“Um dia quero ser presidente” – as metas de Gustavo

História

Não adianta reclamar sobre a falta de escolas, saúde pública e infraestrutura de qualidade  - tem que propor mudanças e trabalhar junto com a máquina pública”. Esta é a opinião de Gustavo Gomes de São Gonçalo. A Fundação Heinrich Böll encontrou com ele durante a produção da websérie “Pense no seu voto”. Em vídeos e artigos apresentamos as histórias de seis jovens que têm visões críticas do mundo e são comprometidos com mudanças em suas localidades - cada um de seu jeito. Toda semana vamos apresentar uma dessas pessoas inspiradoras.

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retrato do jovem Gustavo Gomes em São Gonçalo
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Gustavo Gomes é um jovem da periferia do Rio de Janeiro quem acredita na importancia da política local para melhorar a vida das pessoas.

A chuva parou a vida nas ruas de São Gonçalo. Os camelôs juntaram seus bens em sacos plásticos e as vendedoras de pipoca procuraram um abrigo debaixo de um teto. Da avenida escuta-se um funk no som de uma loja de eletrodomésticos. Entre os galhos das árvores na Praça Estephânia de Carvalho dá para ver o brasão da cidade numa parede cor de creme. “Ali fica a câmara municipal”, indica Gustavo Gomes. O jovem está sentado num pavilhão coberto no meio da praça. Ele escolheu este lugar no centro de São Gonçalo para dar uma entrevista à equipe da Fundação Böll e contar sobre seu ativismo político. “Se vocês quiserem podemos dar uma volta depois. Posso lhes mostrar a nossa câmara municipal”, diz ele com um brilho nos olhos. A sede da política municipal da sua cidade atrai Gustavo como um imã. Afinal, conseguir um trabalho dentro deste prédio seria seu sonho.



Gustavo Gomes tem 21 anos e morou toda sua vida em São Gonçalo, na periferia fluminense. Quando menino, Gustavo andava muitas vezes pelas ruas da sua cidade, querendo fazer alguma diferença. Sem saber como ele poderia “ser útil para a sociedade”, como ele diz, Gustavo ouviu falar do curso em Gestão Pública na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e fez a inscrição em 2016. “O curso é minha cara”, afirma Gustavo. “Você lida com o público, você conversa com as pessoas, propõe mudanças para a sociedade. Vindo de uma cidade onde muitas pessoas não têm acesso a serviços públicos de qualidade, esse curso para mim é ideal.”

Realidades periféricas

São Gonçalo, localizado a oeste de Niterói, perto da capital do Rio de Janeiro, fica à sombra das duas grandes vizinhas e é muitas vezes considerado o “patinho feio” da região. De fato, o município lida com desafios diferentes dos seus vizinhos. O produto interno bruto, que avalia a prosperidade econômica de um lugar, é R$ 15.963,00 por pessoa ao ano em São Gonçalo. Em Niterói é três vezes maior. Diferente dos seus vizinhos, São Gonçalo não tem um setor industrial forte. A economia local é baseada em serviços, muitos deles de baixa qualificação. Um em cada três moradores não tem mais que meio salário mínimo mensal à sua disposição (dados do IBGE, 2016). Os serviços públicos da região têm baixa qualidade, o que é comum nas zonas pobres da cidade.

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Jovens: um terço sem trabalho

Especialmente jovens de São Gonçalo veem suas possibilidades limitadas. Este ano, um estudo da organização Bem TV chamou atenção, porque revelou que mais de um terço (34,7%) dos jovens da cidade estão desempregados. Para os jovens negros, a realidade é ainda pior: quase a metade (46%) está sem trabalho. Mesmo ter um emprego nem sempre significa conseguir uma estabilidade financeira e acesso à serviços sociais de qualidade, pois a metade dos jovens trabalhadores não têm carteira assinada, e 30 % são “autônomos informais”, ou seja: camelôs e biscateiros. Gustavo está ciente desta realidade. “Muitas vezes, os jovens não têm a qualificação necessária. A gente tem um problema no próprio processo educativo. Faltam investimentos públicos na educação”, critica o jovem.

Um lado é a falta de programas políticos de longo prazo, que visam melhorar serviços como a educação, a infraestrutura e a saúde. É um trabalho que cabe aos servidores públicos, aos vereadores e funcionários nas instituições do município e do estado. O outro lado, que igualmente importa neste processo, é a sociedade civil. Gustavo afirma que “precisamos de organizações para atuar junto ao Poder Executivo, para fiscalizar e para representar a sociedade civil.”

Cidadania ativa

Por isso, Gustavo participou do projeto “Pró São Gonçalo”, que juntou vários moradores do município para discutir as carências da cidade. Focaram no tema da mobilidade urbana. O grupo elaborou ideias concretas sobre políticas públicas e levou-as à Câmara dos Vereadores, onde aconteceram duas audiências públicas. O plano do governo municipal não reserva mais que uma verba simbólica para a construção de ciclovias. Os integrantes do grupo Pró São Gonçalo, entre eles Gustavo, conseguiram chamar atenção para essa carência e estão na esperança de ver adaptações.

Motivado por esta experiência, Gustavo se dedica agora a mais uma ação: o Projeto Manivela. É uma plataforma que está sendo criada por um grupo de jovens que querem melhorar a articulação entre poder público e a população de favelas. O objetivo é aumentar o impacto das associações de moradores que já existem e facilitar o contato com as instituições do estado. “O projeto é feito principalmente por pessoas que moram no subúrbio ou nas áreas de favela”, conta Gustavo. “São pessoas que veem todo dia a segregação dentro da cidade e buscam diversas formas de modificar isso.”

Ser político

 

Numa conversa com Gustavo não é difícil imaginá-lo num cargo político. Quando ele fala de uma “política com P maiúsculo” e da necessidade de “vislumbrar o Rio por inteiro”, a escolha das palavras já lembra uma figura pública. É possível debater com o jovem a precariedade do transporte público em um momento e, minutos depois, os processos históricos que influenciaram o desenvolvimento específico de São Gonçalo. Bem possível que, em alguma futura eleição, tenhamos a foto de Gustavo Gomes sorrindo numa propaganda eleitoral, como candidato a vereador ou prefeito. Quando Gustavo era menino, já tinha uma meta alta, conta ele: “Quando era perguntado sobre qual era o meu sonho, na infância eu dizia: ‘quero ser presidente da república’".

Gustavo sabe que a profissão de político não tem uma boa reputação, nem na sua geração, nem na sociedade em geral. Ele compartilha a crítica contra a designação de cargos políticos por cálculo político que muitas vezes desconsidera a qualificação profissional do(a) candidato(a). Também reconhece a corrupção como problema, mas vê nas investigações atuais um sinal positivo:  “aumentaram mecanismos de avaliação e controle da máquina pública. O processo de transparência, o processo de conhecer como funciona a máquina pública está sendo aprimorado”. Gustavo quer fazer parte de futuras mudanças. “Quando você anda pela sua cidade e vê que a estrutura dela, mobilidade urbana, infraestrutura, escolas e saúde, parecem não funcionar, naturalmente gera um descrédito”, diz ele. “Mas com mais gente engajada em política, com ação e participação cotidiana, pode-se atuar para mudar a realidade.”