Promessas descumpridas e impactos graves

Pacote tecnológico e produtivo que transformou completamente a agricultura mundial, a Revolução Verde trouxe consequências graves para o meio ambiente, a saúde humana e a autonomia de agricultores sobre seus territórios.

Revolução Verde

Entre as décadas de 1960 e 1970, um conjunto de inovações tecnológicas para agricultura foram difundidas em escala mundial com o propósito de aumentar a produtividade agrícola, incentivar a exportação e acabar com o problema da fome no mundo. Este conjunto caracterizou-se pela utilização das estratégias da Revolução Industrial no processo produtivo agrícola, como a mecanização e a inserção de insumos químicos. Assim, surgiu um novo modelo de produção agrícola tecnificado, que ficou conhecido como “Revolução Verde”.

Esse pacote tecnológico é amparado no uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos, na irrigação automatizada, no estímulo ao uso de sementes geneticamente modificadas ou transgênicas, no aumento da mecanização e no uso de tecnologias na agricultura. Essas técnicas e inovações possibilitaram a maximização dos rendimentos agrícolas por um lado, mas proporcionaram também uma maior dependência dos produtores desse novo modelo de produção, além de impactos socioambientais que perduram até hoje.

O precursor da Revolução Verde foi o engenheiro agrônomo e biólogo estadunidense Norman Ernest Borlaug. Suas pesquisas em inovação e agricultura, em especial no melhoramento do trigo, e a organização da exploração dos resultados desta melhoria na agricultura, fizeram com que ele ganhasse o prêmio Nobel da Paz, em 1970. Na época, Borlaug dirigia o Centro Internacional para a Melhoria do Trigo e do Milho, da Fundação Rockefeller, e defendia o uso de fertilizantes e sementes melhoradas para o aumento da produtividade agrícola e consequente o combate à fome.

A difusão desse novo modelo de produção agrícola foi fomentada por fundações filantrópicas como a Fundação Rockefeller e a Fundação Ford, além de ter tido apoio de diversos atores governamentais e internacionais, com os Estados Unidos da América e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Essa convergência de interesses e incentivos possibilitou o desenvolvimento tecnológico e um vasto alcance do projeto da Revolução Verde, em especial na América Latina e na Ásia, respondendo aos anseios de diversos países por novas tecnologias agrícolas, maior produtividade e fornecimento de alimentos.  É importante observar que em tal período as condições socioambientais para que projetos como esse fossem implementados ainda não tinham grande apelo da sociedade civil.

Se na América Latina e Ásia a revolução verde teve êxito em transformar o sistema produtivo, na África o resultado foi diferente. Devido às condições climáticas e relativas aos solos da região, além da carência de infraestruturas que contribuíssem para o escoamento de grãos, os impactos da revolução verde no continente africano foram moderados. A criação da Aliança para uma Revolução Verde para a África (AGRA), em 2006, representou um novo esforço na proposta de inserção dessas transformações em solo africano. Porém, um estudo apresentado pela Tufts University demonstrou que em 15 anos de aliança (e gastos de aproximadamente 1 bilhão de dólares), resultados ambíguos foram observados no continente. Se a produção de alimentos básicos aumentou 18% durante o período, houve também um crescimento na fome na região desde então.

No Brasil, o desenvolvimento desses modernos sistemas de produção agrícola foi apoiado pela Ditadura Militar (1964 - 1985). Nesse período, o país aumentou a importação de produtos químicos e estimulou a instalação de indústrias produtoras de agrotóxicos. Houve o estabele-

Um país de monoculturas

cimento de um conjunto de políticas públicas e incentivos que estimularam a produção e uso do pacote tecnológico, em especial dos agrotóxicos. Foi criado o Programa Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA), em 1970, e o Sistema Nacional do Crédito Rural (SNCR), em 1965, que contribuíram com a inserção de forma massiva dos agrotóxicos no dia a dia dos produtores rurais. Para se ter acesso ao crédito rural, era obrigatório destinar parte do recurso solicitado para a compra de agrotóxicos, e assim foi criada uma dependência desse setor. Além disso, foram criados órgãos de pesquisa na área, o serviço de extensão rural, com o objetivo de ampliar o alcance dessas transformações entre pequenos agricultores, além do fomento a treinamentos internacionais para professores de agronomia.

Apesar de a Revolução Verde ter se estruturado a partir do apoio de governos e de instituições filantrópicas, houve um interesse de participação cada vez maior de empresas e corporações transnacionais, com o intuito de ampliarem suas fronteiras produtivas e criarem novos mercados. Nêgo Bispo, intelectual quilombola, afirma que o desenvolvimento da Revolução Verde no Brasil foi uma obra colonial, baseada na imposição de um pacote agroquímico desenvolvido a partir de estratégias bélicas, visto que a Segunda Guerra Mundial impulsionou as pesquisas tecnológicas que foram absorvidas pelo sistema agroindustrial, como o amplo uso de agrotóxicos e de fertilizantes químicos.

Os entusiastas da Revolução Verde afirmavam que seu principal objetivo seria aumentar a produtividade de alimentos para combater a fome mundial. De fato, a produção de alimentos aumentou, mas com o foco nas commodities. Atualmente, o setor do agronegócio brasileiro é responsável pelo crescimento da produtividade agrícola, colocando o Brasil como um dos líderes mundiais na produção e exportação de vários produtos agropecuários, dentre eles:  soja, milho, arroz, trigo, feijão e algodão.

