Começou hoje e segue até dia 26 de maio a Conferência interssessional da UNFCCC (Convenção - Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), uma das etapas pré COP22, a Conferência das Partes de mudanças climáticas que acontece de 07 a 18 de novembro, em Marrakesh, Marrocos e que será a primeira após o tão falado acordo de Paris. Para entender mais sobre estas negociações e quais são os possíveis desdobramentos para o Brasil, entrevistamos nossa coordenadora do Programa de Justiça Socioambiental, Maureen Santos, que está em Bonn e acompanha esses processos há 9 Anos.
Do que se trata a conferência de Bonn?
Essa negociação é uma interssessional da UNFCCC. Neste ano é a primeira negociação dos órgãos subsidiários da Convenção (SBSTA e SBI) e do grupo ad-hoc (APA) criado pós assinatura do Acordo de Paris e que vai ajudar a preparar a COP 22 (Conferência das Partes), que será realizada em Marrakesh, no Marrocos.
Em abril passado, foi realizada uma cerimônia simbólica nas Nações Unidas em Nova York, para que os países assinassem o acordo. A presidenta Dilma participou da cerimônia e antes de ser afastada encaminhou para o Congresso o processo de ratificação. O Acordo conta até agora com 177 assinaturas e, dentre estas, somente 16 partes o ratificaram. Isso gira em torno de 0,03% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), um valor muito baixo.
Em Bonn, veremos como vão se operacionalizar os pontos principais do acordo de modo a discutir como as Contribuições Nacionalmente Determinadas (INDCs) vão se tornar políticas e investimentos para adaptação e mitigação que dêem conta do que foi comprometido pelos países. Os negociadores como de costume estão usando vários jargões sobre o que pretendem como avanço, do tipo: “a gente quer uma abordagem coerente e balanceada”; “manter o espírito e momentum criado em Paris”. É tudo muito técnico, mas essencialmente político por detrás. Ao avaliar os documentos preparatórios, percebe-se que estão centrados em como os países irão criar estratégias para implementar suas INDCs. Para isso foi criado um grupo de trabalho ad hoc sobre o Acordo de Paris (APA, Ad Hoc Working Group on the Paris Agreement, sigla em inglês). Esse grupo funcionará até 2020 quando o acordo passará a entrar em vigor caso tenha sido ratificado por pelo menos 55 partes que detenham pelo menos 55% das emissões globais de GEE, que é o período para os países irem ratificando.
Qual o status do Acordo de Paris?
O Acordo de Paris é uma tratativa internacional porque ele possui um elemento vinculante: a revisão das contribuições nacionalmente determinadas, as chamadas INDCs. Os países depositaram suas INDCs na Convenção ano passado e no fim das negociações foi assinado o Acordo, que tem o objetivo de limitar o aumento da temperatura global até o limite de 2°C, mas tentando fazer esforços para limitar em 1,5°C. Como eles irão fazer isso? Por meio de um modelo de negociação denominado bottom up, de baixo para cima, cada país informou quanto, como e qual o período do seu corte de emissões. Disso saiu o Acordo de Paris, no qual todas essas INDCs não aparecem como contribuição específica de cada país, mas o conjunto delas é incluído no acordo com uma proposta de revisão das metas. Isto é, em 2025, quando os países deverão estar finalizando o cumprimento de suas metas – visto que eles têm o período de 2020 e 2025 para atingi-las -, eles irão revisá-las para ampliar a chamada ambição. Trata-se de um acordo universal em que todos devem contribuir, mas os países desenvolvidos deveriam contribuir mais, segundo o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas mantidas no Acordo.
Além disso, fazem parte do acordo elementos que não são vinculantes, como a parte de financiamento, mas que não aponta valor concreto, já que os países não se comprometeram com nenhum número. Por outro lado, em paralelo ao acordo, saiu a decisão da COP 21, que no artigo sobre financiamento aponta a necessidade do Fundo Verde contar com pelo menos U$100 bilhões anuais a partir de 2020. Assim no caso da decisão da COP você tem um indicativo, mas que não está assegurado no acordo. Enfim, a negociação em Bonn vai ser para pensar nisso tudo de uma forma mais estruturada.
Como funcionarão as negociações na Conferência de Bonn?
Bonn será composta por três grandes reuniões. Tem a reunião do SBSTA, que é o Órgão Subsidiário de Assessoramento Técnico Científico, tem a reunião do SBI, Órgão Subsidiário de Implementação, e a primeira reunião do grupo Ad Hoc sobre o Acordo de Paris, conforme já falado. Todas essas vão levar, até o final do ano, à COP 22 que agora terá reuniões concomitantes dos dois tratados vinculantes: o segundo período do Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris
Qual é importância da participação do Brasil em Bonn?
O Brasil teve papel significativo em Paris, no ano passado, porque ele ajudou muito nas negociações não só na questão da mediação, mas também tomando posições sobre alguns pontos essenciais para o fechamento do Acordo. No final, o Brasil chegou a ter algumas questões divergentes em relação a alguns países do G-77+China, e até mesmo dos países do BASIC (Brasil, África do Sul, India e China). O Brasil entrou nos últimos dias da negociação no chamado High-Ambition Coalition, grupo criado durante a COP e que tinha por objetivo pressionar para que o texto do acordo fosse aprovado e que tivesse uma ambição maior, isso acabou gerando questões.
