COP 21: O Comitê de Paris, a movimentação dos países nas negociações e um alerta vermelho para novos mecanismos de mercado

COP 21
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Ministros do Meio Ambiente do Brasil, China, Índia e África do Sul

A segunda semana começou bem agitada e com grande dispersão de atividades por Paris e arredores. No espaço oficial iniciou-se o segmento de Alto Nível, que conta com a participação dos ministros na negociação, inaugurando também o formato proposto pelo Comitê de Paris (ver informe de 07/12). Muitas reuniões e consultas estão ocorrendo ao mesmo tempo, sendo que muitas delas não são divulgadas nas telas de informação com os horários e salas. Por isso, alguns países e segmentos da sociedade civil reclamaram sobre a necessidade de mais transparência.

Para entender melhor o rascunho do acordo de Paris, que possui 27 pontos, elencamos abaixo alguns dos artigos/temas principais e mais polêmicos:

  1. A questão dos Direitos Humanos, direitos dos povos indígenas, Transição Justa, equidade de gênero e empoderamento das mulheres está prevista no preâmbulo. Mas vários movimentos sociais e organizações da sociedade civil, em especial o movimento sindical, dos povos indígenas e nós do grupo Carta de Belém, temos pressionado para que estas questões entrem no artigo 2 do texto, onde se define os objetivos do acordo, e a partir disto seja um tema transversal aos demais artigos. Isso não quer dizer que o acordo será mais justo por isso, até porque qualquer coisa que saia será vazio e de conteúdo muito complicado.

  2. Mitigação, que está no artigo 3 do rascunho, é o tema mais complexo e controverso. São quase seis páginas de artigo com muitas emendas, opções e parênteses. O importante é que está sendo proposto a criação de um novo mecanismo de desenvolvimento sustentável, cuja proposta conjunta foi feita por Brasil e União Européia. Na negociação pré-COP 21 este item estava sendo chamado de MDL+, ou seja, com o fim do Protocolo de Kyoto, como dar continuidade ao arcabouço – ou parte dele – do mecanismo de flexibilização que envolvia os países em desenvolvimento. A proposta brasileira e europeia é um pouco mais branda que a do MDL+, que estava na mesa por se tratar de adesão voluntária das Partes (Estados) e autorizadas por elas e não seria um mecanismo formal de implementação das INDCs submetidas, por ter um quê de adicionalidade. O governo brasileiro diz que o mecanismo seria de cooperação entre as Partes, pra evitar a dupla contabilidade (incluído no item medidas de resposta/response measures) e deverá seguir critérios de integridade ambiental, os princípios da Convenção de clima, além de que os resultados poderiam apoiar os processos de adaptação. Disse que não abrirão a porta para o mecanismo de mercado por se tratar de algo de cooperação entre as Partes. No entanto, ficamos bastante preocupados e alertas com a proposta, cujo documento ainda é bastante abstrato e achamos que é sim uma continuidade de um mecanismo super criticado em Kyoto e que traz para o novo acordo uma nova roupagem para o MDL.

Ainda em mitigação, há o artigo 3 bis, com a proposta de inclusão de um mecanismo de REDD+ no novo acordo, que seria iniciado a partir de 2020. Havia sido aprovado em Varsóvia e fechado o texto em junho deste ano, na reunião do SBSTA, a abordagem deREDD + com pagamentos por resultados. No entanto, existem muitas pressões, como da Coalizão das Florestas Tropicais, entre outros, para reabrir a discussão e transformar o REDD+ em mecanismo (daí vem também o pacote offsetting) e o reconhecimento do uso da terra nesta modalidade. O Grupo Carta de Belém se posicionou categoricamente contra qualquer inclusão de uso da terra e REDD+ como mecanismo no novo acordo.

  1. Adaptação: está no artigo 4 do rascunho e os países têm relativo consenso sobre a necessidade de buscar uma visão de longo prazo (2025) e um objetivo (goal) para adaptação, assim como as INDCs de mitigação apresentaram. A discussão também ficou em torno de incluir ou não a parte de financiamento de adaptação neste artigo, ou só tratar deste tema no artigo 6, sobre financiamento. A negociação sobre adaptação está sendo feita conjuntamente sobre o artigo 5, sobre perdas e danos (loss and damage).

  2. Sobre Perdas e Danos, artigo 5, existe um debate se o Mecanismo de Varsóvia sobre Perdas e Danos criado em 2013 deve entrar ou não no novo acordo. A grande maioria dos países vem defendendo que sim, incluindo no artigo a menção que o mecanismo deve ser financiado pelo Mecanismo Financeiro da Convenção. Esta menção também se encontra no artigo 6.13, já que há uma discussão que perdas e danos não deveria ser incluído como artigo único e sim deslocado para o artigo 4 de adaptação, e a parte sobre financiamento para o 6.13. Com isso, o artigo 5 está todo entre parênteses.

