O pop do agro

Agrotóxicos no Brasil

Diante de um quadro de uso crescente de agrotóxicos, setores do agronegócio propõem menos regulação para esses produtos. Sociedade se organiza e reage.

Crescimento da comercialização e uso de agrotóxico, por área (kg/ha)

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Em 2002, a comercialização desses produtos era de 2,7 quilos por hectare. Em 2012, o número chegou a 6,9kg/ha, segundo dados do IBGE. As commodities soja, mi- lho, cana e algodão concentram 85% do total de agrotóxicos utilizados. E entre 2000 e 2012 no Brasil, período de maior expansão das áreas de soja e milho transgênicos,[1] esse número cresceu 160%, sendo que na soja aumentou três vezes. Só a soja, predominante entre as culturas geneticamente modificadas, utiliza 71% desse volume. Os herbicidas à base de glifosato, usados nas lavouras transgênicas, respondem por mais da metade de todo o veneno usado na agricultura brasileira. Contrariando alegações de que essa disparada no uso de agrotóxicos seria “consequência inexorável” do aumento de produtividade ou da expansão da área cultivada, estudos e dados oficiais evidenciam que, entre 2007 e 2013, o uso de agrotóxicos dobrou, enquanto a área cultivada cresceu apenas 20%. No mesmo período, também dobraram os casos de intoxicação.

As intoxicações agudas por agrotóxicos afetam principalmente as pessoas expostas em seu ambiente de trabalho e são caracterizadas por efeitos como irritação da pele e dos olhos, coceira, vômitos, diarreias, dificuldades respiratórias, convulsões e morte. Já as intoxicações crônicas podem apaecer muito tempo após a exposição e afetar toda a população, pois são decorrentes da presença de resíduos de agro- tóxicos em alimentos e no ambiente, geralmente em doses baixas. Os efeitos associados à exposição crônica incluem: infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer.

A cultura do fumo também responde por um quadro dramático que associa dívidas, intoxicações, problemas neurológicos, depressão e suicídios. São usados em média 60 litros de agrotóxicos por hectare dessa lavoura.

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) é o órgão encarregado das decisões sobre pesquisa e uso comercial de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) e seus derivados. A comissão, que tem longo histórico de decisões sempre favoráveis à liberalização dos organismos transgênicos, está também dotada de poder normativo. Ou seja, são seus próprios membros que definem as regras de classificação quanto ao grau de risco, testes e medidas de segurança exigidos e regras de monitoramento pós-liberação comercial e de coexistência entre cultivos GM e não-GM.

Em 2008 a CTNBio deu sinal verde para o uso comercial do milho Roundup Ready, resistente ao glifosato. Em seu parecer técnico, o órgão afirma que esse milho “é tão seguro quanto seu equivalente convencional” e que “essa atividade não é potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente ou de agravos à saúde humana e ani- mal”. Depois da liberação desta variedade, mesmo contrariando um universo considerável de evidências científicas que apontam efeitos adversos dos transgênicos, a CTNBio autorizou a comercialização de outras 18 contendo a mesma modificação genética para resistência ao glifosato. Além da abertura de mercado para as multinacionais proprietárias dessas sementes, essas liberações impulsionaram a mudança de normas nacionais que definem os limites máximos de resíduos de agrotóxicos (LMR) permitidos nas culturas agrícolas, explicitando que as plantações transgênicas demandam mais pulverizações que as convencionais. O LMR do glifosato no milho foi multiplicado por 10, saltando de 0,1 para 1,0 mg/kg. No caso do algodão resistente ao glifosato, o resíduo permitido é de 3,0 mg/kg. A título de comparação, o resíduo de glifosato para o feijão comum é de 0,05 mg/kg. Para a soja, o LRM de glifosato era 0,2 mg/kg, valor que foi aumentado em 50 vezes com a liberação da soja Roundup Ready.

O campeão de vendas glifosato foi classificado pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, da Organização Mundial da Saúde (IARC/OMS), como provável cancerígeno para os seres humanos. Cumpre ainda destacar que o glifosato é ingrediente ativo do Roundup, mas outros componentes e subprodutos da fórmula podem ser ainda mais tóxicos para as células humanas do que o próprio ingrediente ativo. Outros agrotóxicos utilizados no Brasil foram incluídos na lista da IARC, entre eles o 2,4-D, que é o terceiro agrotóxico mais usado no Brasil, sendo aplicado nas culturas de arroz, aveia, café, cana-de-açúcar, centeio, cevada, milho, pastagem, soja, sorgo e trigo. É classificado pela Anvisa como extremamente tóxico, mas apesar disso pode ser aplicado sobre 3 variedades de soja e 5 de milho transgênico autorizadas pela CTNBio. Não obstante, setores do agronegócio afirmam que essas tecnologias permitem “uma redução do número de aplicações de herbicidas com aumento de rentabilidade”.

Normas foram alteradas para acomodar maior uso de agrotóxicos nos plantios de sementes transgênicas.

O uso desenfreado de agrotóxicos incitou uma série  de movimentos de resistência e de alternativas ao modelo agroquímico. Hoje a sociedade civil organiza-se a partir da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, que surgiu após outra campanha, a Por um Brasil Livre de Transgênicos. O Ministério Público do Trabalho, em parceria com o Ministério Público Federal, articula o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e mais de dez fóruns estaduais. Organizações científicas como Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Fiocruz e Instituto Nacional do Câncer (Inca), além de conselhos como o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), entre outros, incidem de forma articulada sobre o tema procurando conter esse descontrole. Um dos produtos dessa articulação foi o Pronara (Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos), construí- do no âmbito da Política Nacional de Agroecologia, e posteriormente transformado em projeto de lei (6.670/2016) – a partir da propositura da Abrasco, que visa instituir a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA).

No Congresso Nacional, o PNARA canaliza apoios para fazer frente ao bloco ruralista, que quer menos regulação para os agrotóxicos e que tenta aprovar o PL 6.299/2002, conhecido como Pacote do Veneno. Este PL procura revogar a lei em vigor, substituir o termo agrotóxico por pesticida e concentrar no Ministério da Agricultura as avaliações de risco e registro de agrotóxicos – por meio da CTNFito, uma comissão nos moldes da CTNBio. Alarmados com o retro- cesso representado por esse PL, cinco relatores especiais da ONU encaminharam carta de alerta ao Ministério das Relações Exteriores e à presidência da Câmara dos Deputados. Ibama e Anvisa também se manifestaram contrariamente à proposta, assim como um grupo de artistas e personalidades que vêm se manifestando contrariamente à proposta e mobilizando a opinião pública para o tema.

Nesse sentido, a crítica ao modelo industrial de agricultura, manifestada por um conjunto cada vez mais diverso de atores, vem ganhando força junto à sociedade na defesa de um modelo agroalimentar baseado na agricultura familiar, na Agroecologia, na democratização do aceso à terra e no direito humano à alimentação adequada.

 

[1] A legalização da soja transgênica acorreu no Brasil a partir de 2003 por meio da edição de medidas provisórias e, posteriormente, em 2005, com a aprovação da lei de biossegurança (Lei 11.105/2005).