Como um dos maiores importadores de agrotóxicos do mundo, o Brasil bate recordes de consumo dessas substâncias. Parte significativa dos agrotóxicos utilizados no país é produzida na União Europeia – e considerados altamente perigosos.
O Brasil se tornou um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos e se tornou o maior importador mundial destas substâncias em 2021. O volume total de agrotóxicos consumidos no Brasil em 2010 foi de 384.501 toneladas. Este volume foi crescendo, ano após ano, até que em 2021 chegou às 720.870 toneladas de agrotóxicos, ou seja, um aumento de 87% em doze anos. Mais da metade do volume total de agrotóxicos comercializados no país é destinado para a soja (54%). Os cultivos de soja, cana-de-açúcar, milho e algodão, juntos, consomem 83% dos agrotóxicos comercializados no país.
Este aumento no consumo de agrotóxicos está associado, principalmente, ao aumento da área cultivada com estas culturas destinadas à criação animal e à produção de etanol. O Brasil é o maior exportador mundial de soja, carne bovina, carne de frango e açúcar, além de ser o segundo maior exportador de grãos do mundo. A área cultivada com cana-de-açúcar aumentou 70% entre 2005 e 2022 (de 5,8 milhões de hectares para 9,8 milhões de hectares), e a área cultivada com soja, no mesmo período, aumentou 75,6% (de 23,4 milhões hectares em 2005 para 41,1 milhões hectares na previsão da safra para 2022/23), atingindo uma área maior do que o território da Alemanha e da Bélgica juntas. O aumento do uso de agrotóxicos no Brasil acompanha o aumento das áreas cultivadas com organismos geneticamente modificados.
Além do volume de agrotóxicos consumido no Brasil ter crescido nos últimos anos, é importante destacar que dentre os dez agrotóxicos mais vendidos no país em 2021, quatro são proibidos na União Europeia: Mancozebe, Clorotalonil, Atrazina e Acefato, ocupando, respectivamente, da 3ª a 6ª posição no ranking dos mais vendidos. Em 2021 foram comercializadas 50 mil toneladas de Mancozebe, 38 mil toneladas de Clorotalonil, 37 mil toneladas de Atrazina e 36 mil toneladas de Acefato.
O mercado de agrotóxicos movimentou cerca de 28 bilhões de euros no Brasil em 2020 (101,7 bilhões de Reais), de acordo com levantamento obtido a partir de notas fiscais de agrotóxicos negociados com as indústrias nacional e internacional no Brasil. Empresas sediadas na União Europeia têm vendido agrotóxicos proibidos em seus próprios territórios para outros países, dentre eles, os países que compõem o Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). A Sipcam Oxon Spa, por exemplo, exportou para os países do Mercosul 200 toneladas de Atrazina e 100 toneladas de Ametryn, em 2019. Já a Bories, neste mesmo ano, exportou para o Mercosul 440 toneladas de Carbaryl, a Bayer exportou 34 toneladas de Ethoxysulfuron e, a BASF exportou 554 toneladas de Fipronil para os países do Mercosul.
Contudo, a despeito dos ganhos econômicos, o uso destas substâncias tem ocasionado um severo impacto na saúde da população brasileira: entre 2010 e 2019, 56.870 pessoas foram intoxicadas com agrotóxicos no Brasil. Há, assim, uma média de 5687 casos por ano, ou 15 pessoas diariamente. Entretanto, o próprio Ministério da Saúde do Brasil admite que o número de subnotificações é elevado e que, portanto, o número real de pessoas intoxicadas é maior. Este impacto se dá, também, na saúde de crianças e adolescentes. Cerca de 15% da população intoxicada com agrotóxicos no país tem de 0 a 19 anos. Inclusive bebês de 0 a 1 ano têm sido envenenados com agrotóxicos: no período de 2010 a 2019, 542 bebês foram intoxicados.
Há também um recorte de gênero nestas intoxicações, posto que as mulheres têm sofrido em seus próprios corpos os desdobramentos das intoxicações: seja por resíduos de agrotóxicos encontrado no leite materno, seja pelos casos de abortos em função da exposição aos agrotóxicos, seja ainda por gerarem bebês com malformação fetal e/ou que apresentam puberdade precoce nos primeiros anos de vida. No período de 2010 a 2019, 293 gestantes foram intoxicadas por agrotóxicos no Brasil. Temos, portanto, um quadro grave de impacto sobre a saúde das mulheres e, ao mesmo tempo, um ataque à infância, já que a ameaça à vida das crianças começa antes mesmo que elas nasçam.