Para um mundo sustentável é preciso mudança política e de estilo de vida: entrevista com Reinhard Loske

Reinhard Loske
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Professor Reinhard vem ao Brasil para debates em quatro cidades

Reinhard Loske é professor de Sustentabilidade e Dinâmica de Transformação na Universidade de Witten, da Alemanha, e autor do livro “The Good Society without Growth – A boa sociedade sem crescimento,” ainda sem tradução. Na semana que vem, Loske estará no Brasil para uma série de debates sobre crescimento, decrescimento e novas formas de economia. Segundo o professor, precisamos de um novo modelo que beneficie a geração presente e futura, mas para isso é preciso mudança política e de estilo de vida. Na entrevista abaixo, ele apresenta suas ideias.  

HBS Brasil: Por que o crescimento pode ser um problema para garantir o nosso futuro?

Loske: Hoje, crescimento econômico muitas vezes se baseia no uso insustentável de recursos não-renováveis, na destruição da diversidade biológica e no nível extremamente alto da emissão de gases de efeito estufa. Se os sistemas de crescimento criados pelos humanos corroem as bases naturais e reduz as opções de desenvolvimento para gerações futuras, eles não podem ser duráveis. Além disso, do ponto de vista social, o crescimento somente contribui para um desenvolvimento sustentável se realmente beneficia as pessoas.  Mas, na maioria das vezes, o crescimento torna os ricos mais ricos e os pobres mais pobres.

HBS Brasil: Em um dos seus artigos, o senhor mostra que os cuidados com o meio ambiente na Alemanha aumentaram muito nas últimas quatro décadas com a implementação de leis ambientais e o alcance de metas, como as da separação do lixo. Mas que, por outro lado, proteção ambiental e sustentabilidade não são as mesmas coisas. Você poderia explicar isso melhor?

Loske: Ao olhar para a história da política econômica ocidental você consegue identificar um padrão: sucessos foram alcançados nas áreas de purificação do ar, proteção à água, reciclagem e conservação da natureza. Esses resultados se devem, em sua maioria, às leis rigorosas e às chamadas técnicas de “fim de ciclo” [Ações que ajudam a diminuir o impacto ambiental de determinados resíduos ao dar-lhes tratamento], como filtros, purificadores, conversores catalíticos, usinas de reciclagem e tratamento de águas residuais. Esse tipo de política ambiental, que custa caro, não alterou a estrutura do nosso sistema econômico, apenas tentou reparar os impactos negativos no ar, água, solo e saúde humana. Se quiser dizer assim, nos tornamos mais limpos, mas não mais sustentáveis. O uso de recursos, consumo de energia e terra, e a emissão de gases de efeito estufa permaneceram extremamente altos e ainda precisam ser reduzidos por cinco ou dez vezes. A equação pode parecer paradoxal, mas, ao mesmo tempo que os países ricos são os mais limpos, ele são os menos sustentáveis. Uma loucura.

HBS Brasil: Ainda sobre a sociedade alemã, de acordo com um artigo do The Guardian, os alemães questionam a necessidade de crescimento cada vez mais e estão valorizando fortemente a proteção ao meio ambiente. Por que isto está acontecendo e qual a lição para países como o Brasil?

Loske: Eu hesito em transferir diretamente avanços e experiências de um país para outro. Na Alemanha, a consciência ambiental sempre foi alta. Muito foi conquistado através de protestos da sociedade civil contra a energia nuclear, deflorestação ou incineração de lixo. Nos últimos anos o caráter dos conflitos mudou de uma posição “do contra” para mudança. De “contra energia nuclear” a ”pró-energia renovável”; de “anti-químicos” a “pró-comida orgânica”; de “contra carros” a “pró-mobilidade sustentável”. Muitas dessas transformações oferecem oportunidades para uma economia verde, outras requerem uma mudança cultural, novas práticas sociais e mudanças de estilo de vida. Muitas pessoas querem uma economia reincorporada na sociedade e na natureza e reprovam a “ditadura” do crescimento econômico. Outro aspecto: fenômenos como a denominada Síndrome de Burnout aumentam de forma extrema e indicam que os esforços de sempre ganhar mais e mais têm custos sociais e deixam as pessoas infelizes. Esse é o terreno na qual ideias de modelos novos de economia florescem.

