A decisão sobre a Nova Meta de Financiamento Climático na COP29 marcará o futuro da justiça climática e de equidade no regime climático multilateral

A COP29 em Baku irá determinar o futuro das finanças climáticas no planeta. Enquanto países em desenvolvimento exigem USD 1 trilhão de apoio anual, as tensões aumentam sobre quem deve contribuir e como serão alocados esses recursos. Será que esta cúpula cumprirá a promessa de justiça climática e equidade?

imagem ilustrativa artigo cop

A cúpula global sobre o clima, que é realizada em Baku, no Azerbaijão, foi apelidada de “COP do financiamento climático”, porque sua decisão mais importante deve ser um acordo sobre uma Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG) para o financiamento climático a partir de 2025. Essa meta substituirá a atual meta anual de USD 100 bilhões, totalmente inadequada, estabelecida em 2009. O compromisso da nova meta de fornecer um financiamento climático significativamente maior e qualitativamente melhor servirá como teste para saber se a promessa do Acordo de Paris ainda pode ser alcançada. Todos os países, independentemente das capacidades e responsabilidades diferenciadas, podem agir de forma conjunta e decisiva para alavancar a ambição nas ações climáticas a cada cinco anos para manter o aquecimento global em 1,5 graus Celsius. Em questão na COP29 é nada menos que a manutenção do acordo firmado em Paris em 2015: países desenvolvidos fornecendo apoio financeiro aos países em desenvolvimento em troca de maiores esforços climáticos. E, com isso, o futuro da justiça climática e equidade no regime climático multilateral.

Depois do processo de Global Stocktake (“avaliação global”) do ano passado na COP28 em Dubai, que destacou a insuficiência dos esforços coletivos atuais para o clima, o desfecho da negociação sobre a NCQG em Baku—especialmente na sua quantidade ou escala—irá transmitir uma mensagem forte aos países em desenvolvimento. Muitos desses estão presos num ciclo vicioso de endividamento e pobreza persistente, e afetados por impactos climáticos cada vez mais devastadores. O nível de ambição que eles podem bancar nas suas novas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), à vencer em 2025, dependerá da NCQG. Já aconteceu no passado que muitos dos compromissos climáticos que os países em desenvolvimento apresentaram na primeira etapa de seus planos nacionais de ação climática cinco anos antes eram  condicionantes para obter apoio financeiro adequado, que não vinha da assistência oficial de desenvolvimento (ODA), mas sim de fontes novas e adicionais à ODA, bem como de outros fluxos financeiros oficiais. 

O mandato para estabelecer uma nova meta de financiamento climático “a partir de um piso de USD 100 bilhões por ano, levando em conta as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento” já estava consagrado na decisão que aprovou o Acordo de Paris em 2015. Os esforços para determinar a nova meta foram iniciados na COP26 em Glasgow, para um processo de três anos que combinou em reuniões técnicas de especialistas, permitindo uma ampla contribuição de partes interessadas e observadores (onze realizadas até agora, geograficamente distribuídas), com orientação política por meio de reuniões ministeriais anuais de alto nível. O processo foi intensificado em 2024 com sessões de negociação convocadas de acordo com um programa de trabalho ad hoc, com o objetivo de desenvolver a estrutura e os elementos centrais para um texto de decisão com iterações — incluindo uma nova versão lançada pouco antes da COP29 — que será objeto de negociações acirradas em Baku, se é que o NCQG pode ser acordado.

De fato, as discussões sobre uma nova meta têm sido extremamente controversas, colocando em confronto países desenvolvidos e em desenvolvimento com posições aparentemente irreconciliáveis. Apesar das três sessões de negociação já realizadas este ano, que envolveram vários dias cada, e das versões iterativas de novos textos preliminares em resposta ao feedback dos negociadores, até o momento houve pouca ou nenhuma indicação de como poderia ser uma proposta de transição ou uma concessão. Duas consultas em nível ministerial neste outono, em Nova York e Baku, pouco fizeram para avançar o discurso. Tampouco está claro se um  meio-termo, especialmente para os países em desenvolvimento que têm muito mais para perder, seria desejável caso tal acordo entregasse apenas o mínimo de aceitável às partes.

