A resposta ao avanço do coronavírus na América Latina faz-se particularmente desafiadora dada a ausência de marcos legais adequados e instituições capazes de supervisionar o uso de tecnologias no contexto da pandemia, as desigualdades estruturais que dificultam que certas aplicações tecnológicas sejam efetivas e, ao mesmo tempo, tornam o COVID-19 ainda mais letal.[1]
No entanto, ao analisarmos o contexto da adesão de soluções tecnológicas no Brasil, notamos a forma acrítica com que geralmente são empregadas. A falta de uma legislação adequada em vigência e de quaisquer medidas de transparência em relação ao funcionamento dessas tecnologias, somadas ao enorme interesse comercial no acesso aos inúmeros dados coletados e produzidos no contexto da pandemia – inclusive pelo capital internacional, traz questionamentos e reflexões importantes sobre a possibilidade da utilização dessas mesmas ferramentas para rastrear indivíduos para outros fins após a crise de saúde se atenuar.
Talvez seja um excesso afirmar que, num contexto desigual como o brasileiro, a pandemia torna mais visíveis esses sistemas. Porém, não é demais ressaltar que há pouquíssima transparência em relação aos termos dos acordos firmados entre governos e empresas: seja os que dão acesso ao poder público aos dados previamente coletados e tratados pelas operadoras de celular, seja os que permitem que empresas locais tenham conhecimento de dados sensíveis como o referente à contaminação pelo coronavírus.
Neste momento, a coleta de dados e as classificações avançam exponencialmente, seja para pesquisas na área médica e/ou para a vigilância em relação ao distanciamento social. A questão é que de alguma forma essas coletas passam por pontuações referentes à saúde do cidadão e num futuro próximo, bem próximo, se Frank Pasquale estiver certo, poderão ser fundamentais para a reprodução capitalista, em especial, para alguns atores da área da saúde.
A pandemia do Covid-19 nos leva a pensar sobre o real significado da privacidade em um país como o Brasil. O cenário internacional evidencia como a infinita base de dados disponível para governos e empresas a partir das nossas interações com as tecnologias pode terminar por determinar se teremos ou não acesso a respiradores em um contexto de anunciada escassez de suprimentos médicos. No caso brasileiro não há dúvidas de que sistemas desse tipo terminariam por legitimar a política histórica de genocídio de populações que se manifesta em uma série de outras formas. [1]
[1]Disponível em https://www.theguardian.com/world/2019/nov/27/jair-bolsonaro-internatio…. Ver também: https://theintercept.com/2019/11/30/genocidio-populacao-negra-dor-famil…. Acessos em 2 de maio de 2020.
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