Ativismo político evangélico conservador e de direita: panorama recente

Evangélicos e católicos fazem manifestação a favor da liberdade religiosa, 2013.

O ativismo político evangélico conservador e de direita, que é hegemônico no Brasil e encabeçado por pentecostais, dispõe de formidável suporte institucional, capilaridade social, recursos materiais e humanos, meios de comunicação de massa, redes sociais e até de partidos. É multipartidário e clivado de divisões internas, conta com vasta e crescente base parlamentar, além de reconhecimento e receptividade das instituições políticas. Apoia-se em crenças no dualismo, que opõe deus e diabo, bem e mal, igreja e mundo, cristãos e ímpios, e na existência de valores morais absolutos que, a seu ver, estão sob ameaça e precisam ser defendidos. Seus expoentes tendem a encarar o ativismo político simultaneamente como atividade secular e como missão religiosa. Missão na qual se creem, frequentemente, engajados numa guerra espiritual contra potestades do mal, que, a seu ver, atuariam na cultura, na sociedade, na política e no Estado por meio de inimigos do Evangelho, entre os quais incluem o PT e os governos petistas.

Desde a Constituinte, o ativismo político evangélico conservador caracteriza-se pelo anticomunismo, direitismo político-partidário, fisiologismo, antipluralismo, antifeminismo e oposição aos pleitos LGBTs. Se por muito tempo defendeu o princípio da laicidade, passou a tratá-lo e desqualificá-lo como laicismo, ideologia esquerdóide avessa à religiosidade e às religiões do povo brasileiro majoritariamente cristão.

O ativismo político pentecostal, de um lado, reage ao que considera ameaças secularistas e a seus valores, representadas por pluralização sociocultural, avanço de movimentos feministas e LGBTs, políticas e decisões judiciais na área de direitos humanos, sexuais e reprodutivos, ativismo judicial, discriminação midiática e estatal. De outro, visa conquistar hegemonia cultural, social e política, por meio de expansão religiosa e da ocupação evangélica do Parlamento, do Judiciário, do governo, das mídias sociais, em defesa da “maioria cristã”, de seus pleitos e interesses institucionais.

À medida que católicos e evangélicos conservadores intensificaram o engajamento em disputas sobre aborto, sexualidade, arranjos familiares, Direitos Humanos, direitos sexuais e reprodutivos, políticas educacionais e de saúde, seus conflitos com governos e deputados petistas, bem como com feministas, LGBTs, defensores da laicidade e dos Direitos Humanos, se acirraram cada vez mais. Por uma década, a bancada evangélica combateu o PLC 122/2006, que visava criminalizar a homofobia. Entre 2006 e 2009, opôs-se à concordata católica negociada pelo governo Lula e, após aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada em fevereiro de 2010, criando o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Líderes e parlamentares evangélicos interpretaram a concordata como desrespeito à laicidade do Estado ou tratamento estatal privilegiado à Igreja Católica promovido pelo governo petista. Em reação, propuseram a Lei Geral das Religiões. Em 2009, atacaram o III Programa Nacional de Direitos Humanos. Em 2011, acusaram o Projeto Escola sem Homofobia de sexualizar e erotizar crianças.

Os conflitos se radicalizaram a partir do primeiro mandato de Dilma, o que reforçou a inclinação evangélica à direita e sua aversão e oposição à esquerda. Em 2013, o deputado federal Marco Feliciano (então PSC/SP) assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, para defender, segundo ele, “os verdadeiros Direitos Humanos”. A oposição petista a Feliciano e seus “irmãos” deteriorou de vez a relação entre evangélicos e o governo Dilma.

Em 2014, deputados evangélicos lutaram para vetar a inclusão da igualdade de gênero e de orientação sexual no Plano Nacional de Educação. Mobilizaram-se em defesa do Projeto de Lei Escola sem Partido, que visava instituir na Lei de Diretrizes e Bases da Educação a precedência dos “valores de ordem familiar” sobre o ensino escolar “relativo à educação moral, sexual e religiosa”, e desataram a acusar governos e políticas educacionais petistas, educadores e instituições de ensino de doutrinação ideológica, ou de difundir o “marxismo cultural” e a “ideologia de gênero”, para discriminar e perseguir cristãos, destruir a família e deturpar a moralidade sexual de crianças e adolescentes. A partir de 2015, com a Câmara Federal sob o comando de Eduardo Cunha (PMDB/RJ), investiram, em aliança com católicos, nos projetos de lei do Estatuto do Nascituro, que prega a “vida desde a concepção” e veta o aborto em qualquer circunstância, e Estatuto da Família, que restringe a família à união entre homem e mulher e proíbe a adoção de crianças por casais de mesmo sexo. Em 2016, em nome de Deus, da igreja e da família, votaram em peso a favor do impeachment. Em seguida, apoiaram e integraram o governo Temer, período no qual encamparam discursos de corte neoliberal, em prol da redução do tamanho e da intervenção do Estado, da terceirização da mão de obra estatal, da meritocracia.

