Economia “em nome do” clima? Um convite à leitura da nova cartilha publicada pelo Jubileu Sul

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Adaptado da capa da cartilha "Economia Verde: O que é feito em nome do meio ambiente e do clima?" da Rede Jubileu Sul.

Em março de 2016, a Rede Jubileu Sul lançou uma nova cartilha, que abrange temas relativos à atual agenda do campo de lutas por justiça socioambiental, chamada “Economia Verde: O que é feito em nome do meio ambiente e do clima?. A publicação é parte do trabalho realizado no âmbito da Plataforma Jubileu Sul sobre Mudanças Climáticas, Dívida Ecológica e Soberania Financeira, cujo desenvolvimento data de 2009, em sequênciaà 15ª Conferência das Partes na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague, Dinamarca. O texto se mostra uma valiosa contribuição pelo esforço de simplicar a abordagem de um assunto complexo.

Chamou a minha atenção o fato de que, já nas primeiras páginas, a leitura tropeça numa série de palavras que remetem à dificuldade de se alcançar o debate socioambiental e climático, isto é, de o en-carnar, tornando-o mais tangível, a fim de facilitar a sua compreensão e, assim, contribuir para“democratizara democracia” pela participação social. São, portanto, dois problemas notáveis aqui: primeiro, a dificuldade da ampliação do debate em virtude da sua especificidade e, segundo, consequência do anterior, o problema da compreensão e comunicabilidade.

De certo modo, justamente por tratar-se de um debate difícil, a disputa conceitual e discursiva é aqui não apenas fundamental, mas acirrada. Isto tanto dificulta a compreensão como abre oportunidades, pela frouxidão da linguagem e pelas fissuras do entendimento, para a subversão da perspectiva hegemônica e sua ressignificação. O problema da compreensão é, por isto, um aspecto central para esta discussão, não apenas no que diz respeito a sua comunicação/divulgação, mas porque ela implica um exercício de diálogo e interpretação, ou tradução, que confronta modos de vida e cosmovisões muito distintas, talvez até irreconciliáveis.

No texto da cartilha vão aparecendo expressões como “desmitificar” e “desmascarar” que aludem à opacidade das estratégias que “se escondem” e estão “por trás” da nova face, verde, do capitalismo. A opacidade no discurso sobre o “projeto” é uma característica do capitalismo moderno. Durante todo o seu processo de desenvolvimento histórico, ele produziu uma série de mecanismos socioeconômicos e culturais que desviam, insistentemente, a nossa atenção tanto das formas de opressão específicas do capital quanto da maneira pela qual a sobreposição do poder político ao econômico produz desigualdade e exclusão reiterada e cotidianamente.

O argumento sobre a separação das esferas “política” e “econômica” é uma tática clássica do pensamento liberal para nos convencer sobre a autonomia, isto é, sobre a existência de uma lógica interna particular e isenta em cada um desses casos. Isso quer dizer que há uma tendência para compreender o fracasso individual no mercado como uma má inserção nesse espaço de regulação social, que nada tem a ver com as estruturas. Igualmente, o sucesso corresponde ao mérito individual, e apenas individual. Do ponto de vista macroeconômico acontece o mesmo. As crises econômicas e financeiras, como a que testemunhamos em 2008, derivam da má aplicação do capitalismo (nunca da dinâmica capitalista em si). A solução, portanto, para situações de crise do capitalismo é sempre mais capitalismo (nunca menos).

Obviamente, isto é um equívoco. Daí a necessidade de se reforçar o entendimento sobre a complementaridade essencial das lutas por democracia e justiça social e econômica. O capitalismo não produz apenas o monopólio econômico em termos de mercado. Para garantir os seus interesses, esta força econômica usurpa e concentra o poder político em benefício de poucos. Mesmo com base em uma definição liberal da democracia, para a qual a soberania é distribuída, quem detém o poder político é o povo, não as corporações. Contudo, se o capital destrói a democracia como um câncer, a democracia nos municia, com o antídoto da radicalidade, para atacar o capital.

A cartilha do Jubileu Sul, no texto de Fabrina Furtado, ataca todas estas frentes da discussão, relacionando-as à problemática da economia verde. Constrói e desconstrói os conceitos e as disputas políticas que os cercam, aponta o envolvimento e demarca os interesses da iniciativa privada, mostra a corrupção do cuidado com a coisa pública por ação do império do capital – uma dinâmica que é, de resto, bem servida da conivência insuportável do estado –, além de apresentar o testemunho de quem sofre as consequências agudas de todo esse processo na ponta: as comunidades indígenas, tradicionais e periféricas.

Diante desse exercício de dialética negativa, cujo objetivo é produzir revelações ao perturbar a (in)coerência plácida da opacidade do capital, o Jubileu Sul produziu um belo trabalho, que auxilia o questionamento e a construção de uma nova rota para um outro projeto de desenvolvimento com justiça socioambiental. Se fosse possível, por fim, fazer sugestões à publicação, eu diria que seria importante enfatizar mais a visão das comunidades, suas falas, demandas, problemas e concepções de desenvolvimento.

Leitura recomendadíssima!

 

Para ler a cartilha, clique aqui.