Bons exemplos - Iniciativas nacionais contra os agrotóxicos

As mobilizações contrárias ao consumo de agrotóxicos têm crescido no Brasil. Movimentos sociais, organizações, cientistas e políticos estão se organizando para denunciar os riscos desses produtos e viabilizar a ampliação de um modelo mais sustentável e saudável de produção agrícola.

Infográfico - Realidades Alternativas

Mesmo com o amplo poder econômico e político do agronegócio pressionando por uma maior flexibilização para o uso de agrotóxicos, há um número crescente de iniciativas de resistência a esse imperativo, além de uma multiplicação de outros modelos de produção no campo, protagonizados por comunidades campesinas e de povos tradicionais que buscam ou resgatam alternativas agroecológicas. A agroecologia é um movimento, uma prática e uma ciência que objetiva a minimização dos impactos ecológicos da agropecuária, bem como a construção da soberania alimentar, a redistribuição da terra e a justiça social e ambiental. A agricultura familiar, berço da agroecologia, já é responsável pelo abastecimento de 70% dos alimentos consumidos no Brasil. O projeto Brasil Sem Veneno, do observatório do agronegócio De Olho nos Ruralistas e do veículo jornalístico O Joio e o Trigo, identificou, em 2022, pelo menos 542 iniciativas de resistência aos agrotóxicos pelo Brasil, incluindo aquelas de movimentos sociais e organizações, pesquisas acadêmicas, ações educativas e comunicacionais, projetos institucionais e propostas legislativas.

Entre essas iniciativas estão movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que exemplificam a viabilidade da produção sem agrotóxicos a partir de assentamentos agroecológicos ou em transição. O MST lidera há mais de dez anos a produção de arroz orgânico da América Latina, segundo dados do Instituto Riograndense de Arroz. A colheita da safra de 2022/2023 foi estimada em 16.111 toneladas de arroz em uma área de 3.200 hectares que envolve o trabalho de 352 famílias divididas em 22 assentamentos e sete cooperativas. O MST e o MPA também foram responsáveis pela doação de milhares de toneladas de alimentos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil. Outro exemplo de que é possível produzir sem danos à natureza são os Sistemas Agrícolas Tradicionais (SATs). Dois deles, o dos indígenas do Rio Negro e o dos quilombolas do Vale do Ribeira, foram reconhecidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio imaterial. 

Nas comunidades tradicionais e movimentos camponeses, a agroecologia é predominantemente liderada por mulheres. É sabido que as pequenas agricultoras têm grande responsabilidade histórica pela manutenção da biodiversidade por terem guardado sementes crioulas e mantido uma produção variada em seus quintais mesmo após as transformações causadas pela Revolução Verde. A agroecologia também é uma bandeira central na Marcha das Margaridas, manifestação que a cada quatro anos reúne centenas de milhares de camponesas em Brasília, em protesto pelos direitos das trabalhadoras rurais e contra a violência vivenciada pelas mulheres do campo e da floresta. 

No meio acadêmico, pesquisadores também têm questionado o consumo de agrotóxicos, passando a estudar seus efeitos no corpo humano e no meio ambiente. Porém, no Brasil, essa pesquisa passou a ser uma arriscada, sujeita a censura ou cerceamentos. Nos últimos anos, o país registrou casos de publicações científicas barradas, perseguições trabalhistas envolvendo perdas de cargo de coordenação, trocas de setor, afastamento, demissão ou abertura de procedimento administrativo, e até mesmo assédio moral, judicial e ameaças. As situações foram levantadas pelo projeto Brasil Sem Veneno.

A resistência ao avanço do consumo de agrotóxicos também passa pelas vias legislativas. Em 2022, o Brasil Sem Veneno identificou 33 leis estaduais ou municipais criadas na última década) contra o uso de agrotóxicos e 19 Projetos de Lei (PLs) tramitando em câmaras municipais ou assembleias legislativas. Organizações da sociedade civil também têm se organizado para ampliar o compromisso institucional de parlamentares pela agroecologia e contra os agrotóxicos, coletando assinaturas de candidatos em cartas-compromisso. 

No poder judiciário, o tema também tem avançado. Em maio de 2023, o Superior Tribunal Federal (STF) manteve, por unanimidade, a validade de dispositivo da Lei Zé Maria do Tomé, do Ceará, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no estado. A decisão foi tomada em resposta à Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.137/2019, de autoria da Confederação Nacional da Agricultura, que questionava essa proibição. Com a confirmação de constitucionalidade da lei, fortalece-se a possibilidade de sucesso no trâmite de PLs semelhantes em pelo menos outros dez estados brasileiros. Entre esses estados estão unidades federativas que respondem por grande parte da produção agropecuária e por alto consumo de agrotóxicos, como o Pará, o Mato Grosso e São Paulo. Outra iniciativa que pode se expandir é a da ilha de Florianópolis (SC), que é considerada “Zona Livre de Agrotóxicos” desde 2020, quando a aplicação e armazenagem desses insumos foram proibidos.

Reduzir o uso de agrotóxicos no Brasil passa pela criação, aplicação e manutenção de políticas públicas. Além das questões legislativas já citadas, cobra-se o fim dos subsídios para os pesticidas. Para que a produção agroecológica de assentamentos, comunidades e pequenos produtores se sustente e se torne um modelo alternativo ao agronegócio, especialistas e entidades destacam a necessidade do debate de temas como o financiamento e o fortalecimento de mecanismos de comercialização e escoamento dessa produção. Um primeiro passo foi dado com a aprovação, na Câmara dos Deputados, da lei que restituiu o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), em julho de 2023. Em março do mesmo ano, o Palácio do Planalto relançou o programa por meio de uma medida provisória, após anos de desinvestimento que praticamente o paralisaram.