Planejar o amanhã com 50 anos de antecedência: as lições de Sebastião Pinheiro sobre o futuro da agroecologia

Ao longo de décadas dedicadas à pesquisa e à prática agroecológica, Sebastião Pinheiro é um dos pioneiros do campo da agroecologia no Brasil e autor de livros como a Máfia dos Agrotóxicos no Brasil (1998) e Biopoder do Camponês (2021), obra em que desenvolve uma de suas principais contribuições teóricas: o Biopoder Camponês. A teoria foi criada a partir das experiências diretas do professor Sebastião em campo. Durante visitas a comunidades rurais, nas quais ele promove encontros com estudantes, movimentos sociais e agricultores, o engenheiro agrônomo estimula reflexões sobre o uso da terra, agrotóxicos nos alimentos e a soberania popular. 

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ANA - Agroecologia

Nesta entrevista à Fundação Heinrich Böll no Brasil, o pesquisador defende que pensar o futuro da agricultura exige tempo, paciência e visão de longo prazo. “Nós nunca pensamos no que vamos jantar ou almoçar amanhã. Nós sempre projetamos o mundo para dentro de 50 anos”, afirma. Para ele, essa forma de pensar é o que permite escapar das tendências impostas pelas grandes corporações e criar caminhos alternativos ou “antídotos” à lógica industrial que domina a produção de alimentos.

 “Ao projetar o mundo para os próximos 50 anos, nós evitamos as tendências que as grandes corporações estão preparando”

Em sua fala, Pinheiro sublinha que o conhecimento agroecológico nasce da interação entre ciência e prática camponesa. Ele relata que o aprendizado se constrói de forma coletiva. Essa troca, diz, é o verdadeiro segredo da agroecologia — uma ciência que se reinventa a partir da vivência do campo e do território.

Outro ponto central da conversa é o papel estratégico do solo. Pinheiro lembra que é ele “quem regula o clima, a água e a colheita”, e que o manejo da matéria orgânica é fundamental para regenerar ecossistemas degradados. “Recuperar um solo e esperar 60 anos é muito difícil. Eu posso fazer o manejo da matéria orgânica com o camponês e em três anos começo a crescer, porque essa matéria vai crescer sempre”, explica. Para ele, restaurar o solo é também uma forma de devolver autonomia e poder às comunidades rurais.

Florisvaldo Mercês Guimarães da Silva e  Virlene Sampaio Rios Guimarães agricultores da Fazenda Retiro, em Pintadas-BA. Projeto Adapta Sertão.

Como desenvolver o biopoder do campesinato? 

Nós sabemos a base científica, ensinamos a base científica e nisso nós codificamos para ele. Ao decodificar para ele, aprendo melhor aquilo que eu penso que seja real. Quando eu vejo eles aplicarem, eles aplicam e eu aprendo mais ainda porque eles eles corrigem as besteiras que eu penso. Esse é o grande segredo. Nós fazemos isso com os camponeses e, como sujeito, eles aplicam.

Por isso nós fizemos biofertilizantes lá em 1983. A indústria alemã, por exemplo, a Bayer, só veio lançar em 2016. Além disso, dentro das embalagens de alimentos vendidas, geralmente, o valor do conteúdo vai de 6 a 12% do produto. 75% é rótulo, ou seja, propaganda. O resto é embalagem e distribuição. Qual é melhor? Comer uma carne enlatada ou uma salsicha enlatada ou comer um peixe fresco? E quem faz isso? A indústria. 

Não existe indústria de alimentos. Só o sol produz alimentos, a mão camponesa e o suor camponês. Então, eu tenho que prevalecer, privilegiar o camponês, porque eu tô combatendo a indústria de alimentos. 

Como encampar a luta da agroecologia no Brasil frente à força do agronegócio e das conjunturas políticas do país nas últimas décadas? 

Isso é muito interessante, nós não somos um povo agressivo, nós sabemos brigar e bater forte. Mas a violência não é da nossa índole. Então a nossa construção tem que ser tranquila, pacífica. Eu sofri muito na mão da ditadura. Eu não sou político de partido. Não, não, eu sou uma pessoa racional que diz e acorda, entende? Sofri porque era denunciado pelas empresas, pelos poderosos, pelos corruptos. Mas você aprende a usar estratégia da educação e construir a educação de libertação. Essa educação que libera é consciência. 
 

Plantação de árvores

Encerrando sua fala, o pesquisador recorre à própria trajetória para destacar o papel transformador da educação popular. Para ele, mais do que reagir às crises imediatas, é preciso cultivar consciência e autonomia — princípios que, segundo diz, sustentam a agroecologia como ciência, prática e horizonte de futuro.