No entanto, a soberania e segurança alimentar dos povos não acompanhou esse crescimento. Atualmente, cresce a situação da insegurança alimentar e da fome no Brasil e no mundo, especialmente após a pandemia da Covid-19. Segundo o Relatório do Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo em 2021 (SOFI), publicado pela FAO em 2021, a fome mundial aumentou nos últimos anos. Aproximadamente 23,5% da população brasileira, ou seja 49,6 milhões de pessoas, estavam em situação de insegurança alimentar severa ou moderada durante o período analisado, entre 2018 e 2020. 

Cabe destacar que o Brasil se consolidou como um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo. Dados de 2013 colocam o país como o maior consumidor mundial em valores absolutos e o sétimo se for considerada a utilização de agrotóxicos por área cultivada. Em 2021, o país se tornou o maior importador dessas substâncias. Entre 2019 e 2022, 2.182 novos agrotóxicos passaram a ser comercializados no país. A utilização intensa de agrotóxicos não apenas levou a uma maior produtividade nas lavouras, mas também resultou em sérios impactos na saúde humana e para o solo.

A Revolução Verde trouxe uma série de desdobramentos preocupantes para o meio ambiente e para o modo de vida e trabalho de agricultores familiares. Pesquisas destacam a relação entre seus processos e a priorização da produção em larga escala para exportação, em detrimento da diversificação da produção agrícola. Isso levou à perda de autonomia dos pequenos agricultores e contribuiu para um êxodo rural em massa, resultando em um inchaço das cidades e um crescimento desordenado.  Além do desmatamento em biomas brasileiros vitais, como a Amazônia e o Cerrado, a concentração da posse da terra nas mãos de poucos agravou a desigualdade social e econômica, levando a uma transferência desigual de lucro da atividade agrícola para a agroindústria. Ademais, a produção agropecuária tem desempenhado um papel significativo na emissão de gases do efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global. Além disso, o desmatamento aumentou consideravelmente para abrir espaço para as monoculturas e a pecuária, levando à redução da agrobiodiversidade e à degradação do solo, relacionada diretamente à baixa diversidade de cultivos, à erosão e à contaminação da terra e das águas.

Monocultura Alimentar

Nas últimas décadas, o sistema agroalimentar vem passando por outras fases de modernização tecnológica, incorporando a digitalização em seus processos produtivos com a introdução de tecnologias de automação, o uso de sensores, de drones e de análise de dados. Mesmo com o aprimoramento das técnicas, no entanto, as desigualdades sociais e os impactos socioambientais seguem em crescente. Estas consequências revelam a necessidade premente de reavaliar as práticas agrícolas e buscar abordagens mais sustentáveis, capazes de equilibrar a produtividade agrícola com a preservação ambiental e o bem-estar social. Nessa perspectiva, a agroecologia vem ganhando destaque ao propor uma mudança no atual sistema de produção de alimentos.

O avanço do fronteira agrária sobre a Amazônia

A agroecologia representa a convergência de várias lutas e resistências que trabalham pela retomada de práticas ancestrais, indígenas, quilombolas e de muitas outras comunidades tradicionais. Aa práticas agroecológicas envolvem relações para muito além dos modos de plantar, colher e comer, promovendo também trocas justas e solidárias, através de feiras, do abastecimento local e regional de alimentos e diversas outras estratégias que levam comida para a mesa das famílias brasileiras. Para a agricultura familiar de base agroecológica, não basta apenas produzir alimentos livres de veneno: é preciso agir refletindo sobre todas as dimensões (econômicas/culturais/ambientais/sociais) e garantir autonomia para que territórios e sujeitos também sejam saudáveis, em plenitude.

Fontes:

Lina Faria; Maria Conceição da Costa (2006). Cooperação científica internacional: estilos de atuação da Fundação Rockefeller e da Fundação Ford.

Tina Rosenberg (2014). A Green Revolution, This Time for Africa. The New York Times

Mariana Nascimento (2022). A revolução verde na África Subsaariana: a falha na busca pelo fim da fome. Universidade de Brasília

Leonardo de Bem Lignani; Júlia Lima Gorges Brandão (2022). A ditadura dos agrotóxicos: o Programa Nacional de Defensivos Agrícolas e as mudanças na produção e no consumo de pesticidas no Brasil, 1975-1985

Mariana Albuquerque. Liberações de agrotóxicos batem recorde em 2022. Correio Braziliense, 2022.

Carolina Octaviano (2010). Muito além da tecnologia: os impactos da Revolução Verde.

Giovana Wachekowski et al (2021). Agrotóxicos, revolução verde e seus impactos na sociedade: revisão narrativa de literatura. Salão do Conhecimento

Leonardo Almeida Fontenele et al (2021). Revolução Verde: História e impactos no desenvolvimento agrícola. Agricultura e agroindústria no contexto do desenvolvimento rural sustentável.

Clayton Campagnolla; Manoel Moacir Costa Macêdo (2022). Revolução Verde: passado e desafios atuais. Cadernos de Ciência & Tecnologia.