
O contexto político
Frequentemente, parceiros e aliados nos perguntam sobre a história da Fundação Heinrich Böll, quais são suas raízes políticas e ideológicas. Esse artigo reconta a história de uma instituição que existe há 38 anos e já atua no Brasil há 25 anos! Possibilitar e fortalecer diálogos políticos em parceria com organizações e movimentos sociais, pesquisadores e jornalistas, respeitando diferenças e saberes reflete muito da formação política da Fundação, nascida dos movimentos e do Partido Verde alemão.
Fundado na Alemanha, na cidade de Berlim Ocidental, em 12/13 de janeiro de 1980, em Karlsruhe, o Partido Verde originou-se dos movimentos antinucleares e ambientais, dos movimentos feministas e LGBTQI+ e ainda, dos anti-imperialista, pacifista e da Nova Esquerda da década de 1970. Nas eleições de 1983, os Verdes conseguiram entrar no Bundestag (Parlamento alemão) e, de 1985 a 1987, Joschka Fischer foi o primeiro ministro dos Verdes, em uma coalizão vermelho-verde[i] no Estado de Hessen. Após a reunificação, em 1990, inicialmente os Verdes da Alemanha Ocidental não conseguiram atingir o limite de 5% nas eleições para o Bundestag.
Na antiga Alemanha Oriental (RDA) duas outras linhas políticas podem ser encontradas vinculadas a movimentos sociais. A Iniciativa para a Paz e os Direitos Humanos, o Democracia Agora e o Foro Novo, ambos fundados durante os distúrbios políticos no outono de 1989, que levaram a caída do muro de Berlim, formaram a Aliança 90, que entrou no Bundestag como um grupo parlamentar nas eleições federais de 1990, juntamente com o Partido Verde da RDA, fundado na virada de 1989/1990, a Associação de Mulheres Independentes e a Esquerda Unida. Depois que o Partido Verde na RDA já havia se fundido com os Verdes da Alemanha Ocidental imediatamente após essa eleição, e estavam representados no Bundestag com dois deputados da Alemanha Oriental, os Verdes se fundiriam com a Alliança 90 em 14 de maio de 1993 – passaram a ser chamados de Aliança 90/Os Verdes (Bündnis 90/Die Grünen, em alemão). A quarta linha deste desenvolvimento foi a Lista Alternativa para Democracia e Proteção Ambiental (Alternative Liste für Demokratie und Umweltschutz, AL), principalmente atuando em Berlim, fundada em 5 de outubro de 1978, que, como um partido independente, assumiu as tarefas de uma associação estadual dos Verdes com seu próprio nome a partir de 1980 e também se fundiu com a Alliance 90 em 14 de maio de 1993.
Depois de entrar novamente no Bundestag como um grupo parlamentar em 1994, os Verdes integraram o governo federal pela primeira vez em uma coalizão vermelho-verde de 1998 a 2005. De 2005 a 2021, foram novamente um partido de oposição no Bundestag, antes de entrarem na “coalizão semáforo”, como é chamado os partidos por suas cores vermelho, amarelo e verde, com o SPD e o FDP em nível federal em 2021, que fracassou em 2024. Atualmente eles estão novamente na oposição.
Uma organização política verde: a Fundação Heinrich Böll
De acordo com a legislação da Alemanha, qualquer partido político que esteja no Bundestag pela segunda vez pode criar uma fundação política voltada para educação política e fortalecimento da democracia junto aos seus círculos políticos no país e no exterior - em nosso caso, reforçamos o trabalho da sociedade civil democrática.
A história do partido é o pano de fundo para entender a tessitura política que compõe a Fundação Heinrich Böll; ambos estão em uma relação permanente de tensão, tanto internamente quanto entre si. Uma situação que pode ser muito criativa, mas que às vezes também pode levar a bloqueios.
Assim como o Partido Verde é uma fusão de movimentos muito diferentes, a Fundação Heinrich Böll, fundada em 1997 também foi construída a partir de diferentes correntes que ainda hoje podem ser encontradas na instituição: a Fundação Arco Iris (Regenbogen, uma fusão guarda-chuva de três fundações Arco Iris), a Incitação das Mulheres (Frauen-Anstiftung, Hamburgo) e a Fundação Heinrich Böll (Colônia), criada pelos familiares do escritor.