No centro do discurso controverso e sem solução à vista está não apenas a escala geral da nova meta, mas também os esforços para responder às questões fundamentais de quem deve ser obrigado a contribuir para ela, quem deve receber o dinheiro e para quê. Também está em questão se, ao definir uma nova meta, as lições aprendidas com a meta anual anterior de USD 100 bilhões serão aplicadas para solucionar suas deficiências (como, por exemplo, analisar não apenas a quantidade, mas também a qualidade do financiamento climático fornecido aos países em desenvolvimento, especificamente a facilidade ou dificuldade de acesso ao financiamento ou quão concessional será esse financiamento).

A pressão para expandir a base de contribuintes…

Os países em desenvolvimento consideram a pressão dos países desenvolvidos para expandir a base de contribuintes que devem ser obrigados a contribuir para o NCQG como uma forma de minar o princípio fundamental da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) adotada em 1992. Ela reconhece as responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e as respectivas capacidades (CBDR-RC) dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, asim como a necessidade de equidade, levando em conta a responsabilidade histórica dos países industrializados como principais emissores de gases de efeito estufa sob um entendimento de poluidor-pagador (conforme consagrado nos anexos que listam os países com responsabilidades diferenciadas) e o mandato relacionado sob a Convenção para os países industrializados (23 países listados em seu Anexo II) para apoiar financeiramente os países em desenvolvimento. Eles insistem que os princípios de equidade e CBDR-RC são aplicáveis ao NCQG, pois entendem que o Acordo de Paris está sob a Convenção e, portanto, rejeitam qualquer obrigação dos países ainda listados como países em desenvolvimento sob a Convenção (como a China e outras economias emergentes) de serem obrigados a pagar pelo NCQG.

Os países desenvolvidos, por outro lado, contestam o fato de o Acordo de Paris estar sob a Convenção e vinculado a seus anexos que diferenciam as obrigações dos países. Eles apontam suas próprias dificuldades financeiras e a enorme quantidade de apoio necessário. E argumentam que várias economias emergentes, principalmente a China e os países produtores de combustíveis fósseis na região do Golfo, com seu crescimento em riqueza e acúmulo de emissões agregadas nos últimos 30 anos, deveriam ser obrigados a contribuir para o NCQG. Diversos países desenvolvidos, incluindo o Canadá e a Suíça, propuseram critérios potenciais, como renda per capita ou emissões acumuladas ou per capita, em apresentações técnicas. A Suíça gostaria que outros países, além dos desenvolvidos, que “estão entre os dez maiores emissores atuais e têm uma renda nacional bruta per capita ajustada pela paridade do poder de compra de mais de USD 22.000”, também pagassem. Essa fórmula traria a Rússia, a Arábia Saudita e possivelmente a China para o grupo de contribuintes obrigatórios do financiamento climático. Por outro lado, pesquisas que utilizam critérios diferentes, incluindo a análise das emissões históricas, excluiriam a China e outras economias de mercado emergentes populosas e com alto nível de emissão, argumentando que sua responsabilidade e capacidade financeira per capita continuam muito inferiores às da maioria dos países desenvolvidos, apesar de a China ser a segunda maior economia da atualidade e o maior emissor global anual.

Em vez de desviar a atenção das obrigações contínuas dos países desenvolvidos, a decisão de criar um novo NCQG pode convidar todos os outros países a fazer mais e, no futuro, contabilizar melhor as contribuições dos países dispostos a atender ao chamado. De acordo com o Acordo de Paris, outros países “em posição de fazê-lo” já são incentivados a fornecer financiamento voluntariamente também e, de fato, vários países já o fizeram. Os Emirados Árabes Unidos são um exemplo: eles apoiaram o novo Fundo de Resposta a Perdas e Danos (FRLD). A Coreia do Sul é outro exemplo, pois contribui há muito tempo para as repetidas rodadas de reposição do Fundo Verde para o Clima (GCF). Uma análise recente constatou que, de acordo com algumas medidas, a China, entre 2013 e 2022, forneceu e mobilizou voluntariamente USD 45 bilhões para apoiar ações climáticas em países em desenvolvimento, somando cerca de 6% do total de financiamento climático dos países desenvolvidos no mesmo período.

