Banco de desenvolvimento dos BRICS: Fundação Heinrich Böll e Instituto Mais Democracia promovem seminário para criação de plataforma da sociedade civil

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A 5ª reunião de chefes de estado do grupo de países conhecidos por BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada em 26 e 27 de março em Durban (África do Sul), mostrou qual é a prioridade que o bloco colocou para si, após a conclusão da primeira rodada de cúpulas nas cinco nações: o foco nos negócios voltados à construção de grandes projetos de infraestrutura internacionais para extração intensa de natureza na África. O próprio título da cúpula indicava qual seria sua orientação. “Os BRICS e a África: parceria para o desenvolvimento, integração e industrialização”.

Entretanto, por trás destas palavras e de seus significados, esconde-se a intenção de priorizar a dimensão econômica da relação entre estas nações, com total desatenção para os graves problemas sociais que os cinco países enfrentam, ficou explícita em uma decisão da cúpula.

Trata-se da criação do banco de desenvolvimento dos BRICS, que terá capital inicial de cerca de 50 bilhões de dólares. Os ministros das Finanças, da Economia e os presidentes dos bancos centrais dos BRICS avaliarão o progresso dos estudos de viabilidade do banco em setembro de 2013, durante encontros paralelos à reunião do G20.

A cada país caberá o desembolso de 2 bilhões e a garantia de outros 8 bilhões, naquela que foi a primeira grande decisão objetiva e concreta do grupo, após quatro cúpulas anteriores em que eles apenas marcaram posições sobre questões internacionais e firmaram declarações genéricas. A criação efetiva da nova instituição financeira internacional (IFI) deve acontecer durante a 6ª cúpula, que se realizará em 2014 no Brasil. A IFI dos BRICS deverá contar tanto com aportes dos Tesouros dos cinco governos, quanto de captação de recursos no mercado.

Mas, em Durban, os bancos de desenvolvimento e as agências de financiamento à exportação já assinaram dois acordos que mostram as áreas em que atuará a nova IFI – o que deve acender o sinal de alerta entre as organizações da sociedade civil internacional, devido ao histórico preocupante de projetos do tipo. O primeiro documento foi o Acordo Multilateral sobre Cooperação e Co-financiamento para o Desenvolvimento Sustentável e o outro, o Acordo Multilateral sobre Infraestrutura e Co-financiamento para a África.

Os dois acordos ratificam as áreas apontadas como de suposto interesse aos BRICS, em documento que circula entre os governos do bloco e que vem sendo seguido à risca pelo governo brasileiro, nos estudos de criação desta nova IFI. O texto de 14 páginas tem o título de “Um banco internacional de desenvolvimento para ampliar o investimento sul-sul: promovendo uma nova revolução industrial, administrando riscos e reequilibrando a poupança global”, de 2011, e assinado pelos economistas Nicholas Stern (da London School of Economics) e Joseph Stiglitz (da Universidade Colúmbia), vem há pelo menos dois anos circulando entre os cinco governos.

O texto preconiza o investimento do bloco em infrasestrutura econômica e em projetos de “desenvolvimento sustentável”, principalmente na África, para explorar as oportunidades de negócio abertas pela crise climática global. No documento, são citados como fontes de inspiração para o novo banco de desenvolvimento, o BNDES, do Brasil, o banco de desenvolvimento da China e a Corporação Andina de Fomento, um banco regional sulamericano, que também tem aportes de Portugal e Espanha.

A proposta Stern-Stieglitz nitidamente defende que os países do sul aprofundem seu papel histórico na economia global, baseado na extração intensa de natureza de seus territórios, mas agora utilizando recursos próprios, sem recorrer a IFIs convencionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Segundo a dupla, ambas as instituições têm graves problemas de governança e não conseguem atender à demanda por mais e mais investimento de e nos países do sul, o que, na visão dos economistas, obrigaria os BRICS a criarem e administrarem sua própria IFI.

Preocupadas com a falta de transparência na condução do processo de criação do banco, e percebendo a oportunidade de incidir sobre uma IFI desde seu nascimento, cerca de 15 organizações da sociedade civil dos cinco BRICS reuniram-se de 25 a 27 de março também em Durban para debater, sob o seu próprio ponto de vista, o significado que adquire a fundação do banco, tendo como background o desempenho em termos sociais e ambientais de outras IFIs e dos bancos e agências de financiamento ao desenvolvimento em seus próprios países.

Essas organizações – majoritariamente dos setores de defesa de direitos humanos, ambiental e social – foram convidadas para o evento de Durban pelo Instituto Mais Democracia e pela Fundação Heinrich Böell, que mobilizaram representantes e parceiros de seus escritórios no Rio de Janeiro, Nova Déli, Xangai, Cidade do Cabo, Berlim e Washington. Apenas Moscou, como representante russo de países dos BRICS, ficou de fora. O objetivo foi identificar e sistematizar um plano de estudo e advocacy sobre o novo banco, que terá como momento crucial a 6ª cúpula.

A estas organizações preocupa o fato de o novo banco ser direcionado a grandes projetos transfronteiriços na África, sem que sejam debatidas pelos governos, como ponto de partida, a adoção de rígidos instrumentos operacionais.

Nossas preocupações imediatas envolvem: exigir dos governos a garantia que seja dada a máxima transparência ao uso de dinheiro público; demandar a participação prévia de populações potencialmente impactadas no debate dos projetos a serem financiadas pelos projetos futuramente financiados; e lutar pela adoção de sistemas para garantir que estas obras sejam isentas de quaisquer violações de direitos, como infelizmente hoje acontece em muitos projetos apoiados pelos bancos que estão servindo de modelo à nova IFI.

Assim, tendo como objetivos concretos e imediatos os projetos a serem financiados pelo futuro banco, esperamos colocar em debate público uma ideologia que justifica políticas públicas de apoio econômico e institucional a todo em qualquer obra que atenderiam a supostas necessidades de crescimento econômico contínuo. Em outras palavras, em nosso radar está o questionamento ao padrão de acumulação tradicional, extremamente concentrador, que gera todo tipo de abusos a direitos individuais e sociais, gerando de carestia a violência.

Em Durban ficou claro que as organizações que debateram o banco têm não apenas uma oportunidade histórica de dialogar com os governos envolvidos, para que o novo banco faça diferente das demais IFIs, em termos sociais e ambientais. Há, também, uma enorme responsabilidade em pressionar para que valores sociais universais sejam incorporados à nova IFI, e que ela, em hipótese alguma, repita toda sorte de erros que as IFIs convencionais cometeram e que as levou à situação atual de enorme perda de legitimidade.

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