Os insetos povoam o planeta há cerca de 400 milhões de anos. No entanto, o uso dos agrotóxicos vem ameaçando essa existência. No Brasil, maior consumidor desses produtos no mundo, a situação é ainda mais preocupante.
O s insetos desenvolveram, ao longo do tempo, mecanismos de adaptação a todo tipo de situações adversas. Estes mecanismos, que incluem desde alterações de hábitos até mutações genéticas, estão sendo utilizados para enfrentar o uso excessivo de agrotóxicos, e podem trazer consequências indesejáveis para os cultivos agrícolas. Por exemplo, alguns estudos apontam que predadores generalistas, altamente eficientes no controle de lagartas (como o Doru Luteites), passam a se alimentar de larvas de Joaninhas (como a Cycloneda sanguinea), inseto útil no controle de pulgões.
No Brasil, os inseticidas propriamente ditos correspondem a cerca de 25% das despesas com agrotóxicos, mas isso não significa que o impacto sobre os insetos se restrinja a esses produtos. Os herbicidas, produtos de uso mais amplo, afetam direta e indiretamente as populações de insetos, através de sua participação na homogeneização de paisagens e na contaminação dos solos e águas. Muitos estudos relacionam o Glifosato, o 2,4D e o Paraquat, mesmo que em doses subletais, ao desaparecimento de colmeias.
Mais grave é o fato de que adaptações e mutações genéticas estão levando à emergência de insetos mais resistentes, de mais difícil controle, imunes aos agrotóxicos de uso mais frequente. Entre os casos típicos, temos as lagartas do milho e da soja, o bicudo-do-algodoeiro e tantos outros. Este processo, aliado à dificuldade (e ao custo) para obtenção de novas moléculas, menos perigosas, vem ampliando o uso de agrotóxicos antigos, perigosos, como indica o fato de serem proibidos, há décadas, na União Europeia. Com isso, acelera-se o comprometimento da fertilidade do solo, da qualidade da água, e do fornecimento de serviços ecossistêmicos essenciais para a saúde humana e animal.
O Homo sapiens, que surgiu no planeta há uns 350 mil anos, é o principal responsável e tende a ser mais afetado. Nosso antecessor mais antigo, o Homo erectus (o primeiro de nós a caminhar em pé), surgiu há tão somente uns 2 milhões de anos e se mostrou pouco adaptável às mudanças ambientais bruscas.
Tal fato deveria ser suficiente para sugerir que o uso de agrotóxicos levará antes à extinção dos humanos que ao extermínio dos insetos. Basta refletir sobre a ineficácia com que há cem anos a humanidade tenta eliminar os mosquitos. Ou constatar a associação direta entre o uso de agrotóxicos e o surgimento de problemas para a saúde humana, tão frequente hoje quanto raros há cinquenta anos, como nos casos de oncologia infantil.
O uso de agrotóxicos na América Latina está, entre outros fatores, relacionado ao seu papel na geopolítica internacional. Exportador de matérias-primas de baixo valor agregado, contando com abundância de água e terras férteis, o Brasil se tornou um dos principais destinos de pesticidas de uso proibido em outras regiões do planeta. Essas circunstâncias explicam o fato de que aqui se utilize, extraoficialmente, cerca de 1 bilhão de litros de agrotóxicos/ano. Como ilustração, considere-se que entre os anos de 2019 e 2021 durante o governo de Jair Bolsonaro houve o registro de 1.300 agrotóxicos “novos” adicionados ao portfólio pré-existente utilizado no país.
Os danos ambientais se agravaram em função de articulação entre restrições do mercado internacional que levam à queda nos preços de alguns agrotóxicos, que então são deslocados para uso no Brasil. Assim, a ruptura de ciclos biológicos, que elimina serviços ecossistêmicos realizados pelos insetos, pode se explicar em função de interesses de curtíssimo prazo, impulsionados pela participação do agronegócio no Produto Interno Bruto Nacional.
Entre 2006 e 2017, enquanto a área cultivada cresceu 26% no Brasil, as vendas de agrotóxicos mais do que dobraram (saltaram, em números “oficiais”, de 204,1 mil toneladas para 541,8 mil toneladas). Em consequência, sabe-se hoje que pelo menos 23% das amostras de alimentos da dieta básica nacional estariam contaminadas (de acordo com o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos – PARA) e que um em cada quatro municípios brasileiros oferece à população água com pelo menos 27 tipos de agrotóxicos.
Sendo essa a realidade enfrentada pelas populações urbanas, seguramente o “ecocídio” entre os insetos está além de nossa compreensão e merece, portanto, atenção da sociedade civil, acadêmica e dos fazedores de políticas públicas.
Sabidamente a abundância e diversidade de insetos é responsável pela regulação e suporte de serviços ecossistêmicos, tais como o controle biológico, a polinização e a ciclagem de nutrientes, indispensáveis à fertilidade do solo e à vida no planeta. Tratando-se de elemento fundamental a qualquer perspectiva responsável de longo prazo, exige atenção especial e reclama medidas urgentes, protetivas aos ecossistemas.
Infelizmente avançamos no sentido oposto, com ampliação no uso de agrotóxicos de toxicidade crescente, ainda que se saiba que estes não reduzem a presença nem a densidade de artrópodes indesejáveis em locais onde estão presentes seus inimigos naturais. Ao contrário, ao afetar especialmente consumidores secundários e terciários (predadores dos insetos que se alimentam de plantas), os agrotóxicos tendem a minimizar o potencial de controle biológico.
Há registros de que os chineses já se aproveitavam do controle biológico há milhares de anos, combatendo lagartas e besouros pela inserção de ninhos de formigas no cultivo de citros. Também na China, após identificada a mortalidade de larvas do bicho-da-seda por Beauveria bassiana, esse fungo passou a ser utilizado para o controle de outras lagartas. Atualmente, diversas espécies de organismos são utilizados no controle biológico de pragas agrícolas, como aplicações de Bacillus thurigiensis, dispersão de vespas parasitoides (ex. Cotesia flavipes e Trichogramma galloi) e insetos generalistas como o Doru Luteipes (tesourinha), entre outros.
Dentre as vantagens da utilização do controle biológico, está o fato de que ele não leva ao desenvolvimento de resistência, nas pragas, como acontece com os agrotóxicos de síntese química. No Brasil, os principais casos de resistência aos agrotóxicos podem ser ilustrados pela dificuldade de controle do caruncho-do-milho (Sitophilus zeamais), da lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda), do bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), da lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis), da vaquinha verde-amarela ou larva-alfinete-do-milho (Diabrotica speciosa).