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Fonte: 10 Things to Know about Climate Finance: NCQG Edition 2024

… com esforços para limitar beneficiários

A pressão dos países desenvolvidos para expandir a base de contribuintes é acompanhada por seus esforços, muitas vezes expressos como pedidos, para tornar o financiamento climático “mais eficaz”, direcionando o apoio financeiro público limitado aos países que eles consideram mais vulneráveis. Isso se concentra nos países menos desenvolvidos (LDCs), nos pequenos Estados insulares em desenvolvimento (SIDS) e nos Estados frágeis e afetados por conflitos. Essa última é uma categorização de países não encontrada na UNFCCC, que reconhece apenas as circunstâncias especiais dos SIDS e LDCs, e é vista com desconfiança por muitos países em desenvolvimento como uma tentativa de dividi-los com a promessa de apoio prioritário ou metas mínimas de alocação. No passado, isso gerou tensões, com o potencial de prejudicar a unidade dos países em desenvolvimento na fase final das negociações do NCQG. Isso seria uma mudança em relação as regras que os países desenvolvidos também usaram no processo de criação do novo fundo de perdas e danos no ano passado. A elegibilidade de todos os países em desenvolvimento para receber apoio financeiro é, obviamente, um princípio fundamental da UNFCCC e do Acordo de Paris.

O significado de um número 

Até o momento, somente os países em desenvolvimento apresentaram um número concreto para a escala do NCQG, que, segundo eles, deve se concentrar no financiamento público fornecido e mobilizado dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Vários grupos de países em desenvolvimento, incluindo os países árabes e o grupo africano, propõem um valor anual entre USD 1 e 1,3 trilhões, aproximadamente dez vezes o valor atual, que ignora tanto as necessidades expressas quanto as cientificamente estabelecidas. Essa escala de apoio público do Norte Global sob o NCQG é apoiada pela sociedade civil, que aponta que a dívida climática real devida aos países do Sul Global é muito maior. Esses pedidos, se o financiamento do valor total começasse em 2025, estariam mais ou menos alinhados com as estimativas de custo de USD 5 a 6,9 trilhões para a implementação das contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) dos países em desenvolvimento até 2030, de acordo com um novo Relatório de Determinação de Necessidades (NDR2) da UNFCCC pelo Comitê Permanente de Finanças (SCF).

As necessidades reais são, sem dúvida, muito maiores, pois o NDR2 reflete apenas as NDCs com custos (apenas cerca de metade das 5.760 necessidades identificadas relatadas por 98 países em desenvolvimento incluem cálculos de custos) e muitas NDCs ainda não refletem adequadamente as ações de adaptação planejadas e os esforços para lidar com perdas e danos, muito menos os valores dos fundos necessários para implementá-las. Em sua avaliação global do progresso na implementação do Acordo de Paris na COP28, os países confirmaram os enormes esforços financeiros necessários para fechar a lacuna crescente entre as necessidades dos países em desenvolvimento e o financiamento fornecido a eles. Para a adaptação, segundo algumas estimativas, são necessários entre USD 215 e 387 bilhões anuais até 2030. O tratamento das perdas e danos crescentes pode custar até USD 671 bilhões por ano até 2030. E para atingir emissões líquidas zero até 2050, cerca de USD 4,3 trilhões por ano precisam ser investidos em energia limpa até 2030, aumentando ainda mais para USD 5 trilhões por ano até 2050.

Os países desenvolvidos reconhecem que é necessário haver um núcleo de provisão financeira pública no NCQG, mas não sabem qual deve ser o tamanho desse núcleo. O argumento deles, fortemente defendido pelos Estados Unidos, é que o financiamento climático na escala necessária só pode ser alcançado se o NCQG for estruturado como uma meta de investimento global em várias camadas. Essa meta não só incluiria todos os investimentos do setor privado em energia limpa ou medidas de resiliência em todo o mundo (cuja esmagadora maioria continua concentrada nos países ricos e em poucas economias de mercado emergentes), mas também todos os esforços domésticos, inclusive aqueles que os países em desenvolvimento já estão promovendo - apesar da ausência de apoio adequado dos países ricos para a adaptação e para lidar com perdas e danos. Isso tornaria a quantidade maior, sem dúvida, mas sem necessariamente aumentar substancialmente a escala de apoio dos países ricos àqueles que mais precisam. A injustiça climática inerente é óbvia: os países em desenvolvimento já estão pagando com a perda de crescimento econômico e de desenvolvimento pelos impactos climáticos para os quais contribuíram significativamente menos do que os países desenvolvidos, que lucraram com o crescimento econômico impulsionado por combustíveis fósseis por até um século a mais. Tomemos como exemplo os 55 países mais vulneráveis ao clima (V20), que calcularam ter perdido USD 525 bilhões, ou um quinto do PIB de seus países, entre 2000 e 2019 devido às mudanças climáticas. Sua população combinada de 1,74 bilhão de pessoas (um quinto da população mundial) é responsável por apenas 4 por cento das emissões globais.

