É inadmissível que a fome persista em um mundo que produz alimentos em abundância. Nesse contexto, ganha relevância a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, iniciativa oficialmente lançada durante o G20 Social, realizado no Rio de Janeiro, como um marco no compromisso global de erradicar a fome e reduzir a pobreza.
A iniciativa reuniu 147 membros fundadores, incluindo governos, organizações internacionais, sociedade civil e movimentos sociais, com o objetivo de enfrentar os desafios globais da fome e da pobreza por meio da mobilização de recursos financeiros, conhecimento técnico e cooperação internacional. Sob a liderança do Brasil, a Aliança se destaca como uma plataforma global para implementar ações concretas que priorizem a justiça social. Esse esforço tem como objetivo reunir países, organizações da sociedade civil e setores privados para combater a crescente crise de fome e pobreza no mundo.
A proposta busca estabelecer uma colaboração mais eficiente e duradoura, reconhecendo que a fome representa uma violação dos direitos humanos e constitui um obstáculo para a segurança e o desenvolvimento global. Segundo o Relatório SOFI – State of Food Security and Nutrition in the World – de 2023, aproximadamente 735 milhões de pessoas vivem em situação de fome no mundo, sendo mulheres e crianças as mais afetadas. Cerca de 45 milhões de crianças menores de cinco anos enfrentam desnutrição aguda, enquanto 29,6% das mulheres em idade reprodutiva sofrem de anemia. O cenário é particularmente grave nas periferias globais, como a África Subsaariana e o Sul da Ásia, onde mais de um terço da população vive em insegurança alimentar severa.
Em 2022, apenas 8% dos recursos necessários para enfrentar a fome em países de população mais pobre foram alcançados, destacando o impacto do subfinanciamento e a fragmentação dos esforços internacionais. A proposta da Aliança prioriza intervenções em países de baixa renda (LICs) e de renda média (MICs), regiões onde o subfinanciamento compromete programas de segurança alimentar e a sustentabilidade de ações em longo prazo. A fragmentação do financiamento internacional, muitas vezes direcionado para soluções emergenciais de curto prazo, agrava as dificuldades estruturais. Entre os pilares centrais da Aliança estão a promoção de políticas públicas exitosas, como as implementadas pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) no Brasil, que integra ações interministeriais para o combate à fome e o fortalecimento da agricultura familiar e agroecológica.
Outro ponto de destaque é o estabelecimento de uma governança ampla, com a participação de organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), além de movimentos sociais e representantes da sociedade civil, como a Ação da Cidadania, o Instituto Comida do Amanhã e outras organizações não governamentais brasileiras com expertise em ações de advocacy de combate a fome. A Aliança também busca coordenar e aperfeiçoar fluxos de financiamento, a fim de reduzir a dispersão de recursos e promover iniciativas integradas e sustentáveis.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou a importância da Aliança como um marco global na luta contra a fome, destacando a experiência brasileira em políticas como o Programa Bolsa Família e o SISAN, como exemplos na busca de soluções para conter a insegurança alimentar. A Aliança reflete o compromisso internacional com uma agenda que prioriza as populações mais vulneráveis e busca enfrentar retrocessos nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 1 - erradicação da pobreza e o ODS 2 - fome zero e agricultura sustentável.
No Brasil, a liderança da Aliança é coordenada por órgãos governamentais como o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Fazenda e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Essas entidades atuam em parceria com organizações internacionais, bancos multilaterais de desenvolvimento como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a sociedade civil. No contexto do G20 e das Nações Unidas, a Aliança busca engajar outros países e atores globais para promover ações colaborativas que enfrentem a fome e a pobreza de forma abrangente e duradoura. Essa abordagem se fortalece com a participação de diversos movimentos sociais, ampliando o alcance das iniciativas da Aliança.
A Aliança funcionará por meio de um mecanismo de colaboração que inclui a troca de conhecimentos, financiamento direcionado e a implementação de políticas públicas efetivas. Esse mecanismo se propõe a ir além da simples transferência de recursos financeiros, promovendo uma estratégia integrada de cooperação entre os países mais ricos e os mais pobres com foco no fortalecimento de capacidades locais. A Aliança priorizará o compartilhamento de estratégias bem-sucedidas de combate à fome e à pobreza, como o fortalecimento da agricultura familiar, agroecológica e sustentável e a expansão de redes de proteção social.
O lançamento da Aliança ocorre em um momento crítico, em que crises climáticas, econômicas e geopolíticas intensificaram a insegurança alimentar. Ainda segundo o relatório SOFI 2023, os efeitos das mudanças climáticas, como secas prolongadas e inundações, agravaram a escassez de alimentos em regiões vulneráveis. Simultaneamente, conflitos geopolíticos interromperam cadeias de suprimentos e aumentaram o custo de insumos agrícolas. Essas crises impactam desproporcionalmente os países mais pobres e tornam urgente a criação de mecanismos globais coordenados.
Embora a fome continue sendo uma preocupação na América Latina, a região registrou progressos em comparação com outras regiões do mundo. Políticas públicas como programas de transferência de renda e o fortalecimento da agricultura familiar, foram fundamentais para esses avanços. A redução da pobreza extrema com iniciativas como o Bolsa Família no Brasil e a Prospera no México forneceu suporte financeiro às famílias mais vulneráveis, promovendo acesso a alimentos e serviços básicos. Redes de proteção social ampliadas reduziram a insegurança alimentar durante períodos de crise, e programas de compra direta de alimentos produzidos por agricultores locais garantiram tanto renda para produtores quanto alimentos saudáveis para populações vulneráveis.
A Aliança surge como uma iniciativa visionária que reconhece que a solução para a fome global exige mais do que recursos financeiros: demanda solidariedade, cooperação estratégica e o compromisso de construir um futuro sustentável. A carta aberta em apoio à Aliança foi apresentada como um marco político e social, destacando a urgência de um compromisso global para erradicar a fome e reduzir a pobreza em todo o mundo. Assinada por governos, organizações internacionais, lideranças da sociedade civil e movimentos sociais, a carta ressalta a importância da mobilização conjunta de recursos e conhecimentos técnicos para enfrentar as desigualdades estruturais que perpetuam a fome.
Ao propor uma nova governança para o combate à fome, a carta enfatiza a importância de criar parcerias entre nações, organizações e diversos setores da sociedade, promovendo não apenas a assistência financeira, mas também o compartilhamento de boas práticas e tecnologias. Assinada por diversos atores internacionais, incluindo organizações como a FAO e o Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe (CAF), a Aliança enfrentou certa resistência e demora na adesão de alguns países, como os Estados Unidos e a China. Essas dificuldades foram atribuídas, principalmente, a prioridades políticas internas e à necessidade de alinhamento com suas próprias agendas de desenvolvimento. Ainda assim, o lançamento da Aliança marcou uma mudança significativa no discurso global sobre fome e pobreza, sinalizando um compromisso renovado com a cooperação internacional.
Além disso, a inclusão de outros signatários, como governos, organizações multilaterais, instituições financeiras e grupos de pesquisa, reflete a diversidade de apoiadores, fortalecendo a legitimidade e o potencial de impacto da iniciativa. A Aliança busca compartilhar conhecimento técnico, mobilizar recursos e implementar políticas públicas baseadas em evidências, com o objetivo de erradicar a fome e a pobreza, reduzir as desigualdades e contribuir para o desenvolvimento sustentável até 2030.