  3. Com relação a Financiamento, art.6, apesar de no rascunho estar previsto que os países do Anexo 1 deveriam ser os provedores, esta é um das grandes divergências entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, e se relaciona com o tema de Diferenciação. Está sendo proposto que o Mecanismo de Financiamento (artigo 11 da UNFCCC) seja composto pelo Fundo Verde do Clima (GCF) e pelo Global Environmental Facility (GEF), e que as ambos os fundos operem junto deste mecanismo. Na semana passada, muitos países africanos criticaram a primeira aprovação de projetos a serem financiados pelo Fundo Verde, especialmente no que diz respeito as dificuldades de acesso ao GCF e a necessidade de destinar recursos à construção de capacidades para poderem acessar o fundo. Estes países querem acesso e construção de capacidades possam entrar nos artigos 6 e no 9, senão só as grandes ONGs internacionais e bancos de investimento públicos e privados que conseguirão acessar o fundo.

Sobre o Comitê de Paris, foram criadas mais algumas facilitações, que no final ficou subdividido em 9 sub-grupos, são eles: 1. Diferenciação, com respeito à mitigação, financiamento e transparência; 2. Suporte e Meios de Implementação; 3. Objetivos de Longo Prazo; 4. Ambição pré-2020, excluindo financiamento; 5. Mercados; 6. Florestas; 7. Medidas de Resposta; 8. Preâmbulo do acordo; 9. Revisão legal, que é um comitê pequeno.

Ontem, foi realizada uma reunião da delegação brasileira em Paris, com a presença da ministra Izabella Teixeira e dos embaixadores Marcondes de Carvalho e André Figueiredo, e praticamente toda a equipe negociadora. Embaixador Figueiredo, que é um negociador histórico do Brasil na Convenção de clima, veio dar grande reforço à equipe negociadora. Ele está facilitando o grupo sobre diferenciação. Na reunião tinham representantes de diversos setores da sociedade de civil, de empresas, parlamentares, e instituições governamentais. A sala estava lotada, com umas 300 pessoas.

Os relatos do Comitê de Paris estão sendo feitos em plenárias diárias ao fim do dia, onde cada facilitador aponta os avanços e até onde os esforços chegaram. Na segunda feira, este novo formato foi criticado por alguns países do bloco Like-Minded Developing Countries on Climate Change (Arábia Saudita, Algéria, Argentina, Bangladesh, Bolívia, China, Cuba, Equador, Egito, El Salvador, India, Jordânia, Iraque, Kwait, Indonésia, Irã, Malásia, Mali, Nicaragua, Paquistão, Sri Lanka, Sudão, Síria, Venezuela e Vietnã). Assim, a presidência francesa acolheu alguns pontos e criou novos sub-grupos com facilitadores, como o caso da ambição pré-2020.

O novo texto do acordo está previsto para sair hoje na parte da tarde.

Ainda ontem, teve uma coletiva de imprensa dos países BASIC, a primeira coletiva desde o início da COP 21. Os/as ministros/as da África do Sul, Brasil, China e Índia reforçaram seu total apoio à presidência francesa e a determinação de ter até a próxima sexta feira um acordo fechado, seguindo os princípios da Convenção.

Apontaram que o respeito à Convenção é fundamental e sobre isso disseram que continuam com posição firme sobre a diferenciação entre os países da Convenção. Afirmaram que a intenção do bloco é continuar em uma positiva construção junto ao G77 e China e que estão tendo flexibilidade para chegar a um acordo. Falaram também da decepção sobre o apoio financeiro dos países desenvolvidos e criticaram o estudo que acabou de ser lançado pela OCDE sobre financiamento do clima, dizendo que falta transparência e informações sobre qual metodologia foi utilizada, reforçando que deveriam utilizar a metodogia prevista na UNFCCC.

E do lado de fora da COP…

Várias atividades da sociedade civil parceira vêm ocorrendo em distintas partes de Paris e arredores. Como foram proibidas manifestações com grande número de pessoas, as atividades ficaram mais restritas a debates, feiras e espaços de convergências. No primeira semana ocorreu o Tribunal dos Direitos da Natureza e Povos, que procurou aplicar a Declaração Universal da Mãe Terra; o Fórum Climático e a Feira de Alternativas em Montreuil.

Na segunda feira, em Paris, começou a Zona de Ação Climatica (ZAC), onde várias oficinas e reuniões vêm sendo feitas. Destaque para as assembléias diárias temáticas das organizações e movimentos sociais no fim do dia. Hoje foi realizada a de Soluções dos Povos e amanhã será dedicada à soberania alimentar. As assembléias também estão discutindo como serão as atividades do sábado, 12 de dezembro, e readequando as propostas construidas anteriormente, que foram proibidas pelo governo francês por meio do estado de emergência.

Em outro local da cidade, foram realizadas atividades da campanha “Desmantling the Architecture of Impunity” e ontem foi realizada uma Assembléia de Convergência de lutas frente a acordos de livre comércio e de investimento e frente ao poder e impunidade das grandes empresas. Os grandes consensos foram no sentido da necessidade de avaliação do que é necessário para construir convergência entre as lutas globais; de que as grandes corporações estão liderando a narrativa hegemônica de como “solucionar os problemas” que enfrentamos globalmente; e de que precisamos fortalecer nossa capacidade de deslegitimar essas narrativas buscando disputar os “territórios mentais” de um público mais amplo.

 

Informe Grupo Carta de Belém – 08/12/2015