 Esforços têm sido feitos para calcular a dívida climática dos países desenvolvidos para com os países em desenvolvimento, incluindo a compensação pela apropriação da maior parte do orçamento global de carbono restante, se o mundo tentar manter o aquecimento dentro de 1,5 grau Celsius. Um estudo de 2023 mostra que até 2050, o Norte Global deverá USD 192 trilhões em reparações aos países do Sul Global, ou cerca de USD 5 trilhões por ano. 

Esses números contextualizam o pedido real do NCQG aos países em desenvolvimento de cerca de USD 1 trilhão em apoio público anual por parte dos países desenvolvidos, especialmente à luz de um sistema financeiro e econômico global que favorece os países desenvolvidos como,por exemplo, no custo de acesso ao capital ou na capacidade de gerar déficits. Segundo alguns cálculos, a arquitetura econômica global extrai por ano cerca de USD 2 trilhões em fluxos financeiros líquidos do Sul Global para o Norte Global.

O Sexto Relatório de Avaliação do IPCC afirmou que há capital global e liquidez financeira suficientes para atender às lacunas do financiamento climático global, mas o redirecionamento do financiamento para a ação climática e o apoio aos países em desenvolvimento é necessário por uma questão de vontade política e justiça climática. A interrupção dos subsídios aos combustíveis fósseis e o redirecionamento dos gastos militares, que chegaram a USD 2,4 trilhões em 2023, a tributação da extração de combustíveis fósseis com base no princípio do poluidor-pagador por meio de um imposto sobre danos climáticos ou a introdução de um imposto global sobre a riqueza devem ser considerados para gerar o apoio climático novo e adicional necessário sem canibalizar a assistência oficial ao desenvolvimento.

A estrutura e o cronograma também importam

Quanto à estrutura do novo objetivo, os países também discordam sobre se e como incluir financiamento para abordar perdas e danos. Um NCQG baseado em necessidades e ciência, dada a realidade dos impactos crescentes, deve incluí-lo, idealmente como um objetivo secundário e um terceiro pilar temático de financiamento em pé de igualdade com a provisão financeira para mitigação e adaptação. Esta é a visão dos países em desenvolvimento e dos observadores da sociedade civil, cujo forte apelo por tal apoio financeiro resultou na decisão da COP28 que estabeleceu o novo Fundo para Responder a Perdas e Danos (FRLD) como um canal central do mecanismo financeiro da UNFCCC e do Acordo de Paris, estruturalmente equiparado ao GCF e ao Fundo Global do Meio Ambiente (GEF). Os países ricos rejeitam qualquer inclusão de perdas e danos nas obrigações financeiras do NCQG, apontando que o mandato para a provisão financeira no Acordo de Paris, sob o qual o NCQG está sendo negociado, assim como o objetivo existente, exclui o apoio a perdas e danos.

A questão de quão rapidamente a escala do NCQG seria alcançada, se um acordo na COP29 puder ser encontrado, adiciona outra camada. Os países em desenvolvimento querem que o NCQG seja um objetivo de financiamento público fornecido e mobilizado a partir de 2025, enquanto os países desenvolvidos, como os da União Europeia, veem o objetivo de aumentar a partir da base atual até uma quantia alvo no mais cedo até 2035. Isso lembra o objetivo de USD 100 bilhões estabelecido em 2009 que também permitiu um período de escalonamento de mais de 10 anos até ser alcançado em 2020. O antigo objetivo foi definido sem metas para marcos financeiros a serem alcançados ao longo do caminho, limitando a responsabilidade e atrasando sua realização. Isso não deve ser replicado no NCQG.

