A preservação ambiental do gramado olímpico

A ideia de que os Jogos Olímpicos não são apenas um evento esportivo, mas uma oportunidade única de melhorias para as cidades que os sediam é exaltada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e pelos governantes dos locais recebedores desse megaevento, da escala municipal à federal. Ele seria como uma garantia de ganhos palpáveis em áreas como mobilidade, turismo e preservação ambiental. No caso da Olimpíada Rio 2016, todavia, todo o marketing não parece resistir a uma análise simples, especialmente se for considerado que, a quatro meses dos jogos, já é possível vislumbrar o que foi e o que não foi feito.

No plano de gestão e sustentabilidade dos jogos, um dos eixos temáticos é o de "Conservação e recuperação ambiental", que supostamente teria como objetivo "promover a recuperação ambiental dos corpos hídricos nas regiões dos Jogos" e "reforçar/acelerar programas de proteção, conservação, restauração e recuperação ambiental", entre outros. A despoluição e recuperação não somente não foram realizadas, como mostra o caso emblemático da Baía de Guanabara - onde serão disputadas competições de vela -, mas os jogos também levaram ao desmatamento de vegetação nativa sem nenhuma necessidade real, perceptível na construção do campo de golfe olímpico.

O Brasil tinha em grande parte do seu litoral, da região Sul à região Nordeste, uma floresta conhecida como Mata Atlântica. O desmatamento começou ainda no período colonial e, atualmente, só existe 8,5% dessa mata, devastada com o avanço urbano no litoral, que prossegue ininterruptamente. Na Barra da Tijuca, bairro da Zona Oeste do Rio, havia uma área com 970 mil metros quadrados dessa vegetação na chamada Reserva de Marapendi, em torno da lagoa que recebe o mesmo nome. Atualmente, no lugar de espécies nativas de plantas e animais, há um grande gramado, o campo de golfe olímpico.

A Prefeitura do Rio afirma que os dois campos existentes na cidade, o Gávea Golf Club e o Itanhangá (considerado um dos 100 melhores do mundo pela revista Golf Digest) não teriam condições de abrigar os jogos. No lugar de fazer melhorias em um deles, a solução foi a construção de um novo, que supostamente seria uma grande vantagem para os cofres públicos, por ser construído com dinheiro privado. Para viabilizar esse acordo, todavia, foi dada às construtoras, a Fiori Empreendimentos Imobiliários e sua parceira, a incorporadora e construtora Cyrela, a autorização, por meio de uma lei aprovada na Câmara de Vereadores,para construir 22 prédios de 22 andares no mesmo terreno, sendo que o preço mais baixo de cada unidade simples (sem contar as coberturas) é de cerca de R$ 5 milhões. O custo da obra do campo foi de R$ 60 milhões, o que numa conta simples mostra quem saiu com a vantagem no acordo.

As ações da prefeitura na região logo chamaram a atenção de moradores da Barra da Tijuca e ambientalistas, que começaram a se organizar em movimentos como o Golfe Para Quem?  e Ocupa Golfe, e realizaram ações diversas de denúncia e resistência, entre elas uma ocupação de meses em frente ao empreendimento imobiliário e esportivo. Os movimentos conseguiram repercussão não apenas local, mas também internacional[1]. O aumento das críticas e cobranças sobre a prefeitura fez inclusive com que ela lançasse um site  rebatendo as denúncias relacionadas à obra[2], sendo que a veracidade das afirmações da administração municipal é contestada pelos críticos da obra.

O advogado Jean Carlos Novaes, do Ocupa Golfe, faz questão de ressaltar que, antes mesmo das Olimpíadas, já havia interesse de destruir a área para a colocação de um campo. Para ele, os jogos na verdade servem de desculpa para a realização de ações arbitrárias há muito planejadas por empresários da região. O mesmo acontececom ocaso da Vila Autódromo, comunidade vizinha ao Parque Olímpico, também na Zona Oeste do Rio, que desde a década de 1990 luta contra a remoção, que entrou em curso acelerado com a escolha da cidade para sediar o megaevento.

"O processo de licenciamento ambiental do campo é totalmente anômalo. A autorização prévia foi concedida no último semestre de gestão do (ex-prefeito) Cesar Maia, em 2008. Essa licença venceu no dia 20 de julho de 2009. A ideia do campo volta em 2011, quando o Rio já tinha a autorização para sediar os Jogos, e o(prefeito) Eduardo Paes afirma que aquela era a melhor opção, pois até já existia a licença, mas que na verdade estava fora de validade", afirmou o advogado, explicando também que essa licença prévia era apenas para que o projeto fosse analisado para ver se não feria a legislação: "E nessa fase, a Procuradoria Geral do Município, por meio da procuradora Carmen Lúcia Macedo, havia escrito um parecer de 15 páginas contra a autorização da construção no terreno".

