Adiar os fins do mundo é imaginar futuros positivos

Você acha que o fim do mundo está próximo? E se eu te contar que alguns mundos já acabaram, enquanto outros seguem se desfazendo em silêncio? O colapso já é realidade em muitos territórios, empurrados ao limite por guerras, desigualdades extremas e destruição ambiental. Diante dessa crise sistêmica — e também de uma crise de narrativas —, as soluções não virão apenas de cima. É na força das comunidades que surgem caminhos alternativos. Para iluminar essas iniciativas, a Fundação Heinrich Böll lança um mapa interativo com soluções sustentáveis de mais de 30 países, reforçando seu compromisso em construir pontes e cultivar futuros possíveis.

Peoples For Forests, Chaussy, França

Fins múltiplos, narrativas em disputa


Para os povos originários, por exemplo, o fim do mundo não tem forma de tsunami — ele chega em forma de espoliação de terras, violência militar e imperialista, neoextrativismo. Por isso, os fins do mundo são múltiplos. Infelizmente, essa não é uma história que se restringe ao período colonial e nem ao contexto nacional. O que vemos hoje é uma atualização dessas práticas, adaptadas ao novo cenário. Basta olhar para a corrida por minerais raros em países africanos, os megaprojetos de energia em territórios indígenas ou o neocolonialismo disfarçado de ajuda humanitária: formas novas de um velho roteiro, no qual poucos lucram enquanto muitos perdem.


Nesse contexto, é preciso entender que a emergência climática é, também, atravessada por uma crise de narrativa. Desde o início da destruição da Amazônia, o desmatamento foi financiado com dinheiro público e embalado por um discurso de progresso: “integrar para não entregar”. A ditadura bancou a devastação e ainda moldou o imaginário nacional para justificar tudo em nome do desenvolvimento. Hoje, quem faz a manutenção dessa estrutura é   o agronegócio e a bancada ruralista, que seguem vendendo a floresta como ativo no mercado.


No cenário global, os bilionários cumprem um papel semelhante: colonizam o imaginário com promessas de inovação, inteligência artificial e fuga para Marte, enquanto multiplicam seus lucros à custa de territórios inteiros. Essa narrativa dominante, altamente financiada, é sempre a primeira a circular, a mais ouvida, a mais replicada. Já as vozes dissidentes — aquelas que denunciam, propõem outros modos de vida, reencantam o mundo — quase nunca encontram espaço. Mas elas existem. E estão falando.


Vozes que resistem e constroem futuros


A atuação de Davi Kopenawa, por exemplo, foi decisiva para a demarcação da terra indígena Yanomami — a maior já registrada no mundo. O que ele fez? Contou a sua história. Levou para fora do Brasil uma narrativa que o mundo não conhecia. Um pensamento profundamente ecológico, que compreende a existência humana em relação direta com o território, os espíritos, os animais. Contou que o seu povo estava sendo dizimado, morrendo à bala, fome e malária, por causa da invasão do garimpo em suas terras. Assim como ele, outras vozes decoloniais têm provocado transformações e contribuído para adiar os fins dos mundos.


Na mesma direção, organizações e movimentos sociais também têm desempenhado um papel central nesse adiamento. Territórios periféricos, empurrados ao colapso por uma minoria dominante, vêm reagindo com alternativas sustentáveis — ou o que a Fundação Heinrich Böll chama de “futuros positivos”. Espalhadas pelo globo, existem centenas de iniciativas comunitárias que apostam em inovação social, inteligência coletiva e na potência do conhecimento tradicional para desenhar futuros mais justos, sustentáveis e diversos. Mas, apesar de responderem a desafios globais, essas iniciativas ainda enfrentam o apagamento — são pouco ouvidas, pouco vistas, raramente chegam aos fóruns de decisão.


Entre as muitas iniciativas que enfrentam desafios para alcançar visibilidade está a Banlieues Climat, associação francesa que atua nas periferias urbanas — os chamados banlieues — para colocar esses territórios no centro da ação climática. Criada em 2023, a organização responde a uma realidade de injustiça ambiental: nessas regiões, onde vivem majoritariamente pessoas imigrantes ou filhas da imigração, os impactos da crise climática são agravados pela infraestrutura precária, pelo calor extremo e pela poluição. Mesmo com uma atuação forte em educação ambiental, formação política e articulação comunitária, a Banlieues Climat ainda enfrenta dificuldades para chegar a espaços de decisão global. É justamente para fortalecer experiências como essa — que resistem, inovam e propõem caminhos transformadores a partir das margens — que nasce o projeto Futuros Positivos.

 

Futuros Positivos: pontes para a transformação


A Fundação Heinrich Böll criou o projeto Futuros Positivos  para fortalecer essas vozes locais que, a partir de seus próprios territórios, constroem caminhos alternativos. A proposta é conectar essas pessoas, dar visibilidade às suas soluções e mostrar que há outras formas de existir — enraizadas em saberes comunitários, na ciência cidadã, nas organizações que enfrentam os desafios  socioambientais na linha de frente. Porque é do micro que nascem as respostas mais potentes para os dilemas do planeta — e não o contrário. Como parte desse esforço, será lançado no dia 7 de agosto um mapa interativo, reunindo experiências transformadoras de mais de 30 países, para que esses futuros possíveis deixem de ser invisíveis e inspirem mudanças concretas.


Mais do que reunir experiências, o projeto quer contribuir para uma rede global de transformação social. Porque os futuros se constroem coletivamente — e a sociedade civil tem um papel decisivo nesse processo. Por isso, a Fundação Heinrich Böll atua como articuladora: escutando, conectando e impulsionando vozes que, mesmo em contextos distintos, compartilham o mesmo compromisso — recusar o fim como destino e imaginar novas formas de existência.