Com ou sem o Acordo de Paris: Trump não terá a última palavra sobre a política de ação climática norte americana

Donald Trump

Apesar do anúncio de Trump e da renúncia de fato ao papel dos Estados Unidos como líder climático global, a administração Trump não pode pretender falar em nome ou restringir as ações de atores climáticos ambiciosos nos Estados Unidos. A boa notícia - e aquela que mantém viva a esperança de que, como um país que atua de maneira responsável para combater a mudança climática, os Estados Unidos, coletivamente, são melhores do que o seu atual líder. Existem outros atores fortes nos EUA, no nível subnacional - estados e cidades – que legislam e lutam por uma ambiciosa política climática.

61 das maiores cidades dos EUA irão adotar os objetivos do Acordo de Paris

Logo após o anúncio de Trump sobre retirar-se do Acordo de Paris, 61 prefeitos representando 36 milhões de norte-americanos fizeram uma declaração conjunta #cities4climate (cidades pelo clima) na qual se comprometem em adotar os objetivos do Acordo de Paris e fortalecer relações ao redor do mundo para proteger o planeta e criar uma economia de energia limpa. Isso está em consonância com o papel crescente dos atores não-estatais, como as cidades, no processo climático, incluindo o grupo de liderança climática do C40, que inclui 90 cidades globais, somando juntas 650 milhões de pessoas e um quarto da economia global. O Conselho C40 é liderado pelo ex-prefeito da cidade de Nova York, Michael Bloomberg, cuja importante filantropia privada apoia a iniciativa e que, além da cidade de Nova York, conta com outras 11 áreas metropolitanas dos EUA. Cerca de 27 cidades, incluindo Atlanta e Chicago, já se comprometeram a produzir toda sua demanda de eletricidade até 2025 a partir de fontes renováveis. Estados como Minnesota, Illinois, Nova York, Califórnia, Washington, Oregon e Nova Inglaterra ao estabelecer seus próprios compromissos de redução de emissões de CO2 já foram significativamente além das metas da NDC dos EUA, estabelecidas no nível federal.

Nos Estados Unidos, como em todo o mundo, a mudança em direção às energias renováveis é irreversível. As energias renováveis estão ficando cada vez mais competitivas e se tornam alternativas de investimento atraentes, já que os custos da geração de energia solar e eólica diminuíram em 80% e 60% respectivamente nos últimos oito anos. Por exemplo, as tecnologias verdes como soluções de armazenamento e veículos elétricos - aliás, onde o antigo amigo de Trump, Elon Musk, vê o futuro econômico da empresa Tesla - estão se tornando mais competitivas em termos de custos e contribuem para fazer um “case” de negócios para investimentos sólidos nas energias limpas.

 

No âmbito estadual, progressos significativos já podem ser observados, inclusive nos estados republicanos tradicionais, como por exemplo, Kansas: enquanto o estado produziu menos de (1%) um por cento de sua energia proveniente de fontes eólicas em 2005, a participação da energia eólica na geração total de energia no estado atinge hoje 30%. Considerando o conjunto do país, hoje, dois terços do total das novas capacidades de eletricidade instaladas nos EUA em 2016 são gerados por energia eólica e solar.

Os empregos perdidos na indústria do carvão não irão retornar

Assim, em muitos níveis, o argumento do presidente Trump de que ele é "a favor de Pittsburgh e não de Paris", e que seu movimento de sair do Acordo protege os empregos americanos, foi completamente desmantelado. A energia renovável e outras tecnologias verdes já criam muitos novos empregos. Com 260 mil pessoas, a indústria solar nos EUA já emprega uma multidão dos 76,572 trabalhadores empregados pela indústria de carvão em 2014, último ano para o qual os dados estão disponíveis. E com uma crescente produção de gás nacional muito mais barata, com ou sem o Acordo de Paris, estes postos de trabalho perdidos de carvão não voltarão - incluindo em Pittsburg - à tradicional cidade do aço no chamado “cinturão de ferrugem” do país, onde a maioria dos empregos hoje em dia está nas indústrias de serviços de saúde e educação e não mais nas indústrias de carvão e aço.