A destruição da vegetação nativa e as irregularidades no processo logo chamaram a atenção do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), que entrou com uma ação civil pública sobre o caso. Em meio à má repercussão do desmatamento, até mesmo o Comitê Olímpico Internacional (COI) se isentou de responsabilidade, contradizendo o prefeito Eduardo Paes, que afirmava que a obra era uma solicitação dele. Em sabatina com estudantes universitários do Rio, em fevereiro de 2015, o presidente do COI, Thomas Bach, afirmou que "o prefeito pressionou muito pela construção desse campo. Tenho certeza que ele pensou muito antes de tomar a decisão de construí-lo"[3].

O campo foi inaugurado em novembro de 2015, mas, para Jean Carlos Novaes, ainda é possível reverter o quadro. "O MP pede a inconstitucionalidade da lei que autorizou a criação do campo de golfe, que foi aprovada no último dia de funcionamento da Câmara de Vereadores do Rio em 2012, numa sessão planejada para ser quase secreta, sem chamar a atenção da mídia e da população. Se a ação for considerada legal, o campo não tem razão de existir. É uma área que deve ser reflorestada e preservada", disse Jean.

E, após toda a defesa do campo, o próprio Eduardo Paes declarou no dia da inauguração:

“No Brasil, eu acho que não há muito legado no golfe, eu sempre disse isso. Não acho que é algo popular no Brasil, entregar campos de golfe. Acho que vai ser algo muito mais turístico, trazer pessoas ao Rio de Janeiro para jogar no primeiro campo de golfe olímpico"[4].

A compensação de CO2 também faz parte dos Jogos. Estudo feito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a pedido do Comitê Olímpico Local (COL) mostra que 3,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono devem ser produzidas durante o período dos jogos olímpicos e paralímpicos. Sendo que, desse total, 724 mil toneladas são consideradas emissões próprias das atividades do evento. Para compensar essa poluição, o Comitê assinou contrato com a multinacional química Dow, que atua em mais de 160 países e ficou responsável por criar tecnologias de mitigação para compensar 2 milhões de toneladas de CO2. De acordo com o Comitê, a empresa atua com ações em diversas áreas, como agricultura e indústria, para criar soluções que proporcionam maior eficiência energética, além de outras tecnologias que buscam diminuir o desperdício de alimentos, por exemplo[5].

Os outros 1,6 milhão de toneladas deveriam ser compensados com reflorestamentos. Em anúncio feito em setembro de 2012, a Secretaria estadual de Meio Ambiente afirmou que seriam plantadas 34 milhões de árvores até 2016[6] para bater essa meta. Os números sobre esse plantio não são divulgados de forma transparente pelo governo, mas, em novembro de 2015, o Jornal Folha de São Paulo divulgou que apenas um quinto do prometido (ou 7,2 milhões) havia sido plantado[7]. Ainda assim, os números divulgados estariam utilizando reflorestamentos feitos para outros empreendimentos não relacionados aos Jogos, como a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí, cidade na Região Metropolitana do Rio.

Recuperação atolada em esgoto

Os belos anéis olímpicos podados nos arbustos às margens do Rio Arroio Fundo, em Jacarepaguá, lembram aos que por ali passam de que a recuperação de rios e lagoas também era uma promessa que seria concretizada em 2016, constando no caderno de encargos dos Jogos, documento que reúne os compromissos dos realizadores[8]. Como mais um símbolo do fracasso do projeto, o que se vê é um rio completamente assoreado, com muito esgoto e lixo, exalando um mau cheiro que toda a publicidade olímpica não tem como disfarçar.

A má qualidade das águas cariocas foi tema de um estudo da Associated Press (AP) divulgado em julho de 2015[9], mostrando que ela não é exclusividade de rios e lagoas nas quais não haverá competição. A Lagoa Rodrigo de Freitas, onde ocorrerá as provas de canoagem,tem 1,7 bilhão de adenovírus por litro no extremo superior e 14 milhões no extremo inferior. Em sua comparação para o público internacional, a AP utilizou as praias da Califórnia, onde o nível viral é de 1.000 por litro, segundo a agência. Esse tipo de vírus é conhecido por causar doenças digestivas e respiratórias. Como resposta ao estudo, o Comitê Rio-2016 e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), responsável pelo monitoramento das águas, afirmaram que seguem padrões internacionais em suas análises, que medem apenas a quantidade de bactérias, e não de vírus, no mar e na lagoa.

Para Alessandro Zelesco, do movimento SOS Estádio de Remo, a água da lagoa já esteve até pior no passado. A atual situação, explica ele, poderia ter se agravado caso a Prefeitura seguisse com seu plano de instalar arquibancadas flutuantes sobre a lagoa. "Elas na verdade seriam presas no leito, o que poderia levantar substâncias que levariam à mortandade de peixes", explica Zelesco, acrescentando que a ideia não foi descartada por preocupações ambientais: "Está muito em cima dos jogos para começar a construir esse tipo de arquibancada. Agora, eles vão fazer algumas temporárias em terra, e o Estádio de Remo, que hoje se encontra privatizado e transformado em um shopping center, continuará sem investimentos e a atenção necessária. Os jogos eram a oportunidade de fazer dali um centro de treinamento para atletas de ponta e iniciantes. Não temos nada do tipo por aqui, enquanto a Alemanha, por exemplo, tem oito centros. Mas investir no esporte claramente também não é a preocupação para a Olimpíada".