O Brasil ocupa a 154ª posição de participação das mulheres no Congresso, em um universo de 174 países, segundo estudo da ONU Mulheres, divulgado em 2017. Para transformar este cenário nada promissor, Julia Rensi co-fundou o Mapa das Mina. A jovem, de 25 anos, mestranda de relações internacionais na UERJ faz parte da série “Pense no seu voto” e conversou com a Fundação Heinrich Böll às vésperas do lançamento da plataforma.
Por que votar em mulheres?
Para Julia existem muitos argumentos para convencer uma pessoa sobre a importância do voto nas mulheres: “Às vezes andamos em uma rua escura e nos sentimos inseguras. Você já pensou que se tivermos uma mulher no poder sensível às questões das mulheres, ela vai pensar que questões de segurança pública também estão relacionadas à iluminação pública? Questões do nosso dia a dia estão ligadas a quem a gente vota.” Julia completa dizendo que temas como os altos níveis de mortalidade na maternidade e o aborto, que deveria ser tratado como uma questão de saúde pública; podem ter tratamento diferente por mulheres que estejam em postos de tomada de decisão.
Faltam mulheres na política
A ideia do Mapa das Mina surgiu em um curso de hacking cívico, no qual Julia e alguns colegas identificaram o problema da subparidade de gênero e a possibilidade do uso de tecnologia para solucionar a questão. As mulheres são 52% dos eleitores brasileiros, mas o número de candidaturas femininas é muito baixo. Apenas 31,2% de todos os candidatos registrados nas eleições deste ano são mulheres, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Hoje, no Congresso Nacional somente 11,3% dos parlamentares são mulheres. Nas eleições de 2016 para prefeito e vereador, do total de candidatas, apenas 13% foram eleitas, segundo o TSE.
A plataforma digital Mapa das Mina foi criada de forma coletiva em um hackaton, uma maratona em que programadores se reúnem por horas, dias e até semanas para desenvolver um projeto, em geral com linguagem de código aberto. A plataforma é uma ferramenta que busca romper as barreiras para que as mulheres aumentem sua representatividade na política. O Mapa apresenta as candidatas, de todo estado do Rio, engajadas no campo dos direitos das mulheres e que tenham propostas neste sentido. Há informações sobre cada uma, suas propostas e caminhos para apoiar suas candidaturas, como os financiamentos coletivos e outras formas de ajuda.
Julia explica que além dos obstáculos para que as mulheres se elejam, existem as dificuldades para que elas se tornem candidatas, ou seja, serem vistas e se enxergarem como agentes políticos. Muitas mulheres não conseguem se candidatar por conta das múltiplas jornadas. De acordo com dados da última PNAD (2017), o tempo de homens e mulheres dedicados ao trabalho doméstico não remunerado é desigual. A pesquisa mostra que as mulheres gastam cerca de 21 horas semanais com afazeres domésticos enquanto que os homens se ocupam das tarefas domésticas com a metade desse tempo.
Há também, como explicam Natalia Mori e Carmen Silva, da ONG Cfemea, em artigo para a série “Pense no seu voto”, um consentimento social dos homens serem liberados do tempo das tarefas domésticas e de cuidado e, com isso, poderem se dedicar à organização política, deixando o ônus das múltiplas jornadas para as mulheres.
Para aquelas que conseguiram se tornar candidatas, o Mapa atua na questão dos recursos e visibilidade. A eleição de 2018 tem como determinação do TSE que, pelo menos, 30% dos recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do tempo de propaganda gratuita sejam destinados às candidaturas femininas. Mas na prática isso nem sempre acontece. Julia acredita que plataformas como o Mapa das Mina podem ser uma forma de pressionar os partidos a cumprirem a lei. Além disso, é um espaço onde as candidatas podem divulgar os crowdfunding, “vaquinhas online” para alavancarem suas candidaturas.
Um outro impeditivo para que mais mulheres ocupem cargos eletivos é a visibilidade. Muitas vezes as mulheres não são prioridade nas listas partidárias e os eleitores não têm chances de as conhecerem. A cota de gênero obriga os partidos a registrarem no mínimo 30% de candidatas, mas uma grande parte dessas mulheres não têm campanhas estruturadas.
Redes sociais
Como pesquisadora de tecnologias e cyberativista, Julia avalia os impactos das redes sociais na política como contraditórios. “Existe a questão das bolhas, que acabam fazendo com que a gente fale só com pessoas parecidas conosco, mas temos nessas eleições a possibilidade de impulsionar conteúdo nas redes sociais. Eu não sei até que ponto isso rompe as bolhas, mas eu tenho esperança que isso nos faça conseguir ir um pouco além do que o alcance orgânico. O Mapa das Mina também quer pensar sobre como falar para além da bolha do feminismo."
Engajamento em campanha
Julia faz parte de uma campanha de uma candidata a deputada federal que leva em conta as mudanças no campo do trabalho. “Eu acho muito importante a pauta do trabalho e das mudanças do trabalho porque eu pesquiso tecnologia e uma das questões centrais é a automação. Existem projeções que mostram que, a longo prazo, a maior parte dos postos de trabalho serão para pessoas extremamente qualificadas e o resto das pessoas ficarão sem um trabalho formal. Hoje no Brasil estamos vivendo um desmonte dos direitos trabalhistas. Assim, é preciso encarar esta realidade e falar em como garantir direitos sociais para essas pessoas, diante de tantas mudanças".
A falta de interesse dos jovens na política
Muitas pesquisas mostraram que o desinteresse na política entre os jovens tem aumentado e que este é o motivo também para os chamados votos de protesto, aquelas escolhas que não são feitas pelas propostas do candidato. Para Julia, é muito compreensível esta desilusão: “A questão dos jovens não participarem da política hoje tem a ver com a falta de renovação política. A gente olha para o Congresso e para todas as instâncias do poder e vê as mesmas pessoas sempre e, no máximo, os filhos e filhas delas. Impossível não se desmotivar olhando isso eleição após eleição.”
O caminho de mudança para Julia pode ser uma aliança entre as pautas identitárias com a renovação política: “Este ano temos uma pauta muito forte falando de renovação política. Vários movimentos defendendo voto em LGBT e voto em mulheres. São as pautas identitárias ganhando mais força no Brasil. Mas ao mesmo tempo tem o descompasso com a falta de renovação política [em muitas eleições]. Devemos aproximar as duas questões. A partir do momento que tivermos mulheres, pessoas LGBTs e negros no espaço de poder iremos conseguir nos ver representados na política.