Comercialização e distribuição agroecológica: do campo à mesa

Um dos maiores desafios da agroecologia é a dificuldade técnica e material para que os alimentos produzidos no campo cheguem a outros consumidores. Para resolver essa situação, foram criadas redes alternativas de distribuição, circuitos solidários, mercados, feiras e outras soluções como as comunidades que sustentam a agricultura.

Comercialização

Os acordos de livre comércio, as políticas   que sustentam o sistema agroindustrial geraram, entre outras coisas, a necessidade de excessiva intermediação para produzir, transportar e comercializar alimentos. Antigamente, era comum os intercâmbios ocorrerem em circuitos curtos e feiras agropecuárias inter-regionais, o que permitia que produtores e consumidores tivessem um encontro que gerava vínculos, para além da transação em si. A agroecologia busca recuperar essas relações comerciais mais estreitas, e criar canais para que as comunidades possam comercializar seus excedentes a preços justos e com tratamento digno, melhorando assim suas condições de vida.

No Brasil, existe desde 1998 a Rede Ecovida, uma organização descentralizada que ao longo dos anos estendeu suas raízes para mais de 27 núcleos regionais em 352 municípios, associando 340 grupos de agricultores (envolvendo cerca de 4,5 mil famílias) e 20 ONGs em mais de 120 feiras agroecológicas e outros espaços de comercialização.

Também no Brasil, crescem as experiências que aproximam agricultores familiares e consumidores por meio de um mecanismo conhecido como Agricultura de Responsabilidade Compartilhada ou “Comunidades que Sustentam a Agricultura”. Na cidade de Florianópolis, por exemplo, existem as Células de Consumidores Responsáveis, um grupo de compra e venda em que os consumidores pagam uma assinatura para financiar as safras do ano e, em troca, recebem alimentos a cada semana. Dessa forma, o consumidor assume os riscos junto com o produtor, para que este não precise se preocupar com o investimento, mas com a produção e a colheita.

Gráfico 1 - Mercados diversificados como estratégia para o campo

Esses circuitos ocorrem entre produtores do campo e consumidores da cidade, mas também se realizam entre agricultores. É o caso da organização de cacaueiros Orgânicos de Chontalpa, em Tabasco, México, formada por 642 produtores com propriedade média de 1,7 hectares de terra, que há 15 anos preserva o consumo local de cacau e a riqueza biocultural. Um de seus porta-vozes afirma: “Primeiro precisamos garantir que tenhamos o cacau para o consumo na região: nós o consumimos todos os dias na forma de pozol[1], que nos dá energia para trabalhar. Os primeiros interessados ​​em tê-lo somos nós, depois o compartilhamos com o mercado”.

O excedente, então, vai para as cidades. Nelas, as práticas de distribuição que deram os melhores resultados são os mercados e as feiras de agricultores. Nesses espaços participam produtores urbanos, periurbanos e processadores de alimentos. Em Lima, Peru, existem 20 feiras apoiadas pela RED-PRAUSA (formada por mulheres de áreas periurbanas), a associação COSANACA (formada por agricultores urbanos) e a associação Monticelo. Os habitantes daquele país têm uma forte ligação com a sua gastronomia, sendo comuns as alianças entre chefs e agricultores. Um exemplo disso é a feira gastronômica MISTURA, que alimenta cerca de 30 mil pessoas a cada ano e conscientiza sobre a qualidade dos produtos advindos do campo. Ali, trabalham 350 produtores de todas as regiões do Peru, e a cada ano participam mais de 50 restaurantes, 70 carrinhos de alimentos e cerca de 16 cozinhas rústicas, além de cozinhas regionais.

 Outro bom exemplo dessas sinergias comerciais são os mercados locais no Uruguai. O de Atlântida, em Canelones, surgiu de um projeto da Comissão Nacional de Fomento Rural, da Rede Agroecologia, da associação Slow Food e da Comissão de Moradores da Estação Atlântida, com o objetivo de vender e comprar produtos agroecológicos de forma direta. Na Argentina, por sua vez, em uma pesquisa colaborativa organizada pela Rede Inter-regional de Nós de Consumo Agroecológico, foram registrados cerca de 30 municípios agroecológicos, 21 nós de consumo, 125 feiras, mais de 300 hortas com venda direta e 15 propriedades de compostagem comunitária. Essas iniciativas se somam às realizadas por organizações camponesas e de pequenos produtores como a Federação Rural pela Produção e Arraigo, a União de Trabalhadores e Trabalhadoras da Terra ou o Movimento Nacional Camponês Indígena – Via Campesina, que promovem diferentes estratégias de comercialização de sua produção agroecológica, como canais curtos de comercialização, armazéns, mercados e feiras em todo o país.

