As emissões resultantes da combustão de carvão, óleo e gás estão provocando o aquecimento do nosso planeta a uma velocidade tão rápida que parece quase inevitável a ocorrência de condições climáticas cada vez mais voláteis e perigosas. É claramente necessário reduzir rapidamente as emissões, desenvolvendo simultaneamente fontes de energia alternativas que nos permitam deixar os combustíveis fósseis no solo.
Este imperativo é chocante de tão simples. No entanto, nas últimas décadas as alterações climáticas têm sido objeto de tal inércia política, informações falsas e ilusões, que continuamos a ver soluções ineficazes ou impossíveis, em vez de um esforço para atacar a raiz do problema. Estas "soluções" baseiam-se frequentemente em novas tecnologias inexistentes ou de risco.
Esta abordagem é grandemente vantajosa, pois não ameaça o figurino habitual nem a ortodoxia socioeconômica. Porém, os modelos climáticos que dependem de tecnologias vagas enfraquecem o imperativo de realizar as profundas mudanças estruturais necessárias para evitar uma catástrofe climática.
Uma das últimas "soluções" deste tipo está associada ao conceito de "emissões líquidas nulas", que dependem da chamada "captura e armazenamento de carbono" (CAC). Embora a tecnologia ainda enfrente algumas deficiências, o líder do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), Rajendar Pachauri, proferiu, no mês passado, uma declaração profundamente problemática, ao afirmar que "com a CAC é inteiramente possível continuar a utilizar os combustíveis fósseis em grande escala".
Na verdade, o último relatório de avaliação do IPCC sublinha o imperativo de reduzir drasticamente as emissões de CO2 a fim de evitar exceder o reduzido (e arriscado) balanço global do carbono. Porém, passar de objetivos claros como as "emissões nulas", a "descarbonização plena" e "100% de energias renováveis" para o objetivo bastante mais vago de emissões líquidas nulas é adotar uma posição perigosa.
Na verdade, a ideia de emissões líquidas nulas implica que o mundo possa continuar a produzir emissões, desde que exista uma forma de as "compensar". Assim, em vez de enveredar imediatamente por uma via radical de redução das emissões, podemos continuar a emitir enormes quantidades de CO2 (e até mesmo estabelecer novas centrais de carvão) enquanto alegamos estar combatendo as alterações climáticas através do "apoio" ao desenvolvimento da tecnologia de CAC. Ao que parece, é irrelevante a possibilidade de tal tecnologia não funcionar, estar repleta de desafios práticos e acarretar o risco de fugas no futuro, o que teria graves consequências a nível social e ambiental.
A bioenergia aplicada à captura e armazenamento de carbono é o paradigma da nova "abordagem de superação" das emissões líquidas nulas. Esta técnica implica a plantação de uma enorme quantidade de plantas herbáceas e árvores para utilizar a biomassa a fim de gerar eletricidade, capturar o CO2 emitido e bombeá-lo para depósitos geológicos subterrâneos.
Tal técnica teria enormes implicações em termos de desenvolvimento, podendo conduzir ao açambarcamento de terras em grande escala a pessoas relativamente pobres. Não se trata de um cenário improvável; durante muitos anos, o aumento da procura de biocombustíveis incentivou de forma devastadora o açambarcamento de terras.
Seriam necessárias muito mais terras para compensar uma parte substancial das emissões de CO2. Na verdade, estima-se que, através da técnica da bioenergia aplicada à captura e armazenamento de carbono, seria necessário converter entre 218 e 990 milhões de hectares em panicum virgatum para capturar mil milhões de toneladas de carbono. Isto representa entre 14 e 65 vezes a quantidade de terras que os EUA utilizam para o cultivo de milho para produzir etanol.
As emissões de óxido nitroso decorrentes da enorme quantidade de adubo necessária para o crescimento do panicum virgatum poderiam resultar no agravamento das alterações climáticas. A este contexto podemos acrescentar as emissões de CO2 resultantes da produção de adubos sintéticos; o corte de árvores, arbustos e a remoção de plantas herbáceas de centenas de milhões de hectares de terras; a destruição de grandes depósitos de carbono no solo e o transporte e processamento do panicum virgatum.
Mais problemática ainda é a revelação de que a CAC e a bioenergia aplicada à captura e armazenamento de carbono seriam provavelmente utilizadas no "reforço da recuperação de petróleo". O CO2 comprimido seria bombeado para velhos poços de petróleo a fim de ser armazenado, criando um incentivo financeiro para recuperar mais petróleo. O Departamento de Energia dos EUA estima que tais métodos poderiam tornar economicamente recuperáveis 67 mil milhões de barris de petróleo, o equivalente ao triplo do volume de reservas de petróleo do país. Com efeito, tendo em conta os montantes em jogo, o reforço da recuperação de petróleo poderia efetivamente ser um dos motivos subjacentes ao incentivo da CAC.
De qualquer modo, nenhuma forma de CAC conduz à concretização da meta de uma mudança estrutural com vista à descarbonização completa, uma medida cada vez mais reivindicada pelos movimentos sociais, meios acadêmicos, cidadãos comuns, e até mesmo alguns políticos. Estão preparados para aceitar os inconvenientes e os sacrifícios que irão surgir durante a transição. Na verdade, consideram que o desafio de criar uma economia sem emissões de carbono constitui uma oportunidade para renovar e melhorar as suas sociedades e comunidades. As tecnologias perigosas, vagas e utópicas não têm lugar neste esforço.
Um entendimento claro no que diz respeito à crise climática amplia consideravelmente a gama de possíveis soluções. Por exemplo, através da proibição de novas centrais de carvão e da transferência dos subsídios destinados a combustíveis fósseis para o financiamento de energias renováveis por meio de tarifas de aquisição, seria possível levar a energia sustentável a milhares de milhões de pessoas no mundo, reduzindo, além disso, a dependência dos combustíveis fósseis.
Enquanto se impede o aumento deste tipo de soluções práticas e inovadoras, milhares de milhões de dólares são injetados em subsídios que reforçam o status quo. O único meio de reformar o sistema e de realizar progressos reais com vista a mitigar as alterações climáticas consiste em trabalhar com o objetivo de eliminar por completo os combustíveis fósseis. Objetivos vagos baseados em tecnologias nebulosas não são de forma alguma exequíveis.
Este artigo foi originalmente publicado em Project -Syndicate.org
Tradução: Teresa Bettencourt