Em 2013 o deputado federal pastor Marcos Feliciano foi eleito para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. A Comissão era historicamente ocupada por deputados/as de (centro)esquerda, não possuía recursos financeiros, ou mesmo grande poder dentro do jogo político. Então, por que um representante da extrema direita ocupava esse lugar? A estratégia que começava a se esboçar dentro do Congresso e já tinha claros sinais na sociedade, era a transformação do que se entende por direitos humanos, colocando a mostra uma visão de sociedade: heteronormativa, racista, meritocrática, em muitos casos misógina, contra a diversidade e modos de vida de povos tradicionais, militarizada e, obviamente contra o aborto. Esse projeto de sociedade foi ao longo dos anos se moldando aos anseios de poder de diversos grupos reacionários, fortalecendo discursos de ódio, a desinformação, grande protagonista das eleições de 2018 e 2022 e desmontando políticas públicas e legislações.
O mais novo avanço desses grupos está na tomada da Organização dos Estados Americanos (OEA), um instrumento criado no pós IIª Guerra e principal fórum governamental político, jurídico e social do Hemisfério, que promove e zela pela consolidação da democracia na região. A OEA possui a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), criada em 1959, uma corte que julga casos de violações de Direitos Humanos nos países membros. A Corte condenou o Estado brasileiro no caso da Favela Nova Brasília, Rio de Janeiro, na qual 26 pessoas foram executadas em duas ações policiais. Além de medidas de reparação para as vítimas e familiares, a sentença determinou a adoção de políticas públicas para garantir a não repetição de violências de Estado. O golpe de estado em Honduras (2009) e no impeachment do presidente do Paraguai (2012) também foram acompanhados com envio de missões da Comissão e sanções econômicas e políticas.
A corte possui sete comissionados, que são eleitos pelos Estados, e no ano que vem três das vagas serão preenchidas a partir de novas eleições. A extrema direita está de olho nelas. A estratégia visa enfraquecer os princípios norteadores da Corte em questões como direitos sexuais e reprodutivos, direitos LGBTQI+ e a luta contra a impunidade de graves violações de direitos humanos, entre outros. Isso significa que casos como os descritos acima poderão ter outro entendimento pela Corte, abrindo definitivamente uma remodelagem do sistema interamericano.
A luta pela OEA é mais um exemplo de que nos últimos 10 anos, em escala global, a agenda anti-direitos e pró-desigualdade têm dito sucesso em eleger cada vez mais parlamentares e governantes. Não parece promissor o percurso de defender direitos nesse momento histórico, mas não devemos nos esquecer que em horas sombrias, como foi em 1948, no dia 10 de dezembro, após os horrores da Segunda Guerra Mundial, que a Assembleia Geral da (recém-criada) Organização das Nações Unidas – ONU – proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um marco histórico que construiu narrativas e políticas pró-direitos, fortaleceu as sociedades civis locais, exortou governos a adotarem medidas contra graves violações da vida, da saúde, da educação e muitas outras. Caminhar para um mundo mais justo e democrático é tarefa para várias mãos, de alta complexidade e com resultados às vezes desanimadores, mas saber que ainda há porque lutar é essencial. E ainda há...