De 1 a 11 de junho, na cidade de Bonn, Alemanha, vem acontecendo uma das principais rodadas de negociações sobre o futuro acordo climático global antes da COP 21, que terá lugar em Paris, em dezembro. Até lá estão agendadas ainda mais duas sessões de negociação: de 31 de agosto a 4 de setembro e de 19 a 23 de outubro.
Texto de negociação
O resultado esperado para a sessão em curso é que se produza uma versão de texto mais enxuto, claro e negociável sobre os elementos que estão na mesa. Os delegados dos países trabalham sobre o “rascunho zero”, também chamado de “texto de Genebra” (Geneva text), que possui cerca de noventa páginas,
O texto é resultado do acúmulo de propostas e posições apresentados pelos países no mandato da Plataforma de Durban para Ação Fortalecida (ADP, na sigla em inglês), traduzidos e redigidos em parágrafos que cobrem todos os elementos que devem estar no novo acordo: mitigação; adaptação; perdas e danos; financiamento; desenvolvimento e transferência de tecnologia; transparência e capacitação. A versão inicial do rascunho zero foi incorporada na decisão que saiu da COP 20 (Lima, dezembro de 2014), o Chamado de Lima para Ação Climática, com o objetivo de colocar a negociação nos trilhos para o acordo de Paris. Este documento passou por uma rodada de negociações em fevereiro de 2015, em Genebra, onde muitos pontos foram acrescentados.
Durante a primeira semana em Bonn os negociadores se dedicaram ao exercício de “streamline”, ou seja, tentar enxugar o texto negociador, identificando as repetições. O resultado não foi tão bem sucedido, considerando que a versão ‘melhorada’ reduziu o original em apenas 5%. De fato, as repetidas sessões de leitura dos elementos do texto conduzidas por facilitadores foram um exercício lento e um tanto quanto sem metodologia clara, como apontaram vários países. No entanto, foi necessário para clarificar as posições e opções que estão contidas ao longo dos diversos conceitos e princípios dispersos nas seções do texto. Além disso, teve o intuito de identificar o que fará parte do texto do novo acordo legal, que deve ser de caráter amplo e durável, tratando também das questões de operacionalização, sem “hieraquizar” entre ambos.
Sem mandato para acrescentar nenhum item novo ao texto, na primeira semana tampouco ocorreram negociações sobre as posições contidas ali. Para os próximos dias, espera-se avançar no sentido de produzir até o final da segunda semana uma nova versão que seja mais manejável e que coloque – enfim – as negociações para andar.
Negociações ‘técnicas’?
Além do trilho do ADP, na reunião de Bonn também ocorrem as sessões paralelas do Órgão Subsidiário para Implementação (SBI) e do Órgão Subsidiário para Aconselhamento Técnico e Científico (SBSTA) da Convenção do Clima. Apesar de ser uma agenda de caráter ‘técnico’ e de orientação, no SBSTA estão sendo apreciados pontos bastante controversos e que possuem extrema relevância política.
Por exemplo, apesar do pacote de decisões sobre REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, aumento e manutenção de estoques de carbono e manejo florestal) ter sido concluído na COP 19, em 2013, sob o Marco de Varsóvia para REDD+ - guia metodológico para o pagamento baseado em resultados - algumas questões ainda seguem sem decisão e podem ser definidas aqui em Bonn. São elas: itens de orientações adicionais para o sistema de informação sobre salvaguardas; benefícios não-carbono (ou co-benefícios ao carbono) e a abordagem de não mercado, representada pela proposta da Bolívia do mecanismo conjunto de mitigação e adaptação para o manejo integral e sustentável das florestas.
Os itens sob a agenda de REDD+ formam um pacote que vai muito mais além da orientação meramente técnica, encobrindo questões de fundo de grande relevância política como criar um arcabouço que aceite REDD+ subnacional; alinhar os standards e critérios sob a Convenção para que as “unidades de redução de mitigação” oriundas de atividade de REDD+ se equiparem aos critérios dos créditos voluntários e seus esquemas de certificação; criar exigibilidade de novos requerimentos e necessidade de verificação para o recebimento de pagamento baseado por resultados; incorporar como co-benefício à redução do carbono todo o leque de serviços ambientais, biodiversidade e funções ecossistêmicas, assim como possivelmente resultados de desenvolvimento sustentável tais como geração de empregos, saúde, indicadores de gênero, etc. É um caminho extremamente perigoso submeter vários compromissos internacionais de financiamento para diversas agendas sob o marco geral do ‘financiamento climático’.
Também sob os itens da agenda do SBSTA está o Marco para Várias Abordagens (Framework for Various Approaches), onde se discute o novo mecanismo de mercado e também abordagem de não mercado. O Brasil vem tendo uma atuação forte neste item, que terá destaque nesta segunda semana, no sentido de se opor constantemente à abertura de novos mecanismos de mercado na negociação, sem antes garantir que os países desenvolvidos assumam compromissos e financiamento dentro do trilho do ADP.
Também no âmbito do SBSTA, foram realizados dois workshops oficiais sobre o tema da agricultura, focando no tema da adaptação. Até o momento, apesar de diversos intentos, o conceito de “agricultura climaticamente inteligente” não integra o marco da convenção. Contudo, é um tema que tende a crescer com o lobby para incorporar segurança alimentar e nutricional nas negociações, e uma vez que a FAO, o órgão responsável pela agricultura e alimentação na ONU, vem promovendo o conceito, assim como setor privado e outras agências e think tanks.
Caminho até Paris
Para que em Paris não se repita o fracasso de Copenhague em 2009, nem tampouco um texto seja tirado da manga no último momento, muito está em jogo nos próximos meses. Sob nomenclatura aparentemente técnica e com questões aparentemente simples (considerando a selva de acrônimos, itens e sub-itens da negociação), temas que estão diretamente vinculados à criação de novos ativos financeiros sobre os ecossistemas estão ganhando terreno. Entre eles o ‘preço ao carbono’ (carbon pricing), métrica padrão para contabilização que inclui eu seu texto conceitos absolutamente problemáticos e controversos como emissões líquidas e evitadas (Net and Avoided Emissions). Junto à sociedade civil, estes temas são complexos e muitas vezes atuam como cavalos de tróia, pois disfarçam uma arquitetura de compensações (offsets), que embora não apareça de forma clara, vem pavimentando o caminho para a transferência de responsabilidades.
O novo acordo do clima irá definir as regras que serão aplicáveis a todos os países a partir de 2020, quando entrará em vigor, assim como para o período de 2015 e 2020. Com ele, uma arquitetura global para financiamento climático, assim como regras internacionais para contabilidade de emissões, terão profundas implicações e vinculação com o processo de transição da economia global para um futuro de baixo carbono. Isso implica também em um ajuste estrutural para implementação de vários mecanismos e princípios chave da economia verde. Este processo, em curso, terá momentos importantes e definidores ao longo deste ano. Para além da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, da qual fazem parte os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a serem aprovados na 70a Assembléia Geral da ONU, um novo marco para o financiamento internacional ao desenvolvimento (FfD). Em conjunto, e levando adiante o legado do Rio (1992) e do marco do “Futuro que Queremos” (Rio+20).