiscutível paradigma científico da centralidade do bioma amazônico para o equilíbrio climático planetário também elevou a região à um campo de disputas nas discussões multilaterais. Em paralelo, a Amazônia tem ocupado as manchetes internacionais devido a sucessivos e alarmantes recordes de degradação florestal, com impactos devastadores sobre a biodiversidade e os modos de vida locais.

15 Breves Saberes da maior floresta tropical do mundo

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Conselho editorial

Karina Penha

Maranhense, Bióloga e ativista pela justiça climática há quase 10 anos. É Gestora de Representação Institucional da Amazônia de Pé, foi coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Mudanças Climáticas do Engajamundo e coordenou diversas delegações de jovens para as Conferências de Clima da ONU. Faz parte da Coordenação Nacional do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC) e é Diretora do PerifaConnection.

José Heder Benatti

Doutor pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) daUFPA e mestre em Direito pela UFPA. Professor titular da graduação e da pós-graduação emDireito da UFPA. Membro da Clínica de Direitos Humanos da Amazônia (CIDHA/UFPA). BolsistaProdutividade CNPq. Membro do Science Panel for the Amazon (SPA – PainelCientífico para Amazônia, sigla em inglês), ligado à Rede de Soluções para oDesenvolvimento Sustentável (SDSN), da sigla em inglês, da ONU.  Líder do Grupo de Pesquisa “Natureza, Territórios, Povos eComunidades Tradicionais na Amazônia Brasileira”. E-mail: jbenatti@ufpa.br.

Marcela Vecchione-Gonçalves 

Cientista política, internacionalista e amazonista. Atua como professora e pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos na UFPA. onde coordena o Grupo de Pesquisa ReExisTerra, que se dedica a compreender o que é a terra e sua defesa a partir da resistência e mobilização politica, em diversos níveis, de povos e comunidades tradicionais e povos indígenas em face e por entre os desafios da emergência climática. Marcela também integra a Rede de Pesquisa Climatizando (CNPq) e faz parte dos projetos Centering the Amazon in Climate Agreement Making (Camamazon/British Academy of Sciences) e Financing TransformativeNature-based Solutions for Equitable and just SustainabilitySolutions (FITNESS/Biodiversa +- Parceria Europeia de Biodiversidade).

Kátia Brasil

Editora executiva da agência Amazônia Real, a primeira mídia independente einvestigativa liderada por mulheres no Norte do país. Com mais de 30 anos deprofissão, trabalhou em emissoras de rádios, TVs e jornais nacionais, sedestacando nas áreas de política, economia, meio ambiente, direitos dasmulheres, crianças e adolescentes. Ganhadora dos prêmios Esso, Women JournoHeroes e Jornalista +Admirada Negra, é conselheira da Énois de Jornalismo,Tornavoz, ABI Meio Ambiente e Projor. Integra o Forbidden Stories, o FórumPermanente das Mulheres de Manaus e o coletivo Mães Pela Diversidade dedefesa LGBTQIAPN+.

Aiala Colares

Geógrafo e Bacharel em Direito com Doutorado em Ciências do desenvolvimento socioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPA). Professor e pesquisador do programa de pós graduação em Geografia da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e Diretor-Presidente e fundador do Instituto Mãe Crioula.

Angela Mendes

Militante e ativista socioambiental com ênfase na defesa dos Direitos Humanos e Meio Ambiente e participa de várias redes ligadas ao tema. Tecnóloga em gestão ambiental, atualmente preside o Comitê Chico Mendes.
Angela é Empreendedora social Ashoka, Conselheira da revista Xapuri Socioambiental,  Memorial Chico Mendes e WWF-BRASIL e também é associada do Instituto de Estudos Amazônicos-IEA.
Angela criou o Núcleo Jovem do Comitê Chico Mendes em 2016 inspirada na Carta ao Jovem do Futuro que seu pai deixou escrita pouco antes de ser assassinado.
Desde então o Comitê Chico Mendes segue apoiando as jovens vozes que vem da floresta e o protagonismo feminino nos territórios extrativistas.