Mas nós não sabemos exatamente como será a continuidade da participação brasileira. Até por essas questões profundas e difíceis que estamos vivendo agora no país com o afastamento da presidenta eleita e o início do governo interino. O troca-troca nos ministérios e o que virá do ponto de vista das mudanças na política externa brasileira com o novo ministro José Serra, que não é do corpo diplomático brasileiro, é uma incognita. Isso cria certos questionamentos sobre o quão a política externa do país será impactada por visões de partido e não por uma visão de Estado, característica que o Itamaraty ao longo de sua história quis imprimir. O Itamaraty, desde o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, vem sendo comandado por ministros diplomatas. Quando o Embaixador Celso Amorim assumiu no primeiro governo Lula, foram construídas bases mais voltadas para uma relação de cooperação Sul-Sul, mais próximas dos países não só emergentes, mas também da América Latina. Os primeiros dias do novo ministro já apontaram mudanças.
Em relação a possíveis mudanças da posição brasileira em clima, o que é preocupante com essa nova composição ministerial, é que a posição brasileira na negociação é formada pelo MRE [Ministério das Relações Exteriores], pelo MCTI [Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação], e pelo MMA [Ministério do Meio Ambiente]. A partir de agora temos o senador Sarney Filho no MMA, o senador Serra no MRE e o ex-ministro das cidades Gilberto Kassab, no MCTI, uma configuração bastante preocupante no sentido de que propostas mais voltadas aos interesses do mercado, que não tocam nas questões estruturais do problema das mudanças climáticas nem de uma mudança de modelo de desenvolvimento, poderão ter mais espaço na posição brasileira. Talvez em Bonn tenhamos alguma noção de como ficará essa situação daqui para frente.
Tem mais algum tema de destaque que será discutido em Bonn?
Percebe-se um processo negociador muito voltado para a discussão de ampliação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo [CDM, em inglês] e quais as lições aprendidas com ele que deverão ser consideradas no desenvolvimento do novo mecanismo de carbono da negociação de clima. O CDM é um dos mecanismos de flexibilização do Protocolo de Kyoto que oficializou o mercado de carbono l na Convenção de clima. O CDM junta países desenvolvidos e em desenvolvimento. No Acordo de Paris, no artigo 6, é estabelecido um mecanismo de desenvolvimento sustentável e a negociação aponta que seria o CDM levado de Kyoto para o Acordo de Paris. Mas para isso, alguns países defendem que é preciso refinar o mecanismo e avançar na ampliação do mesmo para o chamado usos da terra e mudanças do uso da terra, que incluiria restauração, reflorestamento e o que a negociação vem chamando de revegetação. Em Bonn a secretaria da convenção irá realizar um side-event [evento paralelo a programação principal e oficial da conferência] sobre “Uma década de CDM: experiências e lições aprendidas rumo ao artigo 6”. O novo mecanismo de desenvolvimento sustentável significa a continuidade do arcabouço criado para o mercado de carbono oficial dentro Convenção, apesar das critícas profundas que não se restringem apenas a discussão da lógica de mercado imperando na Convenção, mas também relativas ao seu mau funcionamento e do tão comentado fracasso deste tipo de instrumento do ponto de vista da contribuição para o enfrentamento das mudanças climáticas e a geração de impactos negativos que ele cria nos territórios e para as populações que nele vivem.
Hakima El Haite, ministra do meio ambiente do Marrocos, sede da COP22, declarou que Conferência destacará o apoio aos países em vulnerabilidade. Quais são esses países e como o Brasil se posicionará?
Os países mais vulneráveis na Convenção são os chamados Países Ilha e os menos desenvolvidos. E, obviamente, quando você tem uma conferência como essa em um país africano, essa dimensão da vulnerabilidade se torna mais latente. Então é importante que se pense de que forma a negociação terá um olhar mais profundo para a discussão de perdas e danos e adaptação. Por outro lado, não tenho certeza se isso ser concretizará. Em Paris, este grupo de países conseguiu manter o status de países menos desenvolvidos no acordo e que, apesar de ser um acordo universal, tentou respeitar o princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Dentro desse princípio existe um termo que é “ suas capacidades respectivas”, no qual fazem parte esses países vulneráveis. Assim, eles conseguiram aprovar um artigo que se refere a estas capacidades. Esses países não precisam ter uma meta ambiciosa, até porque eles têm vulnerabilidades preexistentes e já estão sofrendo com o problema da mudança climática. Nesse sentido, eles terão que preparar planos nacionais para que eles possam definir como irão implementar planos de mitigação e adaptação. Se isso acontecer será positivo, principalmente se a discussão de financiamento andar para que eles possam receber os investimentos necessários. Mas financiamento é um grande problema na negociação, é uma grande vergonha, é um tema-chave desde a criação da Convenção e não sabemos onde está o dinheiro que deve apoiar os países em condição de vulnerabilidade, isso ainda não está na posto na mesa. Alguns países depositaram recursos no Fundo Verde no ano passado, mas ainda assim o valor está bem distante dos U$100 bilhões necessários para o primeiro ano. Pode ser que Marrakesh se aproxime um pouco mais dessa agenda, podendo ser um espaço importante para a discussão de adaptação e combate às vulnerabilidades. Vamos ver.