Quantidade adequada necessita de qualidade

Uma das principais lições aprendidas com a meta existente de USD 100 bilhões é a necessidade de incluir critérios qualitativos em uma determinação do NCQG, e isso requer um entendimento claro do que é contabilizado como financiamento climático e como. Os USD 100 bilhões, por exemplo, foram contabilizados apenas em termos nominais, ou seja, o valor nominal do financiamento fornecido, independentemente de sua concessionalidade e entrega como doações ou empréstimos, com uma parcela significativa de empréstimos a taxas de mercado contabilizados como apoio ao financiamento climático. Assim, os países em desenvolvimento veem as negociações do NCQG como uma oportunidade de destacar a necessidade de uma definição uniformemente aceita de financiamento climático. Embora o Comite Permanente de Finanças (SCF) do regime climático tenha uma definição funcional do que constitui financiamento climático, e a tenha atualizado apenas este ano, ela continua vaga e permite essencialmente uma determinação de baixo para cima, baseada no país fornecedor, que os países desenvolvidos defendem como corolário dos NDCs como planos de ação climática de baixo para cima. Se algum progresso puder ser feito em Baku sobre a questão da definição do financiamento climático, ele provavelmente consistirá em um tipo de lista de exclusão. Isso poderia abranger algumas práticas de financiamento, como a contagem de empréstimos a taxas de mercado ou dinheiro fornecido por meio de agências de crédito especializadas como financiamento climático fornecido, especialmente porque o último é concedido com o único objetivo de solicitar bens e serviços do país que fornece o apoio. Esse tipo de financiamento climático “vinculado” existe atualmente em uma escala surpreendente, segundo alguns relatos investigativos já revelaram.

De acordo com a última avaliação da OCDE sobre o progresso rumo à meta de 100 bilhões, alcançada em 2022 pela primeira vez, cerca de 69% foram empréstimos de concessões variadas, inclusive para uma grande parte das ações de adaptação, que receberam cerca de 28% do financiamento público climático. A maioria dos empréstimos foi concedida por meio de bancos multilaterais de desenvolvimento (em que 90% do financiamento concedido foi na forma de empréstimos), enquanto o apoio de subvenções foi maior em fundos climáticos multilaterais dedicados, como o Fundo de Adaptação ou o GCF (que concedeu a maior parte de seu financiamento na forma de subvenções), enfatizando sua importância para a entrega de financiamento climático altamente concessional, especialmente porque cada vez mais países em desenvolvimento estão enfrentando níveis de dívida insustentáveis.

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Fonte: 10 Things to Know about Climate Finance: NCQG Edition 2024

Como destacado por um relatório do PNUD em 2022, mais da metade dos 54 países em desenvolvimento mais endividados também estão classificados entre os países mais vulneráveis ao clima; e quase todos esses países estão pagando agora quatro vezes mais em pagamento da dívida externa do que tinham que fazerem 2010. Isso prejudica sua capacidade de apoiar a adaptação ou lidar com perdas e danos com recursos domésticos, muito menos atingir metas-chave para o desenvolvimento sustentável e reduzir a pobreza. A concessionalidade do financiamento climático está, portanto, intrinsecamente ligada aos direitos humanos e à responsividade de gênero, uma vez que o fardo tradicional e não remunerado dos cuidados das mulheres é agravado diante dos impactos climáticos cada vez mais graves, especialmente quando a falta de espaço fiscal nos países receptores significa que o fortalecimento dos sistemas de proteção social, tão necessário para construir a resiliência da população, não pode ocorrer. Metas quantitativas para fornecer a maior parte do financiamento na forma de subsídios — e exclusivamente para adaptação e para lidar com perdas e danos — e para aumentar a proporção do financiamento climático fluindo através dos fundos climáticos multilaterais, o mandato que leve em conta a sustentabilidade da dívida na provisão do financiamento climático e um chamado à ação por alívio abrangente da dívida, incluindo cancelamento substancial da dívida por meio de um "jubileu climático", deve, portanto, ser refletido no NCQG. Não basta,ao invés disso, sugerir que permutas dívida-por-clima, que são limitadas, difíceis de negociar e administrar, e menos eficientes que o apoio condicional por subsídios, ou cláusulas contratuais resilientes ao clima, que suspendem temporariamente os pagamentos após desastres climáticos, poderiam fornecer o alívio necessário e espaço fiscal expandido aos países em desenvolvimento.

