Decisão da Corte Internacional de Justiça transforma justiça climática em lei

Análise A recente decisão da CIJ é um marco na luta contra a mudança climática, abordando a responsabilidade dos Estados por uma ação climática ambiciosa e cientificamente fundamentada. Ela também abre caminho para possíveis reparações climáticas no futuro.

Frente do Jardim da Paz do Palácio de Haia

Em um momento histórico para a justiça climática, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), ao tratar pela primeira vez da questão das mudanças climáticas, em 23 de julho apresentou, por unanimidade, um parecer consultivo de 140 páginas.

Ele confirma que os Estados têm obrigações jurídicas, segundo o direito internacional dos direitos humanos e tratados ambientais internacionais — incluindo a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) e o Acordo de Paris, de enviar todos os esforços e tomar todas as medidas necessárias para proteger o clima e garantir um ambiente limpo, saudável e sustentável como base para o gozo dos direitos humanos e da equidade intergeracional. A decisão da CIJ segue outro parecer da Corte Interamericana de Direitos Humanos, emitido poucas semanas antes, que também reconheceu o direito a um clima saudável.

Apesar de não ter força legal, espera-se que a decisão tenha um impacto significativo nos tribunais e nas negociações em todo o mundo, influenciando as discussões sobre a ambição climática e as obrigações das Partes na COP30, que ocorrerá em Belém, Brasil, em novembro. Isso acontece num momento em que as Partes do Acordo de Paris são pressionadas a aumentar a ambição de suas metas de redução de emissões em uma nova rodada de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).

A CIJ determinou que as NDCs não são discricionárias, como argumentaram os Estados poluidores nas audiências de dezembro, mas sim que devem, coletivamente, ser capazes de alcançar o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global à meta de 1,5°C. A corte também esclareceu e confirmou a obrigação contínua dos países desenvolvidos de fornecer apoio financeiro aos países em desenvolvimento para mitigação e adaptação “de forma e em nível que permitam alcançar” essa meta.

O parecer consultivo da CIJ é uma afirmação poderosa de que todo o corpo de leis de tratados internacionais existentes, incluindo o direito internacional dos direitos humanos, o direito marítimo, o direito internacional consuetudinário e outros tratados ambientais, rege as obrigações climáticas. Essas obrigações se aplicam a todos os Estados, independentemente de serem partes de tratados climáticos. A CIJ rejeitou o argumento feito por grandes nações poluidoras de que apenas os tratados climáticos se aplicam.

Poucas semanas após uma morna sessão de negociações da UNFCCC em Bonn — as primeiras negociações climáticas em 30 anos sem os Estados Unidos — essa decisão traz esperança de que a crescente pressão jurídica, científica e moral possa compelir todos os Estados a agir e responsabilizar os poluidores históricos. A CIJ deixa claro que isso inclui os Estados Unidos — apesar de terem deixado o Acordo de Paris. Mesmo que o dano climático tenha origem em múltiplos Estados e atores, cada Estado ainda pode ser responsabilizado individualmente por sua contribuição.

É importante destacar que a produção de combustíveis fósseis, seu consumo, a concessão de licenças de exploração e o pagamento de subsídios a combustíveis fósseis podem, todos, constituir violações de obrigações relacionadas ao clima segundo o direito internacional consuetudinário. Os Estados também têm a obrigação de limitar ações poluentes do setor privado por meio de regulamentações adequadas. Processos judiciais contra Estados e empresas por questões climáticas certamente aumentarão após essas constatações. O mais notável é que o parecer consultivo abre a possibilidade de exigir reparações de Estados que não cumpram todas as suas obrigações relacionadas ao clima.

Responsabilização e reparações climáticas — que os Estados Unidos conseguiram excluir do Artigo 8 do Acordo de Paris sobre Perdas e Danos — agora são uma possibilidade concreta. Isso trará esperança e uma via alternativa para pressionar por apoio adequado para lidar com Perdas e Danos, considerando o estado precário atual de financiamento do Fundo da UNFCCC para resposta a Perdas e Danos (FRLD). Considerado um “fundo de solidariedade” com contribuições voluntárias de todos os países — incluindo os países desenvolvidos, mesmo como poluidores históricos —, atualmente conta com apenas algumas centenas de milhões em caixa, em vez das centenas de bilhões necessárias para enfrentar e oferecer alguma compensação ou reparação pelas perdas e danos crescentes que já violam direitos humanos fundamentais das pessoas e comunidades mais vulneráveis em países em desenvolvimento.

A decisão da CIJ é resultado de vários anos de esforços iniciados pelo grupo Pacific Island Students Fighting Climate Change (PISFCC). Ele reuniu o apoio de organizações da sociedade civil e de governos — especialmente dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, com Vanuatu assumindo a liderança. A campanha culminou em uma resolução unânime da Assembleia Geral da ONU, em março de 2023, solicitando que a CIJ se pronunciasse sobre as obrigações dos Estados segundo o direito internacional em relação às mudanças climáticas e sobre as consequências jurídicas para Estados que não cumpram ou violem essas obrigações. O parecer consultivo foi emitido após duas rodadas de manifestações escritas com participação recorde e após a CIJ ouvir duas semanas de argumentos jurídicos em dezembro de 2024.