Gráfico 2 - Mercados locais alternativos

Na América Central, as práticas de distribuição também são diversas. Em Honduras existem organizações como a Rede Latino-Americana de Comercialização Comunitária (RELACC); na Nicarágua existe a Rede Nicaraguense de Comércio; e na Costa Rica há uma extensa rede de lojas e feiras de produtos orgânicos e agroecológicos, além de vendas porta a porta que foram intensificadas pela quarentena, durante a pandemia.

Os circuitos de comercialização agroecológica também servem para que as mulheres rurais possam gerar dinheiro com seus empreendimentos e encontrar horizontes diferentes do trabalho não remunerado em casas ou quintais. Em Antioquia, Colômbia, na década de 1990, surgiram organizações de mulheres camponesas que criaram mercados para oferecer seus produtos. Entre elas encontra-se a Associação de Mulheres de Caramanta, a Associação de Mulheres Organizadas de Yolombó e a Associação Sub-regional de Mulheres do Sudoeste (ASUBMUS). Esta última foi fundada em 2008 e integra cerca de 300 mulheres de organizações de 14 municípios desta região de Antioquia. A força dessas redes é a prova de que os mercados não servem apenas para trocas comerciais, mas também para o compartilhamento de experiências e o fortalecimento dos movimentos feministas camponeses, assim como para todos os atores rurais.

Para facilitar a distribuição agroecológica, as organizações de agricultores da América Latina promovem o fortalecimento das redes pelas quais os alimentos circulam.

Enquanto o agronegócio compra dos agricultores – em muitos casos - a preços irrisórios, monopolizando a intermediação e reduzindo os alimentos à condição de mercadoria, a agroecologia propõe a massificação de produtos agroecológicos a preços acessíveis em mercados populares e justos para as agricultoras e agricultores, por meio de mecanismos diretos que articulam setores populares do campo e da cidade.

 

Fontes:

Érika Ramírez (2020). “Campo mexicano, atrapado entre el coyotaje agrícola y el transportista”. Contralínea.

Evelia Oble Vergara (2015). “Proceso de corte y comercialización de la naranja en el norte de Veracruz, México”. Ecodigma año 11.

Células de Consumidores Responsáveis (CCR)

Alberto Gómez Perazzoli et al (2018). Abastecimento alimentar redes alternativas e mercados institucionais. (orgs.). Chapecó: UFFS; Cabo Verde: UNICV [p. 288].

Mariana Castillo (2019). “Producción de cacao en la Chontalpa”. El Universal.

Clara Craviotti y Paula Palacios (2013). “La diversificación de los mercados como estrategia de la agricultura familiar”. Revista de Econo- mia e Sociologia Rural vol. 51 [pp. s063–s078].

P. 31. Fernando Alvarado et al. (2015). “Perú: Historia del movimiento agroecológico 1980-2015”. Agroecología vol. 10, n.° 2 [pp. 77-84].

Gobierno de Canelones (2020). Soberanía, ciudadanía e identidad. Relato de la gestión de la Agencia de Desarrollo Rural de la Intendencia de Canelones 2015-2020 [p. 101].

“Las rutas sanas del alimento”. Red Interregional de Nodos de Consumo Agroecológico.

Delphine Prunier et al. (eds.) (2020). Justicia y soberanía alimentaria en las Américas: desigualdades, alimentación y agricultura. Ciudad de México: Universidad Nacional Autónoma de México, École Urbaine de Lyon y Fundación Heinrich Böll.

Red de Mercados Agroecológicos Campesi- nos del Valle del Cauca – REDMAC.

 

[1] Bebida espessa e nutritiva preparada à base de cacau e milho, consumida especialmente no sul do México, nos estados de Tabasco e Chiapas, onde a bebida é tradicional e original.