HBS Brasil: O pensamento desenvolvimentista é bastante forte no Brasil, tanto no pensamento político da direita quanto no da esquerda. Nos últimos anos o aumento do poder de consumo dos brasileiros foi fortemente celebrado pelo governo. Neste contexto, como fazer com que as pessoas comecem a pensar que crescimento pode ser um problema para garantir o nosso futuro?

Loske: Para grupos de baixa renda, dadas as circunstâncias sociais, maior poder aquisitivo significa um aumento no nível de vida durante um tempo. Nesse sentido, o combate à pobreza é visto pela classe política como um imperativo ao crescimento. Não me arrisco a duvidar disso sob a perspectiva de países industrializados. Porém, três pontos devem ser levados em consideração. Primeiro: o modelo de crescimento econômico não é sustentável no presente e não poderá ser mantido no futuro. Se a base natural se desgasta, o problema é principalmente dos grupos da sociedade dependentes dos recursos naturais. Segundo: existem alternativas ao modelo tradicional de crescimento econômico que precisam ser desenvolvidas: da tecnologia verde a modelos de bens comuns; do compartilhamento de bens e serviços a estratégias de suficiência; de economias corporativas a produção de subsistência. Terceiro: a questão da distribuição não pode ser resolvida apenas através do crescimento. A classe global dos consumidores não está somente na América do Norte, Europa, Japão e Austrália, mas também na China, Índia e no Brasil. Tributação justa e redistribuição de renda de cima para baixo estão presentes em muitas agendas.

HBS Brasil: Couch surfing, crowdfunding, car sharing são exemplos de atividades que estão ganhando espaço na sociedade e que tem potencial para um desenvolvimento sustentável. Mas como fazer com que elas passem de um nicho para um espaço relevante na economia?

Loske: Compartilhar carros, máquinas, aparelhos, prédios, roupas, quintais ou comida têm um potencial teórico enorme de economizar recursos e proteger o meio ambiente. Isso está acontecendo no mundo inteiro. Muitas vezes essas inovações sociais começam dentro de um nicho e se expandem lentamente até se tornarem populares. A motivação por trás dessas atividades é geralmente de cunho altruísta, mas o que estamos observando é que algumas delas se tornam casos interessantes de negócios. É só olhar a velocidade com que Uber [serviço comunitário de caronas remuneradas, via aplicativo de celular] e Airbnb [rede social de anúncios de quartos e imóveis para hospedagem] estão crescendo atualmente. Precisamos de um quadro político que estimule o compartilhamento, mas que ao mesmo tempo assegure que não haja a aquisição desses serviços por empresas norte-americanas gigantes da Internet com fins puramente lucrativos.

HBS Brasil: Compartilhar e utilizar coletivamente os bens, aumentar a duração da vida útil dos produtos, aprimorar a possibilidade de reparo dos bens e reintegrar produção e consumo trariam a tendência de regionalizar as estruturas de produção e consumo. Qual é a importância disso e como isso seria possível no mundo globalizado?  

Loske: Vejo uma importância grande neles, porém, é preciso fazer uma ressalva: se considerarmos essas abordagens como estratégias completamente individuais no sentido de “mude sua vida” elas provavelmente não terão um impacto quantitativo relevante no meio ambiente. Precisamos de nichos e pioneirismo para essas inovações sociais, mas também de ações políticas para apoiá-las e divulgá-las. As alternativas de “mudança de estilo de vida” versus “mudança política”, como algumas vezes é defendida por ativistas “decrescimentistas” europeus, não resolvem nada sozinhas. Precisamos dos dois.

HBS Brasil: Muitos defendem que as inovações técnicas são chaves para a transformação necessária para o desenvolvimento sustentável. O que o senhor pensa sobre isso?  

Loske:Tecnologias sustentáveis e inovações são muito importantes. Porém, reduzir todo o debate sobre sustentabilidade a um debate sobre tecnologia seria um erro grave. A tecnologia faz parte da resposta, mas não é a resposta. O mais importante é um novo modelo de riqueza que beneficia a geração presente e futura.  

Tradução: Anna-Lena Weigel, Manoela Vianna, Naiara Azevedo

Reinhard Loske iniciará a série de debates no Rio de Janeiro no dia 24 de fevereiro, depois segue para Brasília (25), São Paulo (27) e São Bernardo do Campo (27). O professor participará de debates, promovidos pela Fundação e parceiros, com outros pesquisadores em eventos abertos com limitações de número de vagas em algumas cidades. Saiba todos os detalhes aqui.

Leia na íntegra um ensaio do professor sobre o tema.