O que está em jogo para as mulheres nessas eleições?

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Direitos iguais?
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Direitos iguais?

Temos, em 2014, um cenário eleitoral inédito no Brasil. São as primeiras eleições gerais nas quais a lei de cotas, que determina o preenchimento obrigatório de 30% das listas de candidaturas por mulheres, é cumprida. É também a primeira vez em que vemos a disputa pela Presidência da República concentrar-se em três candidatas mulheres, Dilma Rousseff, Marina Silva e Luciana Genro, tendo Dilma e Marina a frente nas últimas pesquisas de intenção de voto, com 38% e 29%, respectivamente. É também uma disputa entre esquerdas: o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB) à frente da disputa presidencial. Suas trajetórias políticas são intensamente marcadas pela luta por democracia e justiça social no país.

Não é pouca coisa. Mas é o suficiente?

No âmbito das eleições proporcionais, é a primeira vez, em eleições gerais, que alcançou-se os 30% de candidaturas de mulheres. Uma conquista que mereceria ser celebrada, não fosse a baixíssima expectativa de ver esse percentual de candidaturas traduzir-se em percentual de eleitas. E não será. Hoje não alcançamos sequer 10% de representação no Legislativo e a tendência é de permanecermos nesse mesmo patamar.

Isso porque o sistema político brasileiro ainda privilegia as candidaturas recorrentes, daqueles que já têm ou já tiveram mandatos – em sua grande maioria homens brancos – e as candidaturas mais ricas – normalmente, aquelas consideradas as mais viáveis. Sem o financiamento público exclusivo de campanha, a disputa ainda parte de patamares profundamente desiguais.

Dentro dos partidos políticos, as práticas também se mantém em grande medida inalteradas no que se refere ao investimento em candidaturas de mulheres. Falta formação política, faltam espaços de participação possíveis para aquelas que ainda respondem prioritariamente pelo trabalho doméstico e pelas tarefas de cuidados. A política – e a política partidária ainda mais – permanece como um campo hostil à participação das mulheres.

Sem uma reforma do sistema político que radicalize a democracia, que incorpore de fato a dimensão da paridade em sua diversidade e complexidade, não alcançaremos a mudança que desejamos no cenário político e eleitoral do país. Entre o 01 e 07 de setembro deste ano, mais de 7.700.000 pessoas votaram no Plebiscito Popular pela Reforma do Sistema Político por uma constituinte exclusiva e soberana para a reforma do sistema político. Em 2013, milhões de brasileiros e brasileiras foram às ruas em uma catarse de indignação coletiva, denunciando já não se sentirem representados por aqueles que governam e legislam no país.

Por outro lado, no entanto, as possibilidades reais de renovação desses representantes nas casas legislativas são muito baixas. Seja pelo fisiologismo das práticas políticas eleitorais, seja pelo fisiologismo das práticas políticas institucionais – o fato é que esse sistema já não é capaz sequer de abrir reais possibilidades de mudanças.     

No que se refere às eleições majoritárias, a disputa pela Presidência também traz novidades. As duas candidatas com maiores chances de vitória hoje são mulheres – uma delas, Marina Silva, uma mulher negra. O fato, no entanto, não tem se traduzido em um traçado inovador ou posicionado às campanhas e aos discursos das duas candidatas, Dilma e Marina. A não ser quando cedem às arcaicas estratégias de marketing político que as apresentam como a mãe do país, no caso da primeira, e como a fragilidade e a sensibilidade em pessoa, no caso da segunda. Qualquer rastro de ambição política, de firmeza e rigidez no trato, são considerados deméritos, sendo rapidamente apontados e condenados.

As ameaças de recrudescimento do conservadorismo religioso na política brasileira andam de mãos dadas com esse apagamento das mulheres candidatas como sujeitos posicionados enquanto mulheres e enquanto mulheres de esquerda.

Isto reflete o conservadorismo religioso que vem se fortalecendo no Brasil há alguns anos. O crescimento da população evangélica, produzido por um forte crescimento de denominações religiosas neopentecostais, tem acirrado o poder de ameaça e de barganha eleitoral desses grupos organizados política e partidariamente. As ofensivas conservadoras até então lideradas por uma Igreja Católica discreta no cenário político institucional e partidário, hoje estão escancaradas, fortalecidas e amplamente disseminadas. No tabuleiro político, associam-se os religiosos, os ruralistas, os donos dos meios de comunicação. É a pior direita brasileira que saiu do armário. E o sistema político hoje vigente serve a mesa para que se banqueteiem.

As esquerdas políticas representadas pelas duas candidatas à presidência à frente nas pesquisas de intenção de voto encontram-se amarradas e comprometidas por coligações e acordos com esses grupos conservadores. Seus projetos políticos já não conseguem se manter fiéis às lutas históricas que também construíram.

Nesse contexto, para as mulheres brasileiras, estão em jogo seus direitos – aqueles já conquistados, que sofrem ameaças constantes de retrocessos; e aqueles ainda por conquistar. Está em jogo a possibilidade de construir um país que respeite sua diversidade, que respeite seus diferentes modos de vida, que garanta a possibilidade de uma vida livre de violências, livre de discriminações, livre de privações. Está em jogo o aprofundamento da justiça social e da igualdade.