A maioria dos estados norte-americanos não retrocederá em seu compromisso de agir frente às mudanças climáticas, mesmo que o governo federal planeje neste sentido. Esta convicção é clara nas declarações do estado da Califórnia, onde o parlamento estadual, em antecipação ao anúncio do Trump, trabalhou de maneira febril para cimentar sua legislação climática progressista e torná-la "à prova de Trump", isolando a Califórnia de retrocessos ambientais advindos do nível federal. De acordo com o presidente Pro tempore do Senado da Califórnia, Kevin de Leon em entrevista à radio publica nacional ,apenas algumas horas após o anúncio do Trump, a Califórnia duplicará seu esforço para ser um líder climático global, com o objetivo de atingir 100% de energia limpa até 2045. O que parece como uma hipérbole para um estado americano, não é: se a Califórnia fosse um país independente, seria a sexta maior economia do mundo e parte do G7. Para a Califórnia, que criou 500 mil novos empregos de energia limpa nos últimos anos e orgulha-se de ter desvinculado as emissões de carbono do crescimento do PIB, o avanço dos ambiciosos compromissos climáticos é o único caminho para o futuro. E a Califórnia parece estar pronta para trabalhar junto a outros estados dos EUA como Nova Iorque e Washington, em uma "coalizão de boa vontade", desafiando a Casa Branca de Donald Trump nos planos doméstico e internacional.

A maioria dos cidadãos dos EUA apoiam ações climáticas globais

O presidente Trump em seu anúncio televisionado na Casa Branca pode ter recebido o aplauso barato dos presentes e assegurado uma vitória fácil para cumprir uma promessa de campanha aos seus principais eleitores, mas ele não pode contar com o apoio da maioria dos cidadãos dos EUA para esta sua decisão. Pesquisas recentes destacam que cerca de 62% dos americanos em geral apoiam permanecer no Acordo de Paris, incluindo uma maioria de mais de 60% de independentes políticos. E como a “Marcha Popular pelo Clima” ou a “Marcha pela Ciência”, que ocorreu a apenas algumas semanas reunindo mais de 100 mil cidadãos nas ruas em Washington em apoio à ação climática dos EUA demonstrou, as organizações de cidadãos e da sociedade civil não serão silenciadas. Essas organizações estão trabalhando em direção a uma reversão eleitoral sobre a agenda de Trump nas eleições de médio prazo em 2018.

Com estados, cidades e cidadãos dispostos a dobrar e avançar com os compromissos climáticos, a comunidade global ainda pode contar com a disposição de muitos americanos para agir de forma responsável em apoio às ações climáticas globais, mesmo que sua Casa Branca não queira.

“América em primeiro lugar” e perdas (retrocessos) para o financiamento climático

Infelizmente, este ativismo não compensará o fracasso da administração Trump em cumprir sua obrigação internacional de financiamento climático. Mesmo que a declaração sobre deixar o Acordo de Paris seja na realidade uma notícia antiga e sem muita consequência adicional, será difícil ignorar a diminuição do financiamento internacional do clima pela Casa Branca sob a administração Trump. O anúncio da intenção dos EUA de se retirar do Acordo de Paris torna formal o que a administração Trump já havia demonstrado domesticamente com o pedido de orçamento para o ano fiscal de 2018 há algumas semanas atrás: que, sob sua administração, não haveria apoio financeiro dos EUA para os países em desenvolvimento para ajudá-los a realizar suas ambições climáticas – e, com toda a honestidade, o resultado provavelmente teria sido o mesmo, ainda que a administração Trump tivesse decidido permanecer no Acordo de Paris. Ou, como o diretor do Orçamento da Casa Branca, Mulvaney, disse em meados de março com respeito ao  financiamento climático  doméstico e internacional: "Nós não vamos mais gastar dinheiro com isso. Consideramos que é um desperdício de seu dinheiro fazer isso"; comentário feito a respeito do orçamento para a Agência de Proteção Ambiental (EPA). A proposta de Trump é de interromper o financiamento do Plano de Energia Limpa, programas internacionais de mudanças climáticas, pesquisas sobre mudanças climáticas e programas de parceria e outros esforços relacionados. Embora a proposta de orçamento da Casa Branca para o ano fiscal de 2018 provavelmente irá mudar para obter aprovação pelo Congresso dos EUA, é improvável que uma maioria republicana em ambas as casas restitua os compromissos internacionais de financiamento climático.

