“A menina dança...” e roda e vira...

Bloco das Mulheres Rodadas
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Bloco das Mulheres Rodadas

Bloco das Mulheres Rodadas - como denunciar o machismo com humor e sátira

O carnaval mais uma vez desencadeia a discussão sobre o machismo no Brasil e a violência de gênero. Isso deve-se por um lado à promoção do aspecto sexualizado da festa através da exposição emblemática de corpos femininos, como no caso da Globeleza, uma mulher negra ícone da Rede Globo de Televisão e que aparecia praticamente nua em vinhetas durante a semana do Carnaval ou das rainhas de Bateria das escolas de samba, atrizes, modelos e personalidades que desfilam seus corpos seminus na passarela do samba, no Rio de Janeiro.

Uma das aproximações ao tema mais charmosas de 2015 foi a criação do Bloco das Mulheres Rodadas. A criação do bloco foi uma reação a uma série de debates nas mídias e redes sociais quando no dia 6 de dezembro do ano passado no programa Altas Horas, da TV Globo, as cantoras Anitta e Pitty discordaram sobre a igualdade de gênero e a liberdade sexual feminina. Enquanto a primeira postulava que uma mulher deve se “comportar” para não provocar reações masculinas indesejadas, a outra defendeu o direito da liberdade de comportamento[1].

Uma das respostas à discussão foi o posto dos Jovens da Direita em sua página no facebook que mostrava a foto de um rapaz que segurava um cartaz dizendo “Eu não mereço mulher rodada”[2], expressão que faz referência à uma mulher que se envolve sexualmente com muito homens diferentes. A reação imediata de algumas feministas foi a criação de um tumblr mostrando imagens e vídeos curtos de mulheres rodando sob o lema irônico “Estive rodando e não dei pra você”.

Uma das fundadoras do bloco, Debora Thome, aponta como positivo o formato do movimento: “o Carnaval é sempre um momento de trazer novos elementos para a cena pública, para a ocupação da cidade. Como optamos por um formato descontraído, acreditamos que conseguimos juntar pessoas que não são necessariamente ligadas ao ativismo, mas, sim, mulheres que passam, passaram e passarão por questões que estávamos discutindo ali.”

O Bloco que nasceu de uma página no facebook foi convidado a participar da campanha “Nesse carnaval perca a vergonha, mas não perca o respeito” da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres - ONU Mulheres. A parceria com um organismo internacional foi uma grande honra que, simultaneamente, endossou a importância do movimento, diz Debora. A campanha divulgou panfletos durante o carnaval dando dicas para um comportamento respeitoso de rapazes na hora de “chegar” e conselhos para as meninas de como atuar em situações de desrespeito e violência. Dessa maneira, a campanha buscou promover o respeito mútuo e evitar o assédio sexual.

O grande foco das reivindicações políticas do Bloco está na soberania sobre o próprio corpo e na liberdade sexual e reprodutiva das mulheres. A legalização do aborto é uma das expressões dessas reivindicações verbalizada na frase “Deputado, tira a mão do meu útero” que se dirige aos políticos, sobretudo, da bancada religiosa composta por católicos e evangélicos e liderada pelo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB) que afirmou que uma lei de descriminalização do aborto: “vai ter que passar por cima do meu cadáver para votar”[3]. Os direitos sexuais e reprodutivos continuam sendo um tema sensível. A fundadora do bloco Debora afirma que o conservadorismo brasileiro atualmente está muito visível na mídia nacional, sobretudo nas redes sociais. Para ela, a legalização do aborto é a expressão do controle sobre o próprio corpo como o direito à vida tendo em conta que muitas mulheres morrem abortando clandestinamente.

Porém, é inegável que a prática do aborto faz parte da realidade brasileira – com consequências desastrosas. Embora ilegal, a Pesquisa Nacional de Aborto afirma que 20% da população feminina brasileira com menos de quarenta já se submeteu a um aborto clandestino. A Organização Mundial de Saúde estima que a cada dois dias morra uma mulher brasileira das conseqüências de um aborto ilegal[4]. No Brasil apenas em três casos uma mulher pode realizar aborto: se for vítima de violência sexual, se houver riscos graves para a saúde da mulher e se o feto for anencéfalo. Em qualquer outro caso é um crime e a mulher pode ser presa.

Paralelos existem entre o movimento feminista e o LGBT. Marcio Marins, ativista da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABLGBT, afirmou que a ação política e reivindicatória tanto das feministas como dos membros do movimento LGBT se dirige contra o machismo e o patriarcado que oprime “o feminino”, ou aquilo entendido como tal. Isso não somente se refere às mulheres, mas também àquelas pessoas que não seguem o padrão hegemônico heterocêntrico/sexual.

Outra forma de machismo contra qual o bloco se manifesta é o assédio e a violência sexual. Uma pesquisa de percepção social realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que 58,5% dos entrevistados acham total- ou parcialmente que a chance de uma mulher ser estuprada ou não depende do comportamento dela. Porém, 58,4% opinam que roupa curta não justifica os ataques. Atrás das afirmações está a pergunta do controle sobre o próprio corpo. Se a mulher não impuser limites através de um comportamento adequado, ela perde o direito à soberania sobre o próprio corpo. Portanto, neste caso, quem seria o culpado pelo estupro seria ela por tê-lo provocado. 

No 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, as “Mulheres Rodadas” organizaram “O dia da minissaia” na praia de Copacabana, reivindicando respeito e o fim do assédio sexual, violência contra a mulher e a legalização do aborto. O evento  recebeu o apoio da ONU Mulheres e da cantora de funk Valesca Popozuda que através da sua atuação provocante defende a liberdade sexual feminina e desafia a exigência machista do comportamento feminino “adequado”. Ambas gravaram vídeos divulgados na internet e redes sociais mostrando apoio. A representante da ONU Mulheres, Nadine Gasman, defendeu o direito das mulheres de vestir o que quisessem sem serem agredidas por usar uma roupa considerada ousada.

O evento animado conseguiu reunir pessoas de diferentes estratos sociais, idades, sexos e orientação sexual. Além disso, contou com a participação de um DJ, dois pintores, cabeleireiras que criavam turbantes e outros ativistas distribuindo tatuagens temporais e muito confete.

A situação da mulher no Brasil continua precária por várias razões. Entre elas, estão o machismo diário e político, a violência e a pobreza. Apesar da Lei Maria da Penha ter sido considerada um grande avanço, pois determinou penas mais duras para os agressores das mulheres, não houve estruturalmente grandes mudanças[5]. Movimentos como o das Mulheres Rodadas que abrangem o tema de forma carnavalesca conseguem atrair a atenção de um público amplo e diverso levando em frente a conscientização do problema e pode contribuir para um novo pensamento em relação às questões de gênero.

 

Este artigo faz parte do Dossiê Beijing +20 do Instituto Gunda Werner da Fundação Heinrich Böll. 

Acesse também a versão brasileira do Dossiê aqui .

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[1] http://globotv.globo.com/rede-globo/altas-horas/v/anitta-e-pitty-discor…

[2] http://www.brasilpost.com.br/2014/12/12/tumblr-mulher-rodada_n_6315146…

[3] http://oglobo.globo.com/brasil/eduardo-cunha-sobre-aborto-vai-ter-que-p…

[4] http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/28/politica/1411937015_378864.h…

[5] Waiselfisz, Julio Jacobo: Mapa de violência. Atualização: Homicídio de Mulheres no Brasil 2012, Flacso Brasil