Comunidades indígenas sofrem com contaminação por agrotóxicos

Pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e Fiocruz encontraram, uma quantidade significativa de agrotóxicos, proveniente da deriva da pulverização  feitas nas plantações do entono das aldeias indígenas de Dourados e Caarapó (MS).  

Agricultora indígena em sua a roça, cercada por plantações de soja.

Durante o primeiro ano de coletas (março de 2021 a março de 2022) foram identificados 27 tipos de Ingredientes Ativos, ou seja, os compostos químicos dos agrotóxicos, na água analisada e um tipo nos alimentos. “Mais de 60% das detecções de Ingredientes Ativos estavam abaixo do Limite de Quantificação do método utilizado pelo laboratório e cerca de 30% tiveram valores quantificáveis. Mas esses valores são preocupantes, porque não há na legislação brasileira uma definição máxima para a somatória das concentrações dos diferentes IA encontrados em cada amostra, tampouco para a água da chuva”, ressalta Alexandra Pinho.

"O agrotóxico também é utilizado como uma arma contra as famílias indígenas para que elas desistam e saiam da área"

Entre as comunidades participantes foi possível identificar que a Retomada Indígena Guyraroká é a mais vulnerável aos impactos dos agrotóxicos. “A retomada Guyraroká tem uma área de 58 hectares, onde residem 22 famílias, cerca de 100 pessoas. O território possui pouquíssima vegetação nativa porque antes era uma fazenda de gado e como trata-se de uma área de retomada, há muitos conflitos com os proprietários vizinhos.  Com o passar dos anos, os produtores trocaram o gado pelo grão de soja e pelo milho, então hoje as plantações estão ao lado das casas e da escola da comunidade. Quando o veneno é aplicado, a distância de segurança das casas não é respeitada. Infelizmente, o agrotóxico também é utilizado como uma arma contra as famílias indígenas para que elas desistam e saiam da área”, explica Patrícia Zerlotti, pesquisadora do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (FONASC - CBH).

O Ingrediente Ativo 2-4D, um composto químico extremamente tóxico para a saúde humana e perigoso ao meio ambiente, foi detectado nas coletas de todas as comunidades analisadas. Ele é utilizado na plantação da soja e milho no momento de preparação para a colheita. “A deriva da pulverização está impedindo a produção de alimentos para subsistência e, portanto, está interferindo na soberania e segurança alimentar das comunidades e as famílias podem sofrer contaminação aguda e crônica”, diz Alexandra Pinho, coordenadora do estudo e professora da UFMS.

Impactos na saúde e no meio ambiente

Fernanda Savicki, engenheira agrônoma e pesquisadora da Fiocruz, explica que o 2-4D é um herbicida de ação hormonal: “Age do mesmo modo em outros organismos vivos, inclusive nós humanos. Em ambientes expostos ao 2-4 D é muito comum observarmos a falta de frutificação de pomares, abortamento de flores e frutos, ressecamento das áreas reprodutivas ou aéreas de crescimento vegetativo das plantas não alvo, justamente por atuar na desregulação hormonal”.

Os mesmos impactos podem acometer a saúde humana, como já comprovado por pesquisas científicas. “Exposição ao 2-4 D representa disfunções do sistema reprodutivo, infertilidades, abortamentos espontâneos entre outros problemas hormonais que podem potencializar surgimento de doenças crônicas ou oncológicas. Há evidências científicas que associam algumas situações de obesidade, inclusive infantil, a produtos como o 2-4 D e outros com o mesmo mecanismo de ação”, destaca Savicki.

O projeto da pesquisa

As evidências dos pesquisadores fazem parte do projeto “Impactos dos agrotóxicos em comunidades de povos tradicionais em Mato Grosso do Sul - direitos à saúde ambiental e humana”, do Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas (FONASC/CBH). 

Na primeira fase do projeto as coletas foram feitas nas localidades: Retomada Indígena Guyraroká, em Caarapó; Aldeia Jaguapiru, Reserva Indígena de Dourados; Comunidade Quilombola Dezidério Felipe de Oliveira, área rural de Dourados e no Centro de Capacitação e Pesquisa Geraldo Garcia (CEPEGE), um lote do Assentamento Geraldo Garcia, localizado em Sidrolândia. Todas as famílias relatam a problemática da constante exposição aos agrotóxicos utilizados nas lavouras do entorno. Para as análises foram coletadas 122 amostras de água superficial (de abastecimento) e da chuva e 25 amostras de alimentos.

Para a coordenadora do projeto, Alexandra Pinho, o estudo está confirmando todas as hipóteses levantadas. “A pesquisa e as ações de intervenção junto às comunidades são de extrema importância. A nossa estratégia é empoderar, informar e capacitar as comunidades tradicionais e locais sobre os riscos dos agrotóxicos; além de fortalecer a rede de pesquisadores sobre este tema em Mato Grosso do Sul”, explicou Pinho.