Declaração da COP30: A Inteligência Artificial compromete a mitigação climática e a transição energética

Embora a Inteligência Artificial (IA) já tivesse sido considerada em COPs anteriores,1 a COP30, realizada em Belém, Brasil, em novembro de 2025, marcou uma nova fase nas discussões climáticas. Pela primeira vez, a IA foi incluída de forma sistemática na Agenda de Ação da COP como um tema estratégico. Essa incorporação ocorreu por meio de eventos oficiais, dias temáticos, iniciativas institucionais e parcerias. Houve um entusiasmo significativo quanto ao potencial da IA para contribuir com o enfrentamento da crise climática. Além disso, a conferência anunciou formalmente a criação do AI Climate Institute (AICI), destacando o papel crescente da IA na governança climática. 

cop 30 belém

No entanto, apesar do forte entusiasmo em torno das promessas da IA para enfrentar as mudanças climáticas, quase nenhuma atenção foi dada ao outro lado do ecossistema de IA: seus impactos ambientais. Apenas alguns side events e coletivas de imprensa destacaram como os modelos de IA e as infraestruturas que os sustentam são responsáveis por emitir altos níveis de CO₂ e por aumentar a demanda por minerais, água e energia.

Essa ausência é sintomática de um ponto cego institucional mais amplo. Segundo análises recentes, o setor digital — incluindo infraestrutura de IA, data centers e operações de Big Tech — já responde por entre 1,5% e 4% das emissões globais de gases de efeito estufa. A crescente demanda por eletricidade de data centers deve mais que dobrar até 2030, chegando a cerca de 945 terawatts-hora (TWh), ligeiramente mais do que o consumo total de eletricidade do Japão atualmente, segundo a Agência Internacional de Energia2 . Apesar de sua contribuição cada vez maior para o consumo global de energia, o uso de água e a extração de materiais, esses impactos permanecem não reportados na esmagadora maioria das NDCs. Essa falta de transparência e contabilização corre o risco de transformar a IA em um novo motor invisível de agravamento da crise climática.

Na tentativa de chamar atenção para esses impactos socioambientais, ativistas recorreram a um dos poucos espaços disponíveis na zona de negociação, utilizando a coletiva de imprensa da UNFCCC, “AI’s Global Threats to Climate & Environmental Justice”, para expor como esses impactos continuam sendo ignorados nas negociações multilaterais. O tema também esteve presente em atividades no People’s Summit.

Ao final da COP30, e diante das discussões políticas que ainda devem avançar nas próximas edições, gostaríamos de expressar as seguintes preocupações sobre o discurso público em torno da IA no contexto da crise climática e ecológica:

1. A Inteligência Artificial não é uma solução tecnológica para a crise climática e ecológica; além disso, a IA aumenta o uso de combustíveis fósseis, eleva as emissões de gases de efeito estufa e compromete as metas climáticas de países com a maior concentração de data centers de IA, como China, Estados Unidos e União Europeia. As políticas climáticas da COP não podem se basear em discursos de marketing, lobby ou pensamento mágico promovido por empresas de tecnologia, mas sim em evidências científicas independentes e atuais.

2. A Inteligência Artificial não é apenas mais um recurso natural nem uma força inevitável. Seu uso, adoção e comercialização em todas as esferas da vida política, social e econômica são impulsionados por seus proprietários — um pequeno grupo de grandes e poderosas empresas de tecnologia (concentradas sobretudo nos Estados Unidos e na China), cujo incentivo principal é expandir seu capital, e não mitigar a crise climática e ecológica. As políticas climáticas da COP não podem ser desenhadas para servir ao bem-estar econômico desse pequeno grupo de empresas já extremamente poderosas; isso incentiva a concentração de poder e fortalece perigosamente sua influência, especialmente em países de baixa renda e em desenvolvimento.

3. A IA gera impactos socioambientais que vão muito além das emissões de CO₂. Como diversos relatórios internacionais baseados em evidências científicas indicam, a IA é uma indústria que demanda numerosos minerais, grandes extensões de terra e enormes volumes de água doce e energia — o que está causando uma série de impactos socioambientais ao redor do mundo que extrapolam as emissões diretas (Escopo 1). Isso exige também uma séria contabilização do Escopo 3, a categoria que expõe os impactos ao longo de todo o ciclo de vida, desde mineração, cadeias de suprimentos, fabricação até o descarte final. No entanto, os resultados da COP30 não incorporaram de forma significativa esses impactos, deixando uma lacuna importante na forma como os países avaliam e reportam a pegada climática das infraestruturas digitais. Para avançar, é essencial que os compromissos climáticos nacionais (NDCs) incluam explicitamente as emissões e o uso de recursos associados a data centers e cadeias produtivas de IA, garantindo transparência e responsabilização em um setor cujo impacto climático cresce rapidamente. Preocupa-nos que tomadores de decisão acreditem que esses impactos podem ser solucionados milagrosamente apenas por inovações tecnológicas — algo que as evidências científicas refutam, especialmente considerando o paradoxo de Jevons aplicado à IA.

4. A fome energética da IA ameaça uma transição energética justa. Sendo uma das indústrias mais intensivas em energia do século XXI, o interesse real das empresas por trás da IA na COP é garantir acesso a combustíveis fósseis no curto prazo e a fontes renováveis no médio prazo. Estas últimas são frequentemente tratadas como uma solução tecnológica para suas emissões de CO₂, ignorando os custos sociais, econômicos e ambientais envolvidos na atual produção de energia renovável — especialmente em comunidades que não causaram a crise climática e ecológica. O apetite da IA por energia renovável é tão elevado que, sem mediação política e democrática, denunciamos que a transição energética, sobretudo em países em desenvolvimento, será moldada pelas necessidades de um punhado de corporações estrangeiras de tecnologia, e não pelas prioridades das comunidades e indústrias locais.

5. Governos devem proteger seus povos e ecossistemas, não os interesses da indústria. Instamos os tomadores de decisão dos governos nacionais, especialmente de países em desenvolvimento participantes da COP, a reafirmarem seu compromisso com a evidência científica e com o bem-estar de suas comunidades, da biodiversidade e das indústrias locais. É fundamental não adotar a IA de forma acrítica. Estamos em um momento decisivo no enfrentamento da crise climática e ecológica, e qualquer expansão da IA sem salvaguardas regulatórias, socioambientais e éticas adequadas apenas fortalecerá o poder de corporações tecnológicas globais, minando as ambições climáticas em escala mundial.

Assinam: 

● Instituto Latinoamericano de Terraformación 
● Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec) 
● Coding Rights 
● Laboratório de Políticas Públicas e Internet – LAPIN 
● Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC 
● Fundação Heinrich Böll