Poder, pobreza, fome
O relatório “O Estado da Insegurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2021”, da Organização das Nações Unidas (ONU), estimou que até 811 milhões de pessoas em todo o planeta – cerca de um décimo da população global – estava subalimentada em 2020. Esse ano foi, também, o primeiro ano da Pandemia de Covid-19, que agravou – mas não causou – este cenário.
Foi na América Latina onde o número de pessoas passando fome mais cresceu – e esses números vêm piorando há seis anos consecutivos. Os dados mais recentes apontam que 4 em cada 10 pessoas da região da América Latina não disfrutam de uma dieta adequada e saudável todos os dias. No Brasil, o caso é especialmente preocupante: dados da Rede Penssan apontam para um retrocesso de décadas: em 2022, são cerca de 33 milhões de pessoas passando fome (cerca de 15% da população brasileira). Esse número expressa um crescimento de aproximadamente 75% em relação ao Inquérito anterior, realizado em 2020, quando eram 19 milhões de brasileiros que estavam nessa situação.
Há muitas desigualdades por trás deste cenário da fome: ela atinge mais as mulheres que os homens, atinge mais os países em guerra e a população negra, está mais presente em localidades pobres ou com conflitos. A fome e a insegurança alimentar têm causas sociais e políticas e também está associada à injustiça ambiental e climática.
Assim, esta publicação tem como objetivo apresentar dados e reflexões a respeito deste tema no Brasil e no mundo, fomentando um debate que analise as múltiplas causas e nuances da fome e da desnutrição e como a desigualdade social e a injusta concentração de poder na nossa sociedade estão intrinsecamente ligadas a essas questões. Mais que um subproduto dos sistemas alimentares vigentes, a falta de acesso à alimentação saudável por todos é uma consequência direta da forma que esses sistemas são organizados e dos interesses que os sustentam.
Em 2021, aconteceu a Cúpula de Sistemas Alimentares das Nações Unidas de 2021 – foi a primeira vez na história das Nações Unidas, que uma cúpula se dedicou exclusivamente a refletir sobre os nossos sistemas alimentares. No entanto, os desdobramentos de tal evento foram criticados por setores da sociedade civil, que apontam para um favorecimento de soluções tecnológicas corporativas, por um lado, e para o menosprezo de soluções que passem pelo fortalecimento da agroecologia, da agricultura orgânica e camponesa e pelo respeito ao conhecimento dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, por outro.
Uma mudança no nosso sistema alimentar – caminho necessário para o direito à alimentação e nutrição saudável para todos – passa, necessariamente, pelo fortalecimento de políticas que levem em consideração tais conhecimentos, que escutem as vozes daqueles mais afetados pelas desigualdades por trás desse sistema e que leve em conta, também, a proteção da biodiversidade e do clima. Esperamos que a leitura desse material suscite reflexões que colaborem na caminhada rumo a sistemas alimentares mais justos e sustentáveis.
Detalhes da publicação
Índice
5 ... Prefácio
6 ... Crise: Por um futuro sem fome
8 ... Guerra: Conflitos alimentam a fome, a fome alimenta o conflito
10 ... Desnutrição: Passando fome e consumindo muitos ultraprocessados
12 ... Poder: Comércio de alimentos, um grande negócio
14 ... Pobreza: Trabalho, pobreza e fome - Expressões da desigualdade no Brasil
16 ... Desigualdades: No Brasil, a fome tem cor, gênero e endereço
18 ... Pandemia: Agravando a desigualdade alimentar no Brasil
20 ... Autores, fontes de dados e gráficos