Agroecologia no Brasil

Alternativas

Valorizando as dimensões da ciência, das práticas, dos movimentos sociais e das inovações institucionais.

Dimensões que interagem com a agroecologia

Aagroecologia se configura, atualmente, como ciência, prática e movimento social. Sua construção encontra-se vinculada a um amplo projeto de transfor- mação das formas de produção, processamento, distribuição e consumo presentes no atual sistema agroalimentar. Seus princípios e práticas possuem uma longa trajetória de enrraizamento nos modos de vida dos camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais nas mais diferentes partes do mundo. Suas bases seguem os princípios de justiça social, sustentabilidade ambiental e soberania alimentar, assumindo compromisso político com a democratização do direito à terra, à água, aos recursos naturais e às próprias estruturas de produção do conhecimento.

No Brasil, a emergência da agroecologia encontra-se vinculada ao surgimento, a partir do final dos anos 1970, de um conjunto diversificado de iniciativas protagonizadas por organizações não governamentais de assessoria, movimentos sociais, Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e organizações de trabalhadores/as do campo com atuação nas diferentes regiões do país. Como exemplos dessas iniciativas, encontram-se os Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa (EBAAs); a criação do Projeto Tecnologias Alternativas (PTA); a multiplicação e articulação de redes locais, territoriais e regionais de gestão do conhecimento agroecológico e o surgimento de iniciativas de comercialização de produtos orgânicos/agroecológicos. Registra-se, ainda, a aproximação das redes de “agricultura alternativa” existentes no Brasil com o trabalho desenvolvido em outros países por diferentes pesquisadores e instituições engajados na construção da agroecologia como um campo do conhecimento científico. A aproximação com outras experiências latino-americanas de construção do conhecimento, como o movimento Campesino a Campesino, presente nos países da América Central, possibilitou, também, uma renovação do ponto de vista metodológico com forte protagonismo dos agricultores e agricultoras e povos e comunidades tradicionais.[1]

Em 2002, como um desdobramento do I Encontro Nacional de Agroecologia (I ENA), foi criada a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), resultado de um processo de convergência entre redes regionais, movimentos sociais, associações profissionais e entidades de assessoria. A criação da ANA, a organização das Jornadas de Agroecologia promovidas pelos movimentos da Via Campesina, a incorporação, a partir de 2007, da agroecologia como um tema relevante na agenda das organizações de mulheres responsáveis pela organização da Marcha das Margaridas, entre outras iniciativas, são indicativos do fortalecimento da agroecologia.

A luta pela reforma agrária e pelo cumprimento da função social e ambiental da terra, prevista pela Constituição Federal, a defesa dos direitos políticos, sociais e territoriais dos povos indígenas e demais povos e comunidades tradicionais, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, a mobilização em torno da incorporação de princípios de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional às políticas públicas, a resistência aos transgênicos e demais tecnologias de manipulação da vida, entre outras ações, fazem parte da agenda do movimento agroecológico no Brasil. Estas lutas têm contribuído também para a convergência entre a proposta agroecológica e um universo mais amplo de organizações, movimentos e redes com incidência no campo da saúde coletiva, soberania e segurança alimentar e nutricional, economia solidária, feminismo, justiça ambiental, direito à cidade, entre outros.

A construção deste tecido diversificado de relações em torno da agroecologia tem se constituído como um ambiente favorável à emergência de novas referências culturais, linguagens e processos de comunicação e a disputa de narrativas com os setores empenhados na reprodução de um modelo de agricultura e de apropriação dos recursos naturais cuja insustentabilidade tem sido crescentemente evidenciada. O reconhecimento da agricultura familiar, no âmbito das políticas públicas, a partir de meados da década de 1990, juntamente com a implantação, a partir de 2003, com o advento do primeiro governo Lula, de um conjunto mais abrangente de políticas públicas voltadas especifica- mente a esta categoria de produtores, possibilitou avanços importantes na promoção da agroecologia.

Há ainda uma série de iniciativas desenvolvidas pelo poder público que buscaram fomentar a produção de conhecimentos a partir de um enfoque agroecológico. Estas inovações institucionais não se restringem às instituições de ensino, pesquisa e extensão, buscando estimular o diálogo de saberes e o protagonismo dos atores e organizações através de arranjos envolvendo múltiplos atores, como por exemplo, os Núcleos de Agroecologia financiados através de editais públicos.

Mesmo reconhecendo os avanços ocorridos nos últimos anos, a incorporação de um enfoque agroecológico às políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar enfrentou uma série de obstáculos, principalmente pelo fortalecimento do agronegócio pelo governo, e em alguns contextos pela própria vinculação de determinadas categorias de produtores familiares às cadeias produtivas dominadas pelo agronegócio. Mas é sobretudo importante reforçar que o Brasil vive um momento de ruptura da ordem democrática, na qual a publicação de um conjunto expressivo de leis e decretos vem ameaçando os direitos dos camponeses, agricultores familiares, assentados da reforma agrária, povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais. A extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a desestruturação das políticas de fortalecimento da agricultura familiar e de promoção da agroecologia e da produção orgânica encontram justificativa em um discurso amparado na defesa de políticas de austeridade fiscal.

O movimento agroecológico tem conseguido manter, no entanto, a sua dinamicidade, tanto em suas ações mais cotidianas como através de processos coletivos de mobilização. Suas iniciativas evidenciam o potencial da agroecologia na construção de um modelo alternativo de produção, consumo, promoção da saúde, relação com o ambiente e de luta contra as diferentes formas de preconceito – racial, de gênero ou relacionado à condição social. A agroecologia mostra cada dia mais sua vitalidade como abordagem capaz de impulsionar a construção de uma sociedade socialmente justa e ambientalmente sustentável.

 

[1] Para a trajetória histórica de construção da agroecologia no Brasil e das políticas públicas relacionadas ver: Luzzi, 2007; Bensadon, 2016; Monteiro e Londres, 2017; Schmitt et al, 2017.

Referente ao gráfico "Cultivando o futuro": A PNAPO, instituída pelo Decreto n. 7.794/2012, integra um grande conjunto de ações, programas e políticas, articulando diretamente 14 órgãos governamentais. Sua gestão é feita de forma paritária envolven- do governo e representantes da sociedade civil. A operacionalização da PNAPO tem por base os Planos Nacionais de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPOs)