O que um segundo governo Trump significa para a América Latina?

Este artigo foi publicado originalmente em 16.01.2025 no site da WOLA.

Com o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA em 20 de janeiro, a América Latina enfrenta um período transformador e turbulento em suas relações com seu vizinho do norte. 

Tempo de leitura: 13 minutos
Trump para a América Latina

As nomeações de Trump, incluindo Marco Rubio como Secretário de Estado, Christopher Landau como Secretário Adjunto de Estado e as rápidas nomeações de embaixadores dos EUA em vários países latino-americanos, como o México, indicam que a região será uma prioridade maior na política externa dos EUA, especialmente em relação à migração e às drogas ilícitas. O crescente alinhamento de Trump com líderes populistas, muitas vezes autoritários, na América Latina, como Javier Milei na Argentina, Nayib Bukele em El Salvador e a família Bolsonaro no Brasil, pode fortalecer os atores antidemocráticos e ameaçar as instituições democráticas, as liberdades civis, a segurança dos cidadãos e as proteções dos direitos humanos da região.

Em um segundo governo Trump, WOLA prevê retrocessos significativos nas normas democráticas, no espaço cívico, na proteção dos direitos humanos, na independência judicial, nas iniciativas de inclusão e diversidade e na resposta à crise climática.

WOLA identificou as principais áreas a serem observadas e as possíveis medidas de resposta para lidar com esses riscos.

Migração 

Embora o governo Biden tenha colocado o sistema de asilo dos EUA fora do alcance de muitos migrantes que chegam à fronteira entre os EUA e o México, ele abriu e preservou outros caminhos para a proteção dos migrantes, bem como a proteção contra a deportação. Programas como o Deferred Action for Childhood Arrivals (DACA), o Temporary Protected Status (TPS) e o status de permissão humanitária para cidadãos de Cuba, Haiti, Nicarágua e Venezuela podem ser eliminados por Trump. Além disso, as rotas de migração legal, como os Secure Mobility Offices, que oferecem avaliação e processamento para migrantes na Colômbia, Costa Rica, Equador e Guatemala, incluindo o reassentamento de refugiados, também poderiam ser fechadas.

O foco de Trump na deportação em massa, provavelmente usando pessoal militar, algo sem precedentes na história moderna dos EUA, poderia expulsar milhões de pessoas por meio de batidas/invasões da Imigração, internação em campos de migrantes e deportações em larga escala. Um programa "Fique no México" reformulado poderia enviar dezenas de milhares de solicitantes de asilo para aguardar o processamento no México, se o governo mexicano for forçado a aceitá-los. As organizações e entidades sem fins lucrativos que defendem os migrantes podem enfrentar ataques legais coordenados. A construção da cerca na fronteira será retomada. Os órgãos de imigração e fronteiras dos EUA, como o Customs and Border Protection (CBP), seu componente Border Patrol e o Immigration and Customs Enforcement (ICE), verão suas culturas organizacionais já problemáticas piorarem devido à supervisão fraca e permissiva, aumentando o risco de abuso e uso indevido da força. Tragédias evitáveis, desde separações familiares até vidas destruídas e maus-tratos em custódia e detenção, provavelmente se multiplicarão.

Se o bloqueio da migração se tornar a principal prioridade da política externa dos EUA nas Américas, o relacionamento entre os EUA e a região será ainda mais distorcido. O México e outros países ao longo da rota migratória podem enfrentar uma pressão cada vez maior para bloquear migrantes e aceitar mais deportados de outros países, já que suas economias lutam para absorver um grande número de seus próprios cidadãos repatriados. As nações da região sofrerão um aumento no número de migrantes e solicitantes de asilo dentro de suas fronteiras, exacerbando uma crise humanitária em um hemisfério onde há mais de 3 milhões de migrantes e solicitantes de asilo 20.3 milhões pessoas deslocadas à força e apátridas; um terço delas é da Venezuela e precisa de proteção internacional. A assistência dos EUA às autoridades de controle de fronteira e imigração de outros países pode aumentar, com o risco de reproduzir uma cultura organizacional propensa a abusos e pouca responsabilidade, como a que caracteriza o CBP e o ICE, que são as principais entidades que fornecem treinamento e consultoria aos seus homólogos estrangeiros. Por outro lado, líderes corruptos e autoritários, inclusive possivelmente o regime da Venezuela - podem tentar se aproximar dos EUA aceitando deportados e bloqueando migrantes.

México 

Trump propôs uma ação militar dos EUA no México, por meio do envio de forças especiais em solo mexicano como uma possível resposta ao tráfico de drogas, uma ideia que ganhou apoio dentro do Partido Republicano. É difícil subestimar os riscos de direitos humanos de tais propostas ou o impacto potencialmente catastrófico da ação militar unilateral dos EUA no relacionamento EUA-México. Mas, mesmo que essa ação militar não se concretize, essas propostas pressagiam uma relação na qual as ameaças de medidas unilaterais poderiam ser o ponto de partida para o diálogo em áreas cruciais, como segurança e migração, o que poderia levar a resultados negativos em vez de soluções políticas eficazes.

Após décadas de uma "guerra às drogas" militarizada no México o resultado foram graves violações dos direitos humanos. Enquanto o governo Trump 2.0 priorizar ações militares prejudiciais que parecem ser "duras" contra o crime ou na fronteira, haverá pouco espaço para cooperação nas áreas que são realmente relevantes para fortalecer o estado de direito, proteger a população e reduzir a migração forçada.

Venezuela 

Os acontecimentos recentes levantam dúvidas sobre se a abordagem do governo Trump em relação à Venezuela será semelhante às políticas de seu primeiro mandato. Em 9 de janeiro, pela primeira vez desde as eleições presidenciais da Venezuela em julho de 2024, Trump abordou brevemente a situação em uma postagem no Truth Social. Sua mensagem veio um dia antes de Nicolás Maduro assumir outro mandato presidencial de seis anos, sem nenhuma evidência para respaldar a legitimidade de seu suposto triunfo e em meio a fortes condenações da comunidade internacional. Trump se referiu a Edmundo González Urrutia como presidente eleito e destacou o apoio que ele recebeu da comunidade venezuelana nos Estados Unidos. O candidato a Secretário de Estado Marco Rubio enfatizou, durante sua audiência de confirmação no Congresso, que o país é controlado por uma organização criminosa e de tráfico de drogas, criticou o governo Biden por ter sido manipulado para aliviar as sanções e fornecer milhões de dólares a Maduro por meio de licenças de petróleo e destacou os riscos geopolíticos significativos envolvidos nas negociações da Venezuela com países como a Rússia e o Irã. Por sua vez, Michael Waltz, que foi nomeado assessor de segurança nacional de Trump, reuniu-se com González Urrutia durante sua recente visita a Washington D.C., mas na qualidade de congressista da Flórida, deixando incerta a posição do governo sobre a Venezuela. Trump também nomeou Richard Grenell como enviado presidencial para missões especiais, incluindo a Venezuela, mas ainda não está claro qual é a sua posição e como ela se alinhará com a do Departamento de Estado.

Após a vitória eleitoral de Trump, Maduro o parabenizou publicamente e expressou esperanças de uma relação em que todos saiam ganhando. Maduro provavelmente buscará manter as licenças de petróleo concedidas pela OFAC, que tornaram a Venezuela o terceiro maior fornecedor de petróleo para os Estados Unidos em 2024. Enquanto isso, Trump quer restringir a migração retomando os voos de deportação para a Venezuela. 

Colômbia 

Embora tenha havido algum progresso, persistem graves problemas de segurança, tráfico de drogas, direitos humanos e humanitários na Colômbia. Entre as violações de direitos mais notáveis estão o alto número de assassinatos e ataques contra líderes sociais, especialmente defensores do meio ambiente, o deslocamento interno e a falta de justiça na maioria dos casos. Embora ainda não esteja claro quais políticas o novo governo Trump adotará em relação à Colômbia, está claro que as lições do passado não podem ser ignoradas. Retornar às políticas prejudiciais e ineficazes que caracterizaram os primeiros anos do "Plano Colômbia", como uma abordagem de segurança de linha dura para combater as drogas (muitas vezes levando a abusos), não resolverá o problema das economias ilícitas. A Colômbia é o principal parceiro dos Estados Unidos no tratamento da migração da Venezuela e também um importante parceiro comercial que prioriza os EUA em relação à China.

América Central

Embora Trump ainda não tenha proposto medidas específicas para a América Central, é provável que seu governo desmantele a Estratégia dos EUA para Enfrentar as Causas Originárias da Migração feita pelo governo Biden, além da Iniciativa Avançar na América Central, a Parceria da América Central e o Chamado à Ação liderados pela vice-presidente Kamala Harris. O envolvimento dos EUA com a região mudará radicalmente. As iniciativas anteriores dos EUA de proteger o espaço cívico e amplificar as vozes dos defensores dos direitos humanos não serão uma prioridade. Atores corruptos que minaram a democracia e foram sancionados durante o governo Biden, como muitas autoridades guatemaltecas, provavelmente serão apoiados por Trump e seus aliados, que têm fortes laços com muitos deles. Isso poderia levar a uma reversão das sanções e a uma maior instabilidade política. Por outro lado, é provável que vejamos uma pressão contínua dos representantes republicanos sobre o Congresso e o Executivo cuja presidente hondurenha é Xiomara Castro, devido às preocupações com as políticas que estão afetando as empresas americanas e seus laços com a Venezuela, Cuba, China, Nicarágua e outros adversários dos EUA.

Apesar desses desafios, há espaço para mudanças positivas no caso da Nicarágua, pois há apoio bipartidário e interesse em restaurar a democracia no país. Além disso, o setor privado da América Central e dos EUA poderia desempenhar um papel fundamental ao pressionar o governo Trump a implementar iniciativas de investimento, promover a segurança jurídica, defender o estado de direito e respeitar os valores democráticos.

Cuba 

Em seu primeiro mandato, e a pedido de Marco Rubio, o presidente Trump reverteu muitas das políticas de aproximação com Cuba implementadas durante o governo Obama, impondo novas sanções, suspendendo grupos de trabalho sobre questões como cooperação ambiental, migração e direitos humanos, e colocando Cuba novamente na lista de Patrocinadores de Estado do Terrorismo (SSOT) pouco antes de deixar o cargo. Biden reverteu algumas dessas políticas, como a facilitação do reagrupamento familiar e das remessas de dinheiro, a expansão das viagens autorizadas e o apoio ao setor privado e a liberdade na Internet. No entanto, impulsionados por uma economia em colapso, escassez generalizada de energia, alimentos, combustível e medicamentos e um aumento da repressão, entre outros fatores, vimos um nível histórico de migração cubana desde 2022. Cuba também permaneceu na lista SSOT até os últimos dias do governo Biden, quando foi removida no mesmo dia em que o governo cubano anunciou a libertação de 553 pessoas da prisão.

Com Marco Rubio prestes a se tornar Secretário de Estado dos EUA e outros cubano-americanos, partidários da linha dura que provavelmente ocuparão posições-chave no governo e no Congresso, os compromissos limitados estabelecidos durante o governo Biden com Cuba chegarão ao fim. Embora o novo governo deva continuar a manifestar preocupação com a situação dos direitos humanos em Cuba, inclusive com o aumento dramático da repressão após os protestos de 11 de julho de 2021, isso não deve ser acompanhado por um aumento das restrições a Cuba, que só pioraram a crise humanitária na ilha e não conseguiram fazer progressos significativos em termos de direitos humanos ou reformas políticas.

Políticas sobre drogas

As mortes por overdose de drogas nos EUA estão finalmente diminuindo depois de aumentar por muitos anos. Esse declínio promissor provavelmente se deve a muitos fatores, entre os quais o apoio sem precedentes do governo federal a ferramentas de redução de danos que salvam vidas, como o antídoto contra overdose naloxona. Durante o primeiro mandato de Trump, as mortes por overdose causadas por opioides sintéticos, como o fentanil quadruplicaram, mas seu governo não adotou estratégias de redução de danos. Agora, com as primeiras indicações de que as mortes por overdose estão diminuindo, Trump deveria estar intensificando o apoio federal à redução de danos, e não abandonando-o. 

A ameaça de Trump de impor altas tarifas ao México e a generalização entre os republicanos de propostas de ataques militares unilaterais dos EUA estão dando o tom de uma abordagem coercitiva para a região, que prioriza a força militar para reprimir o tráfico de drogas. Pode-se esperar que essas táticas produzam grandes resultados na teatralidade da guerra contra as drogas: estatísticas de erradicação de plantações, apreensões de drogas, prisões de "chefões" - gerando muitas imagens que Trump pode usar para criar uma miragem de sucesso no controle de drogas.

No entanto, essas operações não são capazes de realmente diminuir o fornecimento de drogas ou restringir o alcance e o poder das redes de tráfico de drogas e do crime organizado. 

Mudanças climáticas

Os Estados Unidos são, de longe, o maior emissor histórico de dióxido de carbono e, portanto, tem uma responsabilidade significativa pela criação da crise climática. Por outro lado, a América Latina e o Caribe, como um todo, têm uma responsabilidade histórica mínima pelas emissões do aquecimento global, mas as pessoas que vivem nesses países são altamente vulneráveis a desastres induzidos pelo clima. No entanto, Trump está ameaçando retirar o governo dos EUA do histórico Acordo de Paris para responder às mudanças climáticas, como fez em seu primeiro mandato. Ao mesmo tempo, os republicanos no Congresso parecem determinados a cortar toda a ajuda internacional  climática, incluindo a ajuda para proteger a floresta amazônica

As consequências traumáticas da crise climática já estão em todo o território americano e a destruição causada pelas mudanças climáticas na América Latina e no Caribe representará desafios crescentes na região, incluindo o aumento do deslocamento e da migração.

Gênero e justiça racial

Prevemos que essa administração reduzirá os esforços do governo dos EUA para promover a justiça de gênero, a diversidade, a inclusão e a proteção de grupos vulneráveis, tanto na política externa dos EUA quanto nas operações do Departamento de Estado. Espera-se a limitação da assistência dos EUA a organizações envolvidas em serviços de aborto ou de defesa de mudanças nas leis sobre aborto. 

A abordagem da saúde reprodutiva e das necessidades específicas das mulheres, das minorias étnicas e de gênero e das populações vulneráveis fortalece os países como parceiros estratégicos e contribui para a redução das economias ilícitas. Além disso, é fundamental garantir a proteção das vítimas de tráfico, abuso sexual e violência baseada em gênero. A igualdade de direitos e a participação política de mulheres e minorias promovem a inovação e fortalecem a capacidade dos Estados Unidos de enfrentar desafios globais complexos.

Iniciativas como o Plano de Ação Racial EUA-Colômbia e o Plano de Ação Conjunta para Eliminar a Discriminação Racial e Étnica e Promover a Igualdade (JAPER) destacam a importância de promover os direitos e as oportunidades econômicas como uma prioridade contínua, inclusive para o novo governo.

Conclusão

Pelo menos nos próximos dois anos, Trump terá um Congresso controlado pelo Partido Republicano que promoverá várias de suas prioridades, em especial sua agenda de migração restritiva, e realinhará, se não reduzir, as áreas de assistência dos EUA, concentrando-se na assistência à segurança, eliminando ou cortando drasticamente o financiamento de organizações internacionais e combatendo o papel global da China. Enquanto Trump se prepara para um segundo mandato, a América Latina enfrenta a perspectiva de aprofundamento do autoritarismo, crescentes desafios aos direitos humanos e maior erosão dos princípios democráticos, sendo provável que muitos líderes encontrem no novo governo dos EUA um aliado para suas agendas conservadoras. A comunidade internacional, juntamente com a sociedade civil latino-americana, deve se preparar para esses desafios e trabalhar em conjunto para defender os direitos humanos, proteger as instituições democráticas e resistir às influências autoritárias.

Washington Office on Latin America - WOLA é uma importante organização de pesquisa e defesa que promove os direitos humanos nas Américas. Visite o site da organização.