Desequilíbrios causados pelo sistema agroalimentar estão por trás de boa parte das doenças. Para a agroecologia, a saúde das pessoas depende do cuidado com o planeta, e por isso, são propostas formas saudáveis de interagir como meio ambiente. A produção orgânica e a valorização das plantas medicinais, a partir do resgate de conhecimentos ancestrais, estão entre as estratégias promovidas por movimentos agroecológicos para a garantia de mais saúde e qualidade de vida.
As recentes epidemias de origem animal costumam ser representadas como um contra-ataque da natureza. Mas é mais realista vê-las como males causados pelo modo de produção agroindustrial em sua interação desequilibrada com os ecossistemas. A agricultura e a pecuária industriais prescindem da biodiversidade, tendo como regra a monocultura regada a agrotóxicos, além de outras práticas que enfraquecem o sistema imunológico do planeta.
Os microrganismos potencialmente prejudiciais às pessoas não se reproduzem naturalmente de forma descontrolada entre os animais que os carregam. Essa condição, e o consequente contato entre esses microrganismos e os humanos, é comprovadamente reflexo da expansão das fronteiras agrícolas. Entre 70 e 80% do desmatamento na América Latina relaciona-se com a expansão dessa fronteira. Soma-se a isso a superpopulação de animais nos sistemas de produção de carne, que facilitam a disseminação de vírus, além de sua mutação em organismos saturados de antibióticos e sua disseminação através de cadeias globais de comercialização.
Segundo a OMS, 72% das mortes por doenças são decorrentes daquelas não transmissíveis e, por sua vez, 50% dessas estão relacionadas com os desequilíbrios no sistema alimentar. Neste grupo estão as doenças cardiovasculares — a principal causa de morte —, a obesidade — associada ao consumo de alimentos ultraprocessados — e as doenças respiratórias. De acordo com a Aliança pela Saúde Alimentar, no México, a obesidade causa mais de 200 mil mortes por ano; dessas, mais de 80 mil são por diabetes e mais de 100 mil por problemas cardiovasculares. Para combater o sobrepeso esta organização promove a dieta tradicional mesoamericana e a produção agroecológica.
Outro dado sanitário preocupante relacionado com o modelo de produção agroindustrial são as altas concentrações de micotoxinas e metais pesados em frutas e verduras produzidas por esse sistema. Em comparação, cultivos em modelos agroecológicos possuem mais compostos naturais e nutrientes como metabólitos secundários e antioxidantes. Formas agroecológicas de produção contribuem também para a integridade do solo resultando em uma melhor saúde do sistema, uma maior diversidade microbiológica e, em geral, no bem-estar de todos os elementos envolvidos no cultivo, transformação e consumo de alimentos.
Uma das principais bandeiras da agroecologia é a produção orgânica, sem o uso de agrotóxicos. Estudos demonstraram que os produtos químicos mais utilizados no agronegócio são cancerígenos. O Brasil é um dos maiores importadores de agrotóxicos e, de acordo com testes realizados entre 2017 e 2018 pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, 23% das frutas e verduras analisadas tinham agrotóxicos proibidos ou acima da concentração permitida. Estudos estimam que as intoxicações agudas por agrotóxicos, em crescente no mundo todo, somam cerca de 385 milhões de casos a cada ano.
Como estratégia para evitar o uso de agrotóxicos, a agroecologia propõe controles biológicos de pragas, juntamente com espécies que são suas inimigas naturais. Também é utilizado o controle alelopático, potencializador das qualidades de algumas plantas que resistem a doenças quando estão ao lado de outras. Igualmente, é comum o uso de biopreparados repelentes, como o alho, a pimenta e a arruda.
Outra linha de atuação da agroecologia é a medicina à base de plantas medicinais, a partir do conhecimento dos povos originários sobre preparações de ervas. No México, existem cerca de 4,5 mil espécies de plantas medicinais; 90% dos mexicanos já utilizaram algumas dessas pelo menos uma vez na vida, e 250 espécies são comercializadas diariamente; quase todas são cultivadas em hortas administradas por mulheres.
No Brasil, em 2006, começou-se a fomentar a saúde preventiva com fitoterapia e plantas tradicionais, por meio da aprovação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (PNPIC) e da criação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicas (PNPMF). Dez anos depois, conseguiu-se que mais de 3 mil unidades do Sistema Único de Saúde ofereçam produtos à base de ervas medicinais para beneficiar mais de 12 mil pessoas. Um exemplo dessas medidas é o programa Farmácia Viva, que desde 2010 vem promovendo o cultivo e a preparação de produtos com plantas medicinais, e oferece oficinas sobre remédios à base de ervas. Na Farmácia Viva de Betim, no estado de Minas Gerais, são fornecidos mensalmente cerca de 6,5 mil medicamentos feitos a partir de 25 plantas medicinais.
Mas a gestão comunitária da saúde através de práticas agroecológicas enfrenta, entre outras coisas, o avanço das patentes de plantas medicinais pela indústria farmacêutica. As mesmas multinacionais do setor também estão no mercado das sementes transgênicas e dos agrotóxicos, que são justamente alguns dos causadores do que elas buscariam resolver com seus medicamentos e vacinas.
No caso da Colômbia, os desafios são ainda mais complexos. O crime organizado apropriou-se da coca, planta de uso ancestral, e seu cultivo ilícito serviu de pretexto para violar os direitos das comunidades camponesas e indígenas. No país, em 2015, havia sido erradicada no cultivo de coca a pulverização aérea com glifosato. No entanto a partir de 2020, a prática voltou a ser autorizada, com algumas limitações.
Além de destruir os cultivos de autoconsumo familiar, o glifosato causa doenças respiratórias e prejudica a saúde daqueles que cultivam a planta por tradição cultural ou para o sustento da família. Devido à situação agrária do país, ao narcotráfico e ao abandono do Estado, os camponeses e os indígenas não podem se dedicar a outras culturas porque não são lucrativas. Em contrapartida, no México, graças às lutas sociais, o governo decretou a proibição gradual do glifosato até sua eliminação total em 2024.
Uma das maiores dificuldades na gestão da saúde e da alimentação, de acordo com os princípios agroecológicos, é o acesso a alimentos saudáveis. Por isso é necessário fortalecer as redes para o intercâmbio, não somente de alimentos saudáveis, mas também do conhecimento sobre como utilizar as plantas medicinais que durante milênios curaram os povos do continente.
Fontes:
FAO (2016). “Agricultura comercial genero casi el 70 % de la deforestacion en America Latina”
OMS (2020). “La OMS revela las principales causas de muerte y discapacidad en el mundo: 2000-2019”
Secretaria de Medio Ambiente y RecursosNaturales [s. f.]. “Plantas medicinales de Mexico”
Estudios Ecuatorianos, Observatorio del Cambio Rural y Union Tierra y Vida
FAOSTAT (2021). Uso de plaguicidas 1990 - 2019
Ambiental vol. 30, n.° 3 [pp. 247-261]
Conacyt [s. f.]. Expediente cientifico sobre el glifosato y los cultivos GM