Mudanças climáticas: Agroecologia para frear a crise

Entre as populações mais vulneráveis à mudança climática estão os agricultores familiares e de pequena escala do sul global. Entretanto, muitos desses camponeses mostraram maior capacidade de adaptação graças à implementação de práticas sustentáveis, tanto aquelas que herdaram de seus antepassados quanto aquelas que foram sistematizando em diálogo com outras famílias, técnicos e cientistas que trabalham com o enfoque agroecológico.

Crise Climatica

A agricultura industrial traz grandes impactos para o meio ambiente. O sistema agroalimentar é responsável por 44 a 57% de todas as emissões na atmosfera de diferentes gases de efeito estufa (GEE), como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (cem vezes mais nocivo que o CO2). Somente a agricultura industrial contribui com 10 a 15% dessas emissões, e por isso é considerada um dos motores do aquecimento global.

Os prejuízos causados pelo agronegócio devem-se principalmente ao desmatamento e às mudanças no uso do solo para ampliar a fronteira agrícola, ao uso de hidrocarbonetos para fazer fertilizantes e transportar alimentos, à demanda de energia para o processamento, refrigeração e empacotamento dos alimentos, assim como à poluição pelos agrotóxicos e pelos resíduos de todos esses processos. Por outro lado, a pecuária industrial consome muita energia de combustíveis fósseis (8%) e emite quantidades significativas de metano na atmosfera, contribuindo com cerca de 12% para as emissões globais de GEE.

Gráfico: O agronegócio é o motor da crise climática

Camponeses e agricultores que aprenderam a prever as chuvas e as secas graças ao saber de seus antepassados denunciam hoje que os verões estão cada vez mais rigorosos e a terra mais árida. O planeta não tinha visto um aumento tão rápido nos níveis de CO2 nos últimos três milhões de anos. As medições das estações meteorológicas do mundo, constantes e confiáveis há pelo menos um século, mostram que a temperatura média global aumentou 1,2 graus centígrados desde a Revolução Industrial. Em 17 de novembro de 2023, após intensas ondas de calor no Sul Global, a temperatura da Terra ultrapassou um limite considerado crucial por cientistas que há décadas alertam para as mudanças climáticas: pela primeira vez, a temperatura média global superou 2º C acima dos níveis pré-industriais. Os dados são do Serviço de Alterações Climáticas Copernicus, sediado na Europa.

Algumas regiões estão mais expostas a estas mudanças. Por exemplo, os municípios do Corredor Seco da América Central (CSC) que se estende do sul do México ao norte da Costa Rica, onde o principal meio de subsistência é a agricultura. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente de El Salvador, esse país passou de um evento extremo por década (nos anos 60 e 70) para oito eventos (na década de 2000), o que resultou em erosão, secas, deslizamentos de terra e inundações.

No CSC, como em outras regiões vulneráveis, os agricultores implementam práticas agroecológicas como a diversificação de cultivos com espécies frutíferas e forrageiras e integração animal; o uso de sementes nativas resistentes a certos fenômenos; a gestão adequada da água e de mecanismos naturais para prevenir pragas; e a restauração dos solos através do aumento de matéria orgânica.

Um estudo realizado em mais de 1.800 propriedades rurais na Nicarágua, Honduras e Guatemala constatou que os locais onde são implementadas práticas agroecológicas têm mais solo arável, mais umidade e menos erosão, e sofrem menos perdas do que os sistemas convencionais. Pesquisas realizadas após a passagem dos furacões Ike em Cuba e Stan no México mostraram que as propriedades rurais mais diversificadas sofreram menos perdas do que aquelas com monoculturas e se recuperaram dos danos mais rapidamente. E, de acordo com outro estudo, algumas das regiões do México que guardam mais variedades de milho (algo que também está associado à diversidade étnica e cultural) são menos vulneráveis à mudança climática.

Gráfico 2 - 5 passos para baixar a temperatura do planeta

Na região Andina também se reconhece cada vez mais o potencial dos conhecimentos tradicionais para a adaptação ao aquecimento global, já que ali as comunidades tiveram que enfrentar condições extremas e de alta variabilidade. Ainda existem comunidades como a dos q'eros em Cusco, no Peru, que manejam os cultivos em diferentes altitudes ecológicas: de janeiro a junho cortam árvores e cultivam milho nas yungas amazônicas (floresta andina e selva de montanha a 1.600 metros acima do nível do mar), e entre agosto e dezembro, plantam batatas e tosquiam alpacas e ovelhas na puna (planalto de alta montanha a uns 4.200 metros acima do nível do mar). Da mesma forma, no Brasil, um país que liberou 2,4 bilhões de toneladas de CO2 em 2021, são produzidas menos emissões de GEE em terras indígenas e unidades de conservação; isto se deve a práticas agroecológicas como a reciclagem de biomassa, que evita o uso de fertilizantes e a emissão de bilhões de toneladas de CO2, e reduz a emissão de metano e óxido nitroso dos aterros sanitários.

Outra experiência pioneira na reutilização da biomassa é a RedBioCol, na Colômbia, que articula quase 100 organizações em torno do aproveitamento da matéria orgânica. Utilizando tecnologias como a biodigestão, as organizações desta rede transformam os resíduos orgânicos para produzir um fertilizante de alta qualidade e um biogás que substitui o propano em muitas residências.

Entretanto, essas práticas estão sob ameaça de fatores como a expansão das monoculturas, a migração do campo para as cidades (que impede a transmissão dos saberes tradicionais) e a própria mudança climática (que modifica os ciclos naturais de plantio e colheita). Além disso, grandes organizações como a Aliança Global para a Agricultura Climaticamente Inteligente, e projetos público-privados como a Iniciativa de Agricultura Sustentável (SAI, por sua sigla em inglês), a Nova Visão para a Agricultura (NVA) e a Coalizão para a Nova Economia da Alimentação e Uso do Solo disputam os princípios agroecológicos para difundir a ideia de que é possível reduzir o aquecimento global sem mudanças profundas no agronegócio.

Com os alertas vermelhos, as tentativas de resolver as drásticas mudanças do planeta apenas mediante a redução das emissões de veículos, fábricas e usinas elétricas estão condenadas ao fracasso, adverte um relatório do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC, por sua sigla em inglês). Uma de suas conclusões é que é impossível manter temperaturas 2°C abaixo da média global, a menos que também seja modificada a forma como o mundo produz alimentos e administra os solos.

*Coletivo de autores

 

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