Aprimorando o acesso e a subsidiariedade

Grande parte dos ganhos de um aumento substancial na quantidade de financiamento climático fornecido e mobilizado será limitada se não for acompanhada pelo aumento e facilitação do acesso ao financiamento climático, incluindo mandatos para que os provedores simplifiquem ou reduzam os requisitos de acesso, como mandatos de cofinanciamento e justificativas abrangentes de dados climáticos e "justificativas climáticas" para o apoio financeiro. Uma referência central para a qualidade aumentada do apoio financeiro climático sob o NCQG será seu compromisso em ampliar e priorizar modalidades de acesso direto para as próprias instituições regionais, nacionais e subnacionais dos países em desenvolvimento. Isso deve incluir a expansão significativa das oportunidades para a tomada de decisões descentralizadas sobre o financiamento climático no nível mais local viável. Aplicar a subsidiariedade como um princípio qualitativo central ao NCQG exigiria aprimorar o acesso direto ao financiamento climático pelas comunidades mais afetadas. Essas pessoas são frequentemente grupos e comunidades marginalizadas, e o financiamento climático deve apoiar abordagens lideradas localmente que correspondam às necessidades e prioridades de mulheres e pessoas de gênero diverso, crianças e jovens, povos indígenas, pessoas com deficiência, migrantes climáticos ou trabalhadores na linha de frente da crise climática, pois são participantes e implementadores cruciais na ação climática.

Criar responsabilidade e transparência ao estabelecer uma meta mínima quantitativa para esse financiamento acessível localmente e descentralizado no NCQG, alcançada anualmente ou como uma progressão ao longo do tempo, e relatórios regulares obrigatórios sobre isso, seria um passo importante. O objetivo existente de USD 100 bilhões não possui tal mandato. Uma meta semelhante poderia ser considerada para rastrear e contabilizar a provisão e o aumento da participação do financiamento responsivo ao gênero. Essas metas técnicas devem ser informadas e guiadas por uma abordagem baseada em direitos humanos e uma estrutura para o NCQG que exija um mecanismo de financiamento para melhorar sua governança e práticas por meio da interação com grupos beneficiários e comunidades como titulares de direitos, e não apenas com bancos e ministérios da fazenda como clientes.

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Fonte: 10 Things to Know about Climate Finance: NCQG Edition 2024

Operacionalização com princípios, não promessas de preâmbulo

Embora haja algum reconhecimento da importância da provisão de financiamento direto para comunidades locais e da responsividade de gênero do financiamento, assim como algum apoio por parte dos países negociadores, ancorar tais elementos qualitativos na decisão do NCQG como compromissos operacionais concretos a serem monitorados e relatados regularmente em um quadro de transparência aprimorado para o NCQG, em vez de apenas como "chamadas à ação" visionárias sem muitos mecanismos de aplicação, será desafiador. Será igualmente instrutivo ver se e onde uma linguagem explícita sobre direitos humanos pode ser inserida em uma decisão do NCQG.

Os direitos humanos, em particular os direitos das pessoas e comunidades mais pobres e vulneráveis que enfrentam o ônus desproporcional da crise climática, assim como os princípios centrais de equidade, justiça climática, responsabilidades comuns mas diferenciadas (CBDR-RC), responsabilidade histórica, direito ao desenvolvimento, transição justa e justiça intergeracional, não podem ser mencionados apenas como contexto ilustrativo ou preâmbulo para o novo objetivo de financiamento climático. Eles devem determinar seus elementos quantitativos e qualitativos e ser consagrados como mandatos operacionais e compromissos com clara responsabilidade e prestação de contas ao longo do texto da decisão. O novo objetivo também deve permitir a revisão e a revisão regular de sua adequação em linha com as necessidades em evolução à luz de novas descobertas científicas e como parte dos esforços do Acordo de Paris para aumentar a ação climática coletiva ao longo do tempo. Somente assim o novo objetivo de financiamento climático estará apto para enfrentar a emergência climática e fornecer um apoio novo, adicional, previsível e adequado às pessoas no Sul Global que é merecido e que lhes é devido.