Elaíze Farias

Fundadora e diretora da agência Amazônia Real.

João Paulo Lima Barreto Tukano

Antropólogo, doutor em antropologia pela UFAM e criador do Centro de Medicina Indígena Bahserikowi

Glossário

Agroecologia

Movimento social, prática, ciência e forma de vida que mobiliza princípios e métodos ecológicos para apoiar o desenvolvimento de sistemas agroalimentares mais sustentáveis, contribuindo com a soberania alimentar, a redistribuição da terra, a igualdade de gênero e a justiça socioambiental.

Agronegócio

Conjunto de operações e atividades econômicas relacionadas à produção, processamento e comercialização de produtos agrícolas e pecuários.

Amazônia Legal

Delimitação geopolítica que engloba nove estados brasileiros que pertencem à bacia Amazônica. Instituída pelo governo federal brasileiro em 1953 para o planejamento de medidas desenvolvimentistas.

Arco do desmatamento

Região que historicamente lidera índices de desmatamento do bioma Amazônico. Tem 500mil km e se estende do sudeste do Pará ao oeste da Amazônia Legal, passando pelo Mato Grosso, Rondônia e Acre, onde há índices de desmatamento.

Bacia Amazônica

Maior bacia hidrográfica do mundo, situada nos territórios do Brasil, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.

Bem-viver

Tradução de neologismos das línguas indígenas quíchua sumaq kawsay e do aimara suma qamaña, pressupõe a sistematização de cosmologias indígenas latino-americanas, resumidas pela valorização da reciprocidade entre humanos e natureza, sustentando formas não-predatórias de organização social.

Biodigitais

Assinaturas que provam a modificação das paisagens por ação humana.

Biodiversidade

Variedade de vida, incluindo diversidade de espécies e interações ecológicas entre elas.

Biopirataria

Exploração financeira ilegal de recursos naturais e biológicos, incluindo o conhecimento de povos e comunidades tradicionais.

Comum/comuns/bens comuns

Identificam os sistemas sociais que mantêm conjuntos de bens ambientais governados por uma comunidade, concretizados por ações coletivas, em oposição à propriedade individual.

COP 30

30ª edição da Conferência das Partes, reuniões anuais de países signatários da Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que será realizada em Belém, no Pará, entre 10 e 21 de novembro de 2025.

Corpo-Território

Conceito político que define a extensão entre o corpo de uma pessoa ao território em que ela vive, em dimensão biológica, mental, social e cosmológica.

Crime organizado

Atividades ilegais executadas por grupos estruturados econômica ou mesmo politicamente. Na Amazônia, fações de tráfico de drogas têm passado a dominar também o crime ambiental.

Cultura alimentar

Conjunto de práticas, saberes e tradições relacionadas à alimentação de determinado povo.

Degradação florestal

Perda da capacidade da floresta realizar suas funções originais, entre elas a contribuição para o balanço climático e os ciclos hídricos e de carbono em razão de queimadas ou do desmatamento.

Desenvolvimentismo

Teoria econômica e prática de gestão que entende o crescimento econômico, por meio da produção industrial e de infraestrutura, como principal meta política para a sociedade. O modelo desenvolvimentista tem orientado nas últimas décadas a gestão política para a região da Amazônia Legal.

Economia do crime

Teoria que considera o crime como um setor da economia. No contexto amazônico, é utilizada para descrever a dependência econômica regional de atividades ilegais que configuram crime ambiental.

Financeirização da natureza

Nova maneira de gerar valor, tornando a natureza prosperidade para transformá-la em ativo financeiro por meio das chamadas Soluções Baseadas na Natureza. Os mercados de carbono os exemplos mais conhecidos dessas soluções.

Financiamento Climático

Conjunto de recursos financeiros destinados ao apoio de ações de adaptação e mitigação às mudanças climáticas.

Floresta Antropogênica

Floresta modificada por ação humano, onde a relação com povos nativos é de troca e reciprocidade. A Amazônia é um exemplo, tendo sido cultivada e manejada por milênios.