No segundo turno da eleição presidencial de 2018, na esteira da recessão econômica, da Operação Lava-Jato, da explosão do antipetismo e do fiasco da candidatura do PSDB, lideranças evangélicas apoiaram, majoritariamente, a candidatura de Bolsonaro contra o candidato petista. Para tanto, acionaram doutrinas de guerra espiritual mescladas com conspiracionismo,  fake news e farta desinformação. No governo Bolsonaro, ocuparam os ministérios  da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, da Casa Civil, da Justiça, da Educação, do Turismo, a Advocacia Geral da União (AGU) e a Secretaria Geral da Presidência.

Na linha de frente do extremismo bolsonarista, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos desmantelou comissões e conselhos, bloqueou políticas de combate à homofobia, ao racismo e à violência contra transgêneros, etc. Durante a pandemia de Covid, em julho de 2020, o governo, a pedido da ministra Damares Alves, vetou, inclusive, a obrigatoriedade de o governo entregar água potável e leitos de UTI a povos indígenas. Ao lado de Ernesto Araújo, então ministro das Relações Exteriores, Damares articulou-se com entidades transnacionais católicas e evangélicas ultraconservadoras. Com apoio de parlamentares da bancada evangélica, facilitaram a atuação do Capitol Ministries no Congresso Nacional. Na política externa, o governo Bolsonaro afastou-se de organizações multilaterais, aliou-se a ideólogos, ditadores e líderes de extrema direita, engajou-se numa cruzada em defesa de valores cristãos e do cristianismo e, após a derrota de Trump, passou a liderar o Consenso de Genebra, que reúne três dezenas de países contra aborto, direitos de mulheres e LGBTs e políticas de gênero.

Sites, celebridades, influencers e coachings evangélicos de direita, assim como armas, homeschooling e sionismo cristão ganharam espaço nesse meio religioso. Em reação à aliança evangélica com Bolsonaro, formaram-se coletivos evangélicos feministas, antirracistas, ecológicos, de defesa do Estado de direito, dos LGBTs etc.

Em defesa da liberdade religiosa, pastores pleitearam retirar igrejas e cultos das restrições sanitárias durante a pandemia, proposta apoiada pelo pastor André Mendonça na AGU, que foi promovido ao Supremo Tribunal Federal (STF). Junto com Bolsonaro, participaram de manifestações golpistas e perpetraram ataques ao STF, ao TSE e às urnas eletrônicas. Hostilizavam o STF por ter aprovado a união civil de pessoas de mesmo sexo (2011), o aborto de anencéfalos (2012) e a equiparação da homofobia e da transfobia ao crime de racismo (2019), mas também pelo fato de o Tribunal barrar atos e políticas ilegais e antidemocráticos do governo Bolsonaro.

Na eleição presidencial de 2022, pastores radicalizaram a demonização do candidato petista e de seu partido a ponto de protagonizar casos de assédio, ameaça e exclusão de fiéis eleitores do PT. A campanha pastoral antipetista surtiu efeito: conforme pesquisa do Datafolha às vésperas do segundo turno, Bolsonaro obteve 60,5%% dos votos evangélicos contra 31,5%% de seu adversário no segundo turno.

O ativismo político evangélico de direita impulsionou a polarização política e afetiva e moldou, em parte, o bolsonarismo, que reproduz seus principais apelos e pautas morais antipluralistas. Sua aliança com Bolsonaro e com seu projeto político autoritário radicalizou-os à direita e afrontou princípios basilares do Estado de direito e fragilizou seu compromisso com a democracia.

Ricardo Mariano: Religião, Democracia e a Extrema Direita - Webdossiê Böll Brasil e ISER - Fundação Heinrich Böll Brasil

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