O que está em jogo na criação do G20 Social e quais são suas propostas?

A criação do G20 Social marca um momento significativo e inovador, na diplomacia e na política global, no contexto das maiores economias do mundo, destacando um esforço notável da presidência brasileira do fórum para democratizar o acesso da sociedade civil no processo de formulação de políticas no âmbito do G20.

g20 social

 

Antes de mais nada, é preciso destacar que o G20 foi criado para discutir políticas econômicas de maneira menos engessada. Essas discussões são feitas pelos presidentes e chefes de Governo de países como Alemanha, França, Estados Unidos, China Índia, Argentina, Indonésia, Arábia Saudita, o Brasil e outros países ricos.

Os ministros de diferentes áreas conectadas aos assuntos econômicos, consultam durante o ano inteiro especialistas em finanças e diplomatas enviados pelos governos, que se reunem para achar soluções para empasses e crises econômicas envolvendo seus países. No fim desse ciclo, os próprios líderes das nações se encontram para discutir o que foi negociado durante o ano e assinar uma declaração conjunta final. 

Nos últimos anos, com a crise climática, o crescimento da desigualdade social e aumento da pressão para que os países ricos resolvam a crise dos refugiados, o G20 parece ter percebido que não se pode resolver os problemas econômicos dos países, nem as demandas dos investidores, com os olhos fechados para essas múltiplas crises globais.

Com isso, foram criadas forças-tarefas para variados temas, como para o clima e para a educação, por exemplo. Mais adiante, foi criado o primeiro grupo de engajamento do G20, o dos trabalhadores, o Labor 20, criado pela presidência da França (a presidência do G20 é rotativa) em 2011. Escutar quem realmente passa por problemas econômicos proporciona uma outra perspectiva. Depois disso, alguns países deram o ponta pé inicial para a participação da sociedade civil no fórum, em diferentes tópicos:

  • Justice 20 (J20) / Justiça: Argentina, em 2018.
  • Ocean 20 (O20) Oceano: Indonésia, em 2020.
  • Civil 20 (C20) / Sociedade Civil: Rússia, em 2013.
  • Parliament 20 / Parlamentares:  Canadá, em 2010.
  • Startup 20: Índia, em 2023.
  • Science 20 (S20) / Ciência: Alemanha, em 2017.
  • Youth 20 (Y20) / Juventude: China, em 2016.

Entretanto, os encontros dos ministros, diplomatas, presidentes e primeiros ministros continuavam acontecendo às portas fechadas. Esses grupos de engajamento enviam um documento final com suas recomendações para os governos e os pontos nem sempre são levados em consideração. A proposta do Governo brasileiro este ano é justamente mudar esse cenário. Abrir um espaço sem precedentes no fórum econômico dos ricos para a sociedade civil apresentar suas demandas. Portanto, o G20 Social está sendo visto como a formalização da sociedade civil no G20.

g20 social

Na cúpula do G20 Social, que acontece entre os dias 14 e 16 novembro, dois dias antes da cúpula dos chefes de Governo do G20, representantes de movimentos sociais, ONGs, membros dos grupos de engajamento e representantes dos líderes de países do G20 se reunirão no Rio de Janeiro. Além disso, já houve, por iniciativa do G20 Social, a participação de representantes da sociedade civil em eventos das trilhas política e financeira durante o ano.

Em recente encontro preparatório da Cúpula Social, realizado na Fundição Progresso, no Rio, Gustavo Westmann, presidente do G20 Social, disse que esse é um momento “histórico” e “especial” na história do G20. “A gente não apenas tá querendo ampliar a base de participação social no G20, mas também a real incidência dessas vozes. Os grupos de engajamento vão participar das reuniões junto com os negociadores, junto aos sherpas e aos deputies de finanças (emissários pessoais dos chefes de Governo para as duas áreas: política e econômica)”, afirmou Gustavo à Fundação Heinrich Böll.

O G20 Social se distingue, além disso, por seu compromisso com a inclusão e a participação ativa de movimentos sociais, que costumam ter menor ou nenhum espaço em negociações internacionais. A presença de representantes de organizações como a Central Única das Favelas (CUFA), o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto ( MTST) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), no painel de abertura juntamente com figuras como o ministro Márcio Macêdo e a ministra Marina Silva, sublinham, na opinião de Westmann, a importância de um diálogo aberto e amplo com a sociedade.

“O que a gente viu é que tem muita gente das periferias, das favelas, de outros movimentos, das juventudes, que querem e precisam se envolver nesse processo. E, por isso, o Governo brasileiro vai além da coordenação dos grupos de engajamento, a ideia é trazer esses novos atores para o debate. Envolvê-los, ouvir as vozes deles. Tudo isso será consolidado na cúpula do G20 Social.”

