Desafios da conectividade significativa na Amazônia

O descaso político e mercadológico impôs às diferentes populações da região amazônica problemas de infraestrutura que se repetem nas dificuldades no acesso à internet. A necessidade de conectividade significativa coloca em jogo debates sobre soberania digital e governança da internet, tendo em vista que a inclusão digital é um direito que possibilita o acesso a outros direitos.

As conexões na Amazônia

A antiga visão europeia de que a Amazônia era uma terra cheia de riquezas fantásticas e perigos monstruosos a serem domesticados faz parte da invenção da Amazônia pelo olhar colonizador. Essa perspectiva de um território despovoado e isolado do restante do mundo influenciou políticas públicas e projetos de infraestrutura da região — inclusive os de conectividade na Amazônia brasileira —, pensados muitas vezes pelos setores governamentais e empresariais com a lógica de “vazio demográfico” e “investimentos caros”.

Esse descaso político e mercadológico impôs às diferentes populações da região, como os povos originários e tradicionais da Amazônia, dificuldades no acesso à internet — que, nos últimos anos, tornou-se imprescindível para a garantia de direitos básicos de cidadania, como educação, saúde e justiça, além de novas formas de consumo e entretenimento.

As dificuldades de acesso à internet também prejudicam movimentos populares e ativistas sociais que precisam utilizar a rede para realizar denúncias sobre crimes e violações dos direitos humanos em seus territórios.

Em 2024, o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) conduziu uma pesquisa que avaliou o acesso à internet em todo o Brasil utilizando o conceito de conectividade significativa, que indica que o simples acesso a uma conexão de internet não garante que esse uso faça diferença na vida das pessoas, sendo importante avaliar também a qualidade desse acesso. A questão da conectividade vai além da mera acessibilidade à internet, abrangendo problemas de infraestrutura, como falta de energia elétrica e interrupções devido às condições climáticas.

Para combater essas desigualdades, existem iniciativas de gestores públicos, como o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS), instituído em setembro de 2021 e gerido pelo Ministério das Comunicações, com o objetivo de implantar oito infovias que conectem instituições públicas, permitindo melhor atendimento à população local e a expansão das telecomunicações na região.

As conexões na Amazônia
O acesso via smartphone difere do uso da classe A, que conta também com internet em notebooks com mais liberdade. Vários fatores devem ser considerados na avaliação do acesso equitativo à internet.

Enquanto isso, a conjuntura abriu espaço para a chegada da Starlink, empresa de Elon Musk, fundador e CEO da SpaceX, que recentemente atuou na liderança do Departamento de Eficiência Governamental dos EUA, no início do governo Trump. A Starlink opera com uma tecnologia de satélites de baixa altitude, que entrega uma velocidade de dados robusta — como a oferecida em grandes cidades brasileiras — e com mais estabilidade em comparação com as infraestruturas já disponíveis. O aparato funciona também em movimento, em temporais, e a instalação é do tipo “faça você mesmo”.

A empresa chegou ao Brasil em 2022 por meio de uma parceria entre Musk e o governo Bolsonaro, quando o bilionário anunciou que disponibilizaria a conexão para 19 mil escolas sem internet na Amazônia. Apesar dessa promessa não ter sido cumprida, em apenas três anos a empresa tornou-se líder no mercado brasileiro, estando presente em 90% dos municípios da Amazônia brasileira.

Recentemente, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou o pedido de ampliação da empresa no Brasil, permitindo a operação de mais 7,5 mil satélites. Junto com essa decisão, a Agência emitiu um alerta regulatório destacando a necessidade de atualização da legislação nacional sobre o uso comercial dessa tecnologia, motivada pelos riscos de criação de monopólio, problemas na sustentabilidade espacial e na soberania nacional.

Além disso, o acesso à internet de alta velocidade é uma ferramenta utilizada no garimpo ilegal em terras indígenas na Amazônia, pois dificulta a fiscalização ambiental e facilita a logística garimpeira para gestão de transporte de alimentos, combustível e outros insumos. Forças de segurança brasileiras frequentemente encontraram antenas da Starlink em acampamentos, barcos e dragas de garimpo, junto com ouro, armas e munição pesada.

Infovias do norte conectado
Iniciativas como o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS), do Ministério das Comunicações, buscam combater as desigualdades de conectividade. O PAIS vai implantar oito infovias atender melhor a população local e expandir as telecomunicações na região.

O principal meio de comunicação de garimpeiros ilegais para se informarem sobre operações de repressão ou chegada de carregamentos era o rádio — e hoje é o WhatsApp. Autoridades brasileiras cobram da empresa maior controle na venda de seus serviços para combater o uso dessa tecnologia nas áreas de garimpo e mineração ilegal.

A disseminação da Starlink na região amazônica é um reflexo dos graves problemas de conectividade significativa, decorrentes da quase ausência de infraestruturas públicas digitais. O acesso à internet está diretamente ligado ao direito à comunicação, que, ao ser violado, limita o alcance de políticas e direitos digitais à população amazônica — o que pode ser considerado um indício de racismo ambiental.

Em resposta ao problema de conectividade, organizações da sociedade civil estão articuladas por meio de projetos de Redes Comunitárias, que buscam garantir o acesso à internet com um modelo participativo em que a própria comunidade toma decisões. Um exemplo recente é o Projeto Conexão Povos da Floresta, organizado em conjunto pelo CNS, Coiab e Conaq.

Em outra frente, a Coalizão Tecnopolíticas Pan-Amazônicas lançou em 2023 a Carta de Recomendações de Políticas Digitais para a Amazônia, que apresenta a necessidade de ações coletivas e estratégias eficientes para garantir que a soberania territorial e a autodeterminação das comunidades locais, povos e comunidades tradicionais seja prioridade diante da emergência climática e das soluções tecnossolucionistas.