Editorial de Newsletter | Outubro, 2022

A fome é uma questão política



Em outubro, celebramos o Dia Mundial da Alimentação. A data nos convida a refletir sobre o quadro atual da alimentação mundial e sobre a forma como se organiza atualmente o sistema alimentar. Diversas evidências indicam que a forma predominante sobre como se encadeiam as atividades que vão da produção ao consumo de alimentos é insustentável do ponto de vista ambiental e social. Esta configuração dominante do sistema alimentar também contribui para as mudanças climáticas e para o crescimento de problemas de saúde e nutrição. 



No Brasil, infelizmente, temos pouco a comemorar sobre este tema. Carolina Maria de Jesus, conhecida pela sua obra “Quarto de Despejo”, escrita nos anos 1950, relata com detalhes a carestia de alimentos vivida sobretudo pela população pobre e negra. Mais de meio século depois, a experiência descrita por ela ainda é vivida por milhares de brasileiros e brasileiras: 33% de milhões de pessoas, segundo dados do II Inquérito Nacional sobre insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II Vigisan), realizado pela Rede Penssan, Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. A população negra e as famílias chefiadas por mulheres seguem como aquelas que mais veem de perto a fome. Segundo a pesquisa, 19,3% dos lares chefiados por mulheres estão em situação de insegurança alimentar grave. Em lares cuja pessoa de referência é branca, a insegurança alimentar grave incide em 10,6% do total. Este número sobe para 18,1% quando a pessoa de referência é autorreferida como preta ou parda. 



Para nós, a fome e a falta de acesso a alimentos adequados e de qualidade precisam ser encaradas como uma questão política, que possui relação com o modelo agrário brasileiro, historicamente marcado por relações desiguais de poder. Refletindo sobre isso, a Fundação Heinrich Böll, em parceria com o Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (OPPA) e o Grupo de Estudos em Mudanças Sociais, Agronegócio e Políticas Públicas (Gemap), lançaram o webdossiê: “Disputas e desafios do modelo agrário brasileiro: quando novos instrumentos reforçam velhas desigualdades”. A publicação aborda mudanças recentes no cenário agroalimentar e agroambiental, apontando tendências, como o aumento da financeirização da agricultura, as fragilidades na regularização fundiária e a desestruturação de políticas públicas para a agricultura familiar, reforçando desigualdades, com recortes interseccionais. 



Convidamos você para conhecer mais sobre as pesquisas em nosso site e nas redes sociais. Lançamos este dossiê, pois acreditamos que os temas por ele abordados tocam em questões centrais para o Brasil do amanhã. No próximo domingo, nosso país escolherá seu futuro governante, aquele que deverá como tarefa prioritária enfrentar este cenário de carestia, resultante do empobrecimento da maior parte da população e do aumento expressivo dos preços dos alimentos. Para isso, será preciso a construção de uma agenda estratégica de reconstrução de políticas e ações públicas orientadas para a realização da justiça social, ambiental e alimentar, que revertam recentes retrocessos e incorporem novos desafios resultantes dos processos gestados ou intensificados nos últimos anos. 



Ah, e nos próximos dois meses, acompanharemos dois importantes eventos: a Conferência das Partes (COP) do Clima / COP27  - que ocorrerá entre 6 a 18 de novembro no Egito - e a Conferência das Partes (COP) da Biodiversidade – de 7 a 19 de dezembro, no Canadá . Preparamos materiais especiais para compartilhar com vocês um pouco das negociações que ocorrerão.

Fiquem ligados! Um grande abraço e boa eleição,