Gustavo Westmann, presidente do G20 Social.

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva, em sua fala na abertura do evento preparatório, enfatizou a necessidade de romper com a tradição de decisões tomadas por elites desconectadas das realidades locais, propondo que o G20 Social ofereça um espaço no qual as contribuições do povo possam ser avaliadas e incorporadas às políticas globais. “Esse movimento reflete uma crítica ao modelo tradicional, no qual a participação popular é muitas vezes limitada a protestos e manifestações distantes das esferas de decisão”, disse ela.

Eixos temáticos

O encontro, que contou com mais de 2.300 inscritos, dividiu os participantes em grupos de trabalho focados em três eixos principais: combate à fome, mudanças climáticas e transição justa, e reforma da governança global. Esses temas não são meramente tópicos de debate; eles representam áreas críticas nas quais as políticas globais e as práticas locais frequentemente se encontram em conflito.

O eixo do combate à fome, com 340 participantes, abordou questões fundamentais sobre segurança alimentar e o impacto das práticas agrícolas industriais. A discussão incluiu críticas ao uso de agrotóxicos e à influência das transnacionais, destacando a necessidade de uma produção de alimentos mais sustentável e equitativa.

O eixo das mudanças climáticas e transição justa, com 195 participantes, focou em como garantir que a transição para economias de baixo carbono não agrave as desigualdades existentes. A crítica central aqui foi direcionada ao modelo econômico do agronegócio e às práticas de países do Norte Global que intensificam as desigualdades de gênero e raça no Sul Global.

O eixo da reforma da governança global, com 115 participantes, abordou a necessidade de uma governança mais inclusiva e participativa, destacando a importância de trazer as vozes da sociedade civil para o centro das decisões que afetam a todos.

O Valor Humano do Trabalho e a Justiça Social

Um aspecto crucial das discussões foi a centralidade do valor humano do trabalho. Antônio Lisboa, da CUT, abordou como o capital financeiro e as grandes transnacionais têm secundarizado o trabalho digno, e como isso se reflete em questões como a fome e as desigualdades. Lisboa afirmou que “a ideia de que a transição energética deve ser feita por nós e não apenas para nós é um reflexo do desejo de uma abordagem mais justa e equitativa”.

Além disso, o G20 Social propõe uma análise crítica dos modelos econômicos que perpetuam desigualdades e injustiças. As propostas discutidas incluem a necessidade de políticas que promovam a produção de alimentos saudáveis, a redução da influência de agrotóxicos e a criação de um modelo econômico mais sustentável e inclusivo.

O G20 Social se inspira no "Conselhão" criado por Lula em 2003, um espaço de diálogo com a sociedade civil que tem a proposta de auxiliar o governo na criação e análise de políticas públicas. A proposta é que o G20 Social atue de maneira semelhante, mas com uma abrangência global, visando uma maior integração entre os interesses políticos e empresariais e as necessidades das populações mais vulneráveis.

O desafio é garantir que essa participação social realmente se traduza em compromissos efetivos para a implementação de políticas eficazes e justas, e que as vozes de movimentos sociais e ativistas possam impactar as decisões tomadas pelos líderes globais.

O G20 Social representa uma abertura, que pode ser seguida por outros países sedes, para redefinir o papel da sociedade civil junto aos fórum multilateral de governança global. Com seus eixos temáticos focados em fome, clima e governança, e com a inclusão de movimentos sociais e organizações da sociedade civil, o G20 Social pode estabelecer um novo padrão de participação e justiça nas políticas globais.

Acontece que os interesses são diversos e a estrutura econômica global que está sendo construída neste exato momento pelos 20 países mais ricos do mundo demanda esforços de todos os lados. Claramente, há um lado, e o lado historicamente mais beneficiado é o que precisa abrir mão de privilégios para isso.

A Governança participativa é o futuro?

O sucesso desse esforço dependerá da capacidade conjunta dos países participantes do fórum dos 20 de transformar as discussões em ações concretas e de garantir que as contribuições dos cidadãos sejam devidamente integradas nas políticas globais.

O desafio está lançado, e a expectativa é que o G20 Social se torne um modelo de como a inclusão e a participação podem contribuir para moldar um futuro mais justo e sustentável. Mas, por conta do caráter não vinculativo do G20, é possível que essa iniciativa do Brasil não seja levada adiante por outros países, a decisão depende de quem vai estar no comando dos próximos países que assumirão a presidência do grupo. Em 2026, é a vez da África do Sul.