Haverá uma perda líquida no apoio ao financiamento climático 

Para relembrar, muitos países em desenvolvimento na apresentação de suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) na preparação para a cúpula do clima de Paris indicaram claramente o que eles poderiam alcançar sozinhos através dos seus esforços domésticos e quanto da sua ambição estava condicionada ao apoio internacional e ao financiamento climático por parte dos países desenvolvidos, incluídos aqui os EUA. Por exemplo, apenas para implementar as NDCs dos 48 países em desenvolvimento mais pobres, isso poderia custar  US$93 bilhões por ano, com uma participação significativa proveniente de fontes internacionais. Um país-chave como a Índia calculou todos os seus custos de implementação da NDC, abarcando um total de US$2.5 trilhões ao longo de 15 anos, em um esforço totalmente condicionado ao apoio financeiro internacional. Assim, a recusa dos Estados Unidos no âmbito da administração Trump de cumprir obrigações financeiras sob a Convenção do Clima para o acordo de US$ 100 bilhões por ano até 2020 - a linha de base financeira segundo a qual o apoio ao financiamento do clima deveria ser contratado sob o Acordo de Paris - sem dúvida tem um "efeito de resfriamento" sobre a capacidade das Partes que são países em desenvolvimento de aumentarem seus compromissos de redução de emissões como parte do processo de “avaliação global” (stock take) e revisão das contribuições no âmbito do Acordo de Paris nos próximos anos. E, embora elementos centrais da implementação do Acordo de Paris tais como a redação do livro de regras técnicas possam avançar nos próximos anos sem a participação da administração Trump (presumivelmente até que uma próxima e mais esclarecida administração possa recomprometer os EUA ao Acordo de Paris), haverá uma perda líquida de apoio às finanças climáticas – em especial porque outros países da OCDE não estarão dispostos a compensar o déficit de financiamento dos EUA, aumentando assim suas próprias contribuições financeiras, o que seria necessário. Só se pode esperar que as ações dos EUA não produzam entre os países desenvolvidos outros renegados ao financiamento climático.

Os métodos contábeis das contribuições financeiras utilizados pelos EUA no que diz respeito às ações climáticas em todo o mundo podem ter sido questionados com frequência (como, por exemplo, se os empréstimos e garantias sob uma agência de crédito à exportação dos EUA devem ser contabilizados para o cumprimento das obrigações americanas de financiamento climático); não obstante, agora, a falta destes será sentida de maneira indiscriminada nas negociações internacionais sobre o clima. O orçamento do ano fiscal de 2018 elaborado pela Casa Branca elimina completamente a Iniciativa Global sobre Mudanças Climáticas (GCCI), a qual forneceu, por exemplo, US $ 10 milhões em apoio à UNFCCC e ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) no orçamento do ano passado - uma soma que, embora nominalmente pequena, significa, no entanto, uma redução financeira tremenda para garantir o trabalho em curso de ambos os órgãos. Na trilha de sua campanha eleitoral, Trump já havia prometido cancelar todos os pagamentos dos EUA aos "programas das Nações Unidas sobre mudanças climáticas" e seu orçamento do ano fiscal 2018 zera todo o apoio ao Fundo Verde do Clima (GCF), considerado instrumental para a implementação do Acordo de Paris. Isso foi feito apesar do acordo de contribuição no valor de US$ 3 bilhões assinado pela administração Obama para o GCF e que tornaram os EUA tecnicamente o maior país contribuinte aos US $ 10,3 bilhões totais prometidos ao GCF, dos quais a administração anterior só pode entregar US $ 1 bilhão - incluindo uma transferência de última hora no valor de US $ 500 milhões antes de sua saída. Enquanto o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) continuará a receber dinheiro dos EUA como o único fundo multilateral de meio ambiente no âmbito do orçamento de Trump, as contribuições serão reduzidas em 30% em relação aos níveis do ano fiscal de 2017. A proposta de orçamento de Trump também está reduzindo o apoio americano aos bancos multilaterais de desenvolvimento em um quarto. Estes bancos, por suas próprias contas, são atores importantes no financiamento climático global, que, sozinhos, contribuíram com US $ 25 bilhões em 2015.

No passado, a Overseas Private Investment Corporation (que o orçamento de Trump para 2018 não mais apoia), emitiu US $ 1 bilhão por ano em empréstimos, garantias e seguros para mobilizar investimentos do setor privado em energia renovável. Provavelmente de maneira chocante, todos os outros programas de energia limpa sob a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e sob o Departamento de Estado, uma parte significativa da assistência climática bilateral americana, também foram completamente “desfinanciados”; o apoio às atividades de desenvolvimento sustentável como, por exemplo, biodiversidade ou paisagens sustentáveis foram reduzidas ao ponto de extinção. De acordo com alguns cálculos, o corte relacionado à assistência ao desenvolvimento poderia ser da ordem de US $ 2,9 bilhões para o ano fiscal de 2018.

Se alguém procura alguma notícia esperançosa que saia dos Estados Unidos relacionado ao financiamento do clima, esta diz respeito, na verdade, às ações dos acionistas de empresas de investimento com sede nos Estados Unidos, como a BlackStar ou a Vanguard. Estes estão flexionando seus músculos e exigindo a responsabilidade financeira climática das carteiras de investimento de longo prazo das empresas em que investem. Sua vitória mais recente: a maior empresa de petróleo do mundo, a gigante dos EUA Exxon Mobil – que, aliás, é terreno familiar do secretário de Estado, Rex Tillerson - o qual teria lutado, e perdido, a batalha junto à administração Trump para que os Estados Unidos permanecessem no Acordo de Paris.