A fusão das fundações individuais para formar a nova Fundação Heinrich Böll foi iniciada em uma reunião nacional do Partido Verde em Mainz, em março de 1996. Por ocasião desta reunião a democracia de gênero foi consagrada nos estatutos como uma tarefa transversal e conjunta. A diretriz de trabalhar contra a discriminação de gays e lésbicas também foi ancorado, assim como a priorização de questões de política de imigração. As propostas foram finalmente aprovadas por uma ampla maioria. Ao mesmo tempo em que reconheceu a fundação como uma organização federal, a assembleia votou a favor do novo nome “Fundação Heinrich Böll”, pelo escritor incorporar aquela rara unidade de vigilância política, criatividade artística e integridade moral que permanecerá como exemplo para as gerações futuras. A coragem para defender princípios éticos, o estímulo para a participação política cidadã em assuntos públicos, a tolerância e a defesa incondicional da dignidade e dos direitos humanos foram as marcas registradas do escritor Heinrich Böll. A Fundação está comprometida com essa tradição até hoje. Em 1º de julho de 1997, a nova Fundação Heinrich Böll iniciou seus trabalhos em sua sede, nos Hackeschen Höfe, no coração de Berlim. Desde 2008, a sede própria da Fundação está localizada na Schumannstr. 8, em Berlin-Mitte.
A Fundação Heinrich Böll no Brasil
Depois de dois anos sediada no escritório da parceira Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), a Fundação Heinrich Böll Brasil foi finalmente inaugurada em maio 2000, no Rio de Janeiro. O evento de inauguração tinha como tema os transgênicos, que naquele momento era pouco conhecido no Brasil. Como uma fundação política internacional estávamos sempre tentando vislumbrar tendências que iriam impactar a garantia dos direitos humanos e a democracia e poderiam acelerar os processos de destruição da natureza. Neste sentido, a discussão sobre as implicações e consequências éticas, políticas, sociais e ambientais relacionadas à privatização e manipulação dos processos básicos da vida tornou-se parte do nosso trabalho, com o nome de biopolítica. Em meados dos 2000 parecia conversa de ficção científica, mas hoje com os avanços das tecnologias esse futuro distópico chegou.
Colocamos também como central em nosso trabalho apoiar a sociedade civil em sua luta contra a violência policial, processo histórico com raízes no racismo brasileiro. Todos os temas com os quais lidamos têm sua interface sobre qual o papel que o gênero joga nessas discussões; o que mulheres e população LGBTQI+ têm a dizer. Nosso mais novo tema lida também com questões atuais. Sob o ponto de vista da técnopolitica a digitalização da vida deve levar em consideração a criação de tecnologias que atendam a requisitos de transparência, da democracia e garantia de direitos digitais. Nos parece urgente a regulação das plataformas para enfrentarmos o fenômeno da desinformação.
Atuamos há 25 anos no Brasil, com um compromisso de continuidade de parcerias e muita curiosidade de cooperar com novos parceiros e atores sociais.
O futuro da Fundação
Recentemente, a missão da Fundação, ou seja, contribuir para a superação das injustiças sociais e ambientais globais por meio da cooperação internacional entre todas as forças progressistas, tem sofrido uma pressão política cada vez maior. Não é mais dado como certo que as metas globais de sustentabilidade e a compensação pelas consequências das mudanças climáticas serão distribuídas de forma justa; em vez disso, o foco está nos conflitos geopolíticos. Ao mesmo tempo, o equilíbrio político de poder e as formas de representação são distorcidos pelas estruturas da mídia social. Esse novo campo de trabalho, representado pela promoção da justiça digital e a organização democrática dos espaços virtuais, que chamamos de técnopolitica, ocupa um lugar programático importante em nosso portfólio.
Em um contexto de transformações geopolíticas que estão deixando o mundo mais inseguro e refratário a uma agenda pró-direito das minorias, em 2024, a Fundação inaugurou o Projeto Futuros Positivos, um trabalho de mapeamento de experiências inovadoras e exitosas, junto a sua rede de parceiros e escritórios pelo mundo. A ideia é conectá-los e construir cenários e visões sobre um futuro possível com justiça social, mais direitos para as mulheres e políticas reais que possam mitigar os efeitos da crise ambiental que vivemos hoje.
Os processos de transformação devem ser ativamente configurados por uma sociedade civil pluralista, na qual caiba nossos parceiros do campo dos direitos humanos, da justiça ambiental, dos direitos digitais e das infinitas possibilidades da inteligência artificial. Nesse momento, é ainda mais importante que todos nós nos unamos e encontremos novas formas de cooperação e ativismo para trabalharmos juntos por um futuro positivo.
Acesse a página especial dos 25 anos.
[i] Na política alemã é comum se referir aos partidos também por suas cores para citar suas alianças. É o caso também da formação de um governo de coalizão de semáforo (em alemão: Ampelkoalition) que faz referência às cores tradicionais dos partidos, vermelho, amarelo e verde: o Partido Social-Democrata (SPD), o Partido Democrático Livre (FDP) e a Aliança 90/Os Verdes, respectivamente. Seu nome se deve à combinação com a sequência de cores de um semáforo (Ampel).