Resíduos - Acompanhamento tóxico

O uso de agrotóxicos gera resíduos nos alimentos aos quais muitas pessoas estão expostas – especialmente no Sul Global. Mas, através da importação, os alimentos contaminados também podem acabar nos pratos europeus.

Infográfico - Ultraprocessadao e ultraenvenenados

Resíduos químicos persistentes e tóxicos podem ser problemáticos tanto para a vida selvagem quanto para os seres humanos. A ingestão diária de alimentos contaminados com agrotóxicos pode representar sérios riscos à saúde. Grupos sensíveis, como mulheres grávidas ou crianças, estão particularmente em risco. Para proteger os consumidores de resíduos nos alimentos, os governos estão tomando medidas regulatórias. Esta legislação geralmente prevê a limitação dos níveis de resíduos que podem ser permitidos em alimentos que entram ou saem de vários países. Esses limites máximos de resíduos (LMRs) são estabelecidos em quase todo o mundo. Desde 1963, as Nações Unidas publicam o Codex Alimentarius, uma coleção de normas para segurança alimentar e qualidade do produto. Os teores máximos de resíduos nele contidos são considerados uma importante referência internacional. No entanto, existem grandes diferenças na quantidade máxima legal de resíduos de agrotóxicos dependendo do país e da região

O Brasil é um exemplo de falta de regulamentação eficiente que impõe à população teores máximos de resíduos em alimentos. No mercado brasileiro      são encontrados, em alguns casos, níveis de resíduos duas ou três vezes maiores do que os limites máximos da UE, e em outros, níveis centenas de vezes maiores. No país, o monitoramento de resíduos é feito pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Dados do PARA publicados em 2019, indicam que 23% das amostras excederam até mesmo esses já altos níveis máximos de resíduos. Ingredientes ativos proibidos pela UE também foram detectados como resíduos em cereais, frutas e vegetais brasileiros.

Como bens de exportação, esses alimentos com resíduos de agrotóxicos acabam novamente na Europa ou em outras regiões. Em outras palavras: um agrotóxico que é proibido na Europa pode ser exportado para um terceiro país, usado nas plantações e depois importado de volta como resíduo para os pratos europeus. A União Europeia estabelece concentração máxima de resíduos permitida em diferentes alimentos para cada ingrediente ativo aprovado, com base nas práticas de cultivo, na toxicidade do ingrediente ativo e no consumo de alimentos. Se as mercadorias excederem os limites, elas não poderão ser colocadas no mercado.

A Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) publica relatórios anuais sobre produtos alimentícios testados com base em amostras aleatórias: em 2019, 3,9% de todas as amostras excederam os limites. Pouco mais da metade dos alimentos verificados estava livre de contaminação detectável, enquanto 27% continham dois ou mais resíduos de agrotóxicos. Múltiplos resíduos foram encontrados principalmente em produtos frescos, como groselha preta, cerejas, toranjas, rúcula e uvas. Uma amostra de uvas passas encabeçou a lista dos alimentos mais contaminados – nela, a EFSA detectou vinte e oito agrotóxicos diferentes.

A regulamentação da UE é mais rígida do que a de muitos países que não pertencem ao bloco, como é provado pelo exemplo brasileiro. No Japão as amêndoas podem estar contaminadas com um miligrama de glifosato por quilograma – que é dez vezes mais do que a UE permite. Nos tomates, o Japão permite dois microgramas de imidaclopride por quilo. Isso é quatro vezes o nível de resíduos atualmente possível na UE. No Mediterrâneo Oriental, uma área que abriga quase 680 milhões de pessoas e inclui países do Oriente Médio à Ásia Central, os níveis máximos de resíduos foram excedidos em até 61% das amostras de alimentos nos últimos 15 anos. Repetidamente, resíduos de agrotóxicos proibidos são detectados lá. 

Já no Quênia, em 2020, um total de 25 ingredientes ativos diferentes foram encontrados em amostras de tomate e couve – 51% dos ingredientes ativos detectados já foram retirados de circulação na UE há muito tempo. Do total de 25 amostras, 60% excederam os níveis máximos de resíduos. Isso é particularmente alarmante, porque esses dois vegetais fazem parte dos alimentos básicos da população queniana. Na Nigéria, níveis elevados de resíduos também foram detectados em amostras de tomate, incluindo traços de permetrina. A Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) classificou esse inseticida como “provavelmente cancerígeno”. Nos últimos anos, o feijão da Nigéria apresentou altos níveis de contaminação. As amostras continham até 0,3 miligramas por quilograma de diclorvós; o limite legal na Europa é de 0,01 miligramas por quilograma. O químico diclorvós pode causar dificuldades respiratórias, diarreia e vômitos, entre outros efeitos. A UE reagiu e emitiu uma proibição de importação do feijão. O apoio para alternativas nos países do Sul Global pode evitar que sejam excluídos do mercado da UE.