Editorial de Newsletter | Março, 2023

“A bala vai acabar ricocheteando na gente”



Em 2008, a Fundação Heinrich Böll lançou a pesquisa “Seis por Meia Dúzia? Um estudo exploratório do fenômeno das chamadas ‘Milícias’” [1], dos professores Ignacio Cano e Carolina Ioot. A pesquisa foi uma das primeiras a abordar o tema das milícias, que naquele momento eram vistas de forma positiva por gestores públicos e parte da população fluminense. No entanto, um conjunto de atores já apontava que a realidade era bem diferente daquela reverberada pela mídia, o que ficou claro na CPI das Milícias aberta pela ALERJ, naquele mesmo ano, que pediu o indiciamento de 266 pessoas. Segundo a Secretaria de Segurança, em 2009, 246 milicianos foram presos no estado, entre eles sete (ex)parlamentares, lideranças de milícias da zona oeste da cidade, apontadas na CPI.



Depois de 15 anos o cenário é completamente diferente. Sem uma ação eficiente das forças de segurança e vontade política dos governos, milicianos cresceram 387% e ocupam metade do território do crime hoje no Rio de Janeiro. Milicianos regulam a vida de moradores das favelas e territórios populares; extorquem comerciantes, levam terror e violência para essas localidades. Estão conectados com redes criminosas nacionais. Seu plano de negócios ampliou-se e além do controle de vans, dos serviços piratas de TV a cabo e internet e venda de gás, hoje estão presentes no mercado imobiliário de parte da cidade, em redes de clínicas de saúde e empresas de seguro de carros.



Qual a resposta do Estado para este cenário? Ao longo desses 15 anos a Fundação não perdeu esse tema de vista e tem apoiado sistematicamente um conjunto de ONGs, pesquisadores e movimentos sociais em processos de formação, pesquisa, incidência no sistema de justiça nacional e internacional e diálogo, quando é possível, com o Estado brasileiro. Lançamos essa semana a pesquisa “Milícias, facções e Precariedade: um estudo comparativo sobre as condições de vida nos territórios periféricos do Rio de Janeiro frente ao controle de grupos armados” (Acesse também o resumo executivo). O estudo foi realizado pelo Cidades UERJ - Núcleo de Pesquisa Urbana e apoiado pela Fundação Heinrich Böll Brasil.



Hoje é crucial para quem defende direitos e a democracia olhar para esses temas, não é mais uma questão a ser deixada de lado. São muitas as agendas políticas que nos mobilizam, sim eu sei. Quem promove e age por direitos nesse país tem trabalho pra séculos! Mas a matança de negros e pobres e a ampliação do controle de grupos armados nos territórios populares não deve continuar. Como diz a música de Marcelo D2: “A bala vai acabar ricocheteando na gente”.



[1] A pesquisa fazia parte da publicação “Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro”, lançada em parceria com a Justiça Global.