Fronteira agrária/agrícola

Região de expansão da produção agropecuária sobre a natureza, por meio da degradação de territórios com biodiversidade preservada.

FUNAI

Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) – Órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, coordenador e principal executor da proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas no Brasil.

Garimpo

Originalmente uma atividade econômica de extração mineral artesanal em oposição à escala industrial, atualmente é quase em sua totalidade representada por práticas ilícitas de extração mineral, principalmente de ouro.

Grandes obras

Empreendimentos de infraestrutura construídos na esteira das estratégias desenvolvimentistas, como estradas e hidrelétricas. A Amazônia foi e segue sendo palco dessas construções, que geram importantes impactos socioambientais.

Greenwashing

Traduzido como “lavagem verde” ou“maquiagem verde”, define práticas de marketing realizadas por empresas ou organizações que se apresentam como ambientalmente responsáveis, divulgando resultados de ações de promoção de sustentabilidade que exageram, distorcem ou até mostram falsas mudanças.

Grilagem

Prática ilegal de tomar posse de terras públicas ou de terceiros por meio de títulos falsos de propriedade. Costuma ser identificada como a primeira fase do ciclo de crimes ambientais.

IBAMA

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – Autarquia federal que atua na preservação e conservação do patrimônio natural do país.

INCRA

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Autarquia federal que atua na execução da reforma agrária, na certificação de terras quilombolas e no ordenamento fundiário nacional.

Insegurança alimentar

Falta de acesso regular e permanente aos alimentos de qualidade, em quantidade suficiente para uma vida saudável.

Mudanças/crise/colapso/emergência climáticas

Alterações nos padrões de temperatura e clima planetários causadas pela atividade humana no contexto de produção capitalista pós-industrial, incluindo a exploração excessiva de recursos naturais, o aumento da emissão de gases de efeito estufa e o desmatamento. Crise, colapso ou emergência climática são expressões utilizadas para identificar o caráter cada vez mais crítico e imitigável dessas mudanças.

Neoextrativismo

Modelo desenvolvimentista baseado na extração de recursos naturais, reunindo atividades como agronegócio e mineração.

Ontologias/cosmologias/Cosmopercepção/Epistemologias

A primeira define modelos de representação do ser e da realidade. A segunda compreende a representação de conhecimento da origem e da estrutura do Universo e de todas as coisas existentes. A terceira descreve como diferentes grupos étnicos concebem o mundo. A quarta define o estudo e organização do conhecimento e suas formas.

Pan-Amazônia

Região que envolve todos os países que abrangem o bioma amazônico em seu território: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname, Venezuela.

Ponto de não-retorno da Amazônia

Limite da degradação a partir do qual o bioma entrará em um processo irreversível, sendo incapaz de se recuperar naturalmente.

Povos e com unidades tradicionais

Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, possuindo formas próprias de organização social, ocupação e uso de seus territórios como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica.

Povos originários

Termo que denomina aqueles que habitavam um território antes das chegadas dos colonizadores. No Brasil e na região Amazônica, é utilizado como sinônimo da expressão “povos indígenas”.

Povos quilombolas

Povos remanescentes dos quilombos, comunidades formadas por africanos escravizados que resistiram à escravidão.

REDD e REDD+

Redução de Emissões Provenientes do Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) são conjuntos de mecanismos de incentivo econômico para redução de emissões de Gases de Efeito Estufa. O REDD+ inclui a compensação financeira por aumento do estoque de carbono florestal, o chamado mercado de créditos de carbono.

Reserva legal

Área das propriedades rurais que deve ser destinada à conservação a cobertura vegetal e da biodiversidade nativa. Na Amazônia Legal, uma área de 80% das propriedades deve ser conservada como Reserva Legal.

Rios voadores

Massas de vapor de água que se formam na Amazônia a partir da evapotranspiração da floresta e se deslocam para outras regiões do Brasil e da América Latina, sendo responsáveis por parte significativa da chuva nessas regiões.

