Em ritmo de futuro: Territorialidades e presenças tecnopolíticas no I Seminário de Inteligência Artificial, Meio Ambiente e Justiça Socioambiental

O Primeiro Seminário de Inteligência Artificial, Meio Ambiente e Justiça Socioambiental foi um gesto nessa direção. Um espaço vibrante em que a técnica foi celebrada como prática coletiva, onde vozes diversas revelaram que inovação emerge quando mapas não se sobrepõem de maneira exata, mas se tornam incomensuráveis e férteis, abrindo frestas para fabulações e políticas

IA e Clima
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“O machado é meu brinquedo/cortando minha esperança”
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Pensar a técnica é pensar como mundos são configurados pelas formas de transmissão da informação, pelas maneiras como lidamos com os gestos, ritmos e materiais que sustentam a vida em comum. A técnica não é simples instrumento nem acumulação de artefatos, mas cultura em movimento, como o machado das quebradeiras, capaz de abrir futuros ou de limitá-los. No contexto da inovação, essa perspectiva nos desloca do fascínio pela novidade isolada para o reconhecimento de práticas e invenções que, ao longo do tempo, produziram modos de existência, convivência e cuidado entre humanos e mais-que-humanos. Em tempos de mudanças climáticas, essa responsabilidade se amplia, pois mecanismos de mitigação e adaptação deixam de ser expedientes de contenção para se tornar práticas de convivência, capazes de articular biomas, culturas e tecnologias em arranjos que sustentam a vida.

O Primeiro Seminário de Inteligência Artificial, Meio Ambiente e Justiça Socioambiental foi um gesto nessa direção. Um espaço vibrante em que a técnica foi celebrada como prática coletiva, onde vozes diversas revelaram que inovação emerge quando mapas não se sobrepõem de maneira exata, mas se tornam incomensuráveis e férteis, abrindo frestas para fabulações e políticas. Nesse encontro, imaginar futuros foi também inscrevê-los no presente, afirmando que clima, território e tecnologia só podem ser pensados em conjunto. O seminário abriu um espaço raro de acolhimento às diferenças, lembrando que futuros comuns não se constroem pelo apagamento, mas pelo reconhecimento de práticas e sistemas de conhecimento diversos. Esse gesto contrasta com os vetores de pressão que se intensificam: a expansão de data centers que consomem energia e água em escala industrial, a financeirização dos territórios pelo avanço de grandes projetos de renováveis, a agroindústria que combina vigilância de fronteiras e controle genético sob a retórica da “agricultura de precisão”, a dissociação da terra através das promessas de “eficácia” e “aperfeiçoamento” que reeditam lógicas eugênicas.

Ao aproximar os ecossistemas de direitos digitais e justiça socioambiental, conseguimos dar nome a essas tensões e ao mesmo tempo afirmar práticas que resistem ao apagamento. O canto das quebradeiras de coco babaçu, reconhecido como patrimônio imaterial, ecoou como lembrança de que biodiversidade, sementes e terra não são insumos para métricas de descarbonização, mas fundamentos socioculturais e políticos de existência. É nesse entrelaço que mitigação e adaptação adquirem sentido: como responsabilidade proporcional de Estados, corporações e finanças diante dos povos, dos biomas e das memórias coletivas que sustentam a vida, enquanto afirma práticas já existentes de proteção territorial, protocolos autônomos, e fundos comunitários como soluções para a crise climática. 

Pensar em mitigação e adaptação a partir desse entrelaço exige deslocar a própria gramática das negociações climáticas, que ainda se apoiam em esquemas de conversão que reduzem impactos a equivalências abstratas em unidades de carbono como mapa universal das soluções tecnológicas. Essa articulação tecnopolítica entre direitos digitais e justiça socioambiental propõe outra programática de inovação, capaz de reconhecer que territórios, corpos, sementes e biomas sustentam dimensões de futuro que não cabem nessas traduções padronizadas. Nesse horizonte, mitigação e adaptação deixam de ser tratadas como mecanismos que apenas reduzem ou compensam danos e passam a ser compreendidas como práticas que produzem conhecimento a partir de relações situadas entre territórios, espécies, memórias e suas tecnologias. São sinergias que se formam no próprio funcionamento da ecologia e que oferecem caminhos para protocolos capazes de manter inseparáveis as dimensões do clima, da justiça e da inovação, lembrando que a vida se sustenta não só pelo cálculo do carbono, mas pela convivência entre práticas de mundos diversos.