Regulação - O controle de agrotóxicos no Brasil

A política brasileira para agrotóxicos é historicamente voltada para o incentivo de seu uso. O marco regulatório federal dessas substâncias entrou em vigor apenas em 1989, e enquanto ambientalistas tentam aprovar políticas públicas voltadas à redução do consumo nacional desses produtos, setores do agronegócio tentam flexibilizar a regulação vigente.

Infográfico - A boiada no congresso

O uso de agrotóxicos no Brasil se inicia no começo da década de 1940, quando o país passou a importar produtos organoclorados difundidos a partir da Segunda Guerra Mundial. Já a indústria nacional de agrotóxicos iniciou-se em 1946, crescendo timidamente nos anos seguintes. A partir de 1960, com as mudanças na esteira da chamada “Revolução Verde”, que estabeleceu um novo padrão de produtividade, o uso de agrotóxicos no país sofreu um boom amplamente incentivado pelo Estado. 

Em 1975, foi criado o Programa Nacional de Defensivos Agrícolas, que injetou recursos para a criação de um parque industrial voltado para a produção de agrotóxicos, a instalação de subsidiárias de empresas transnacionais, e a oferta de crédito de custeio. O programa foi construído com participação direta da Associação Nacional de Defensivos Agrícolas (ANDEF), constituída pelas empresas produtoras de agrotóxicos. Em cinco anos, entre 1974 e 1979, a produção de agrotóxicos no Brasil quase dobrou, aumentando de 22.838 para 42.263 toneladas. Já os gastos com importações desses insumos passaram de 6 milhões de dólares, em 1974, para 90 milhões de dólares em 1980. 

Até então, não havia nenhuma legislação ou política pública de regulação e controle do uso de agrotóxicos no Brasil: o marco regulatório que regia o setor era baseado no defasado Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal, de 1934. O regulamento até sofreu alterações em 1978, mas as mudanças contemplaram apenas a aceleração do registro de substâncias. Apenas nos anos 1980 a regulação do controle desses insumos passou a integrar a agenda política do Estado brasileiro: a primeira lei de regulação de agrotóxicos surgiu no estado do Rio Grande do Sul, em 1982, servindo de inspiração para outros estados brasileiros. Já a regulação federal veio em 1989, com a promulgação da Lei nº 7.802, conhecida como Lei de Agrotóxicos, que estabeleceu processos muito mais rígidos de produção, registro, comercialização, utilização e transporte de agrotóxicos, bem como a destinação de embalagens vazias. A mobilização da sociedade civil a partir dos anos 1970 está por trás da construção desses marcos. 

No entanto, a agenda da redução do consumo de agrotóxicos, bandeira das organizações sociais ambientalistas, não foi contemplada pela Lei de Agrotóxicos, e o Brasil passou a consumir cada vez mais desses produtos, alcançando, entre 2008 e 2017, o título de campeão mundial no uso de agrotóxicos. Em 2015, o país já consumia 20% do total de agrotóxicos comercializados mundialmente. 

Apenas em 2012 foi construído um marco visando a redução progressiva desse consumo: o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA). Previsto para ser lançado em 2014 a partir de uma Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), o programa nunca chegou a ser aprovado pelo governo. Desde então, organizações da sociedade civil transformaram o PNARA no Projeto de Lei (PL) 6.607/16, em trâmite no Congresso Nacional. O PL prevê medidas econômicas para estimular a produção de insumos orgânicos, a realização de pesquisas para o desenvolvimento de técnicas de produção sustentável, a assistência técnica para agricultores que optem pela produção sustentável, a reavaliação periódica do registro de agrotóxico, além do monitoramento dos resíduos de agrotóxicos nos alimentos e nas águas.

Em paralelo, tramita há 20 anos no Congresso um PL de autoria da bancada ruralista que pretende flexibilizar a regulação de agrotóxicos no Brasil. Ele foi batizado como “Lei do Alimento Mais Seguro”, mas se tornou conhecido como “Pacote do Veneno”. Após duas décadas de debates e 67 novos artigos, ele foi aprovado na Câmara em fevereiro de 2022, e seguiu para o Senado, onde seguiu tramitando com o número 1.459/22. Ainda em dezembro de 2022, ele foi aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado. Até agosto de 2023, o projeto tramitava na Comissão de Meio Ambiente do Senado, com fortes perspectivas de aprovação. Entre as principais mudanças propostas pelo PL estão: a mudança do termo “agrotóxico” para “pesticida”, o desmonte do sistema tripartite de aprovação de agrotóxicos, a flexibilização da importação e produção de agrotóxicos com características carcinogênicas, mutagênicas ou que causem distúrbios hormonais e danos ao aparelho reprodutor.

Enquanto a disputa no poder legislativo se tornou o foco das agendas antagonistas, o cumprimento da Lei de Agrotóxicos tem sido fragilizado. Ambientalistas denunciam que os parâmetros oficiais de avaliação de agrotóxicos e a fiscalização de seu uso, competência do poder executivo, têm sofrido com a ausência de estrutura e recursos financeiros. Nesse contexto, o poder judiciário brasileiro tem tido o maior protagonismo entre os três poderes na regulação de agrotóxicos, tendo votado, nos últimos anos, importantes marcos regulatórios. Entre eles, destaca-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 910, votada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julho de 2023. O julgamento derrubou decretos do poder executivo que flexibilizavam questões relacionadas ao estabelecimento do limite máximo de resíduos, o controle de qualidade dos produtos e o registro de agrotóxicos com múltiplos ingredientes.