Terra Preta de Índio

Tipo de solo fértil e escuro encontrado na região Amazônica, criado a partir da ação humana milenar de manejo da floresta.

Terras Indígenas

Territórios legalmente demarcados pelo Estado brasileiro cuja posse e usufruto exclusivos são permanentemente garantidos aos povos indígenas.

Terras/florestas não destinadas

Áreas públicas (de propriedade da União ou dos estados) que ainda não tiveram destinação para uso sustentável ou conservação, sendo frequentes alvos de grilagem.

Territorialidade

Relação entre grupos sociais e o espaço, envolvendo significados culturais, simbólicos e identitários atribuídos ao território.

Unidades de Conservação

Áreas públicas ou privadas protegidas para conservação da biodiversidade. Há diferentes modalidades de Unidades de Conservação, divididas em Unidades de Proteção Integral ou Unidades de Uso Sustentável pelos povos e comunidades tradicionais que lá vivem.

Vazio demográfico

“Terra Nullius/Terra de ninguém” – Ideário que invisibiliza a população originária de determinada região, tendo orientado os processos colonizatórios em diferentes partes do mundo. Foi amplamente empenhado na colonização da Amazônia durante a ditadura militar.

Trata-se de um conteúdo que visa contribuir para uma urgente mudança de perspectiva, para que pessoas do Brasil e do mundo possam conhecer a Amazônia novamente, desta vez sob a perspectiva dos diversos habitantes da região.

Conheça os autores

Aiala Colares Couto, Ailén Vega, Almires Martins Machado, Altaci Kokama, Amanda Michalski, Ana Claudia Duarte Cardoso, Ana Poxo Munduruku, Anacleta Pires da Silva, André Oliveira Sawakuchi, Arley José Silveira da Costa, Associaçã o das Mulheres Indígenas Sateré-Mawé, Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, Beatriz Luz, Bruno Malheiro, Camila C. Ribas, Camila Moreno, Carlos Augusto da Silva, Ciro de Souza Brito, Claudiane da Silva, Cristiane C. Carneiro, Edna Maria Ramos de Castro, Ediene Kirixi Munduruku, Eliete Ramalho Gomes, Evandro Bonfim, Francisco Bento da Silva, Francisco de Assis Costa, François Laurent, Francy Junior, Gilton Mendes dos Santos, Hildemara Kirixi Munduruku, Ingo Wahnfried, Jaime Moura Fernandes (Desana), Janice Muriel-Cunha, Jansen Zuanon, Jesem Douglas Yamall Orellana, João Paulo Lima Barreto (Tukano), Joércio Pires da Silva, José Heder Benatti, Josiane do Espírito Santo Pires da Silva, Josicléa Pires da Silva (Zica Pires), Josiel Juruna, Justino Sarmento Rezende (Tuyuka), Luah Sampaio, Lucas Ferrante, Luciane Kaba Munduruku, Lucinete Saw Munduruku, Mael Anhangá, Márcia Mura/Tanãmak, Marília Gabriela Silva Lobato, Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, Pedro Martins, Philip Martin Fearnside, Raquel Sousa Chaves Tupinambá, Regine Schönenberg, Roberto Araújo de Oliveira Santos Júnior, Romier da Paixão Sousa, Rosamaria Loures, Silvio Sanches Barreto (Bará), Simy Corrêa, Tainá Marajoara, Tatiana Oliveira, Tatiana Deane de Abreu Sá.

O ATLAS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA é uma publicação original da Fundação Heinrich Böll – escritório Rio de Janeiro. https://doi.org/10.29327/5491394

Errata – Atlas da Amazônia

Na página 21 do Atlas da Amazônia, o gráfico sobre terras públicas não destinadas informava o número de 132 milhões de hectares. No entanto, o dado mais preciso, segundo levantamento do InfoAmazonia, indica que existem 143 milhões de hectares de terras públicas não destinadas ou com incertezas sobre sua destinação.

O dado já foi atualizado no material digital para garantir a precisão das informações.

🔗 Fonte: InfoAmazonia – A floresta de ninguém

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Jaime Diakara Desana
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