A realização da Copa das Confederações foi um dos focos no Recife e outras cidades para denunciar os gastos nas obras do Mundial de 2014 e a violência com que vem sendo feitas as remoções nas comunidades carentes.
Em Pernambuco, um dos principais grupos que tem denunciado a falta de planejamento de diversos empreendimentos imobiliários é o movimento Direitos Urbanos. Integrante desta rede e também do Comitê Popular da Copa, o mestrando Rudrigo Rafael, estuda a ocupação de imóveis no Centro e paralelamente atua para denunciar as remoções nas proximidades da Arena Pernambuco, especialmente nos bairros de Santa Mônica, Cosme e Damião (Recife) e nas cidades de Camaragibe e São Lourenço da Mata, mas também locais distantes do estádio como as comunidades que foram vítimas das obras da Via Mangue (responsável por cerca de 1.500 remoções) e de todo o ramal Norte-Sul, que passa pelos municípios de Paulista, Olinda, Recife e chega até Jaboatão.
“A Copa está sendo feita com base no endividamento público e para fins privados. Não há investimento algum em ações e projetos voltados para o direito ao lazer das comunidades do entorno, por exemplo”, resume o militante. Para ele, as reivindicações se alinham à agenda da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop)
Reivindicações da Ancop: 1) O fim das remoções e despejos de moradias; 2) garantir à população em situação de rua políticas de acesso à alimentação, abrigo e higiene pessoal, assim como trabalho e assistência social; 3) Revogação imediata das áreas exclusivas da Fifa previstas na Lei Geral da Copa; 4) Criação de campanhas de combate à exploração sexual e ao tráfico de pessoas; 5) Não instalação dos tribunais de exceção no entorno dos estádios; 6) Revogação da lei que concede isenção fiscal à Fifa e suas parceiras comerciais e auditoria popular da dívida pública; 7) Arquivamento imediato dos PLs que tipificam o crime de terrorismo e 8) Desmilitarização da polícia e fim da repressão aos movimentos sociais.
1-O Governo do Estado diz que o principal legado do Mundial 2014 será a criação da Cidade da Copa, incluindo a Arena Pernambuco, que criará um novo vetor de crescimento econômico no oeste da Região Metropolitana do Recife. Como você analisa esse processo diante da crescente verticalização dos imóveis da capital pernambucana? A cidade da Copa não está dissociada da lógica de desenvolvimento que vem sendo empreendida na Região Metropolitana do Recife. O estado vem induzindo a expansão do capital imobiliário, tanto que a cidade possui o 4º m² mais caro do país. E não dialoga com a cidade real, pois está sendo pensada na lógica da cidade de exceção e da governança privada. Propagandeia-se que será a 1ª Smart City da América Latina, mas será uma cidade inteligente para quem? Prevista para 100 mil pessoas, ela concentra os investimentos e dá as costas para as outras 108 mil pessoas que ocupam o território da cidade hoje. Esse modelo é artificial e insustentável, e entrará em crise em breve. O porto de Suape já anuncia a demissão de 67 mil trabalhadores, isso é mais da metade da população prevista para a cidade da Copa ( se efetivamente o projeto vier a ser construído) E o que ficou de melhoria e políticas públicas para aquela região?
2- Como tem sido acompanhar as obras de mobilidade e especialmente as desapropriações causadas pelas obras do Mundial de 2014 através do Comitê Popular da Copa? As obras de mobilidade têm gerado um cenário de guerra e colocado as famílias atingidas em condições de vida semelhante a de refugiados, apátridas da “Pátria de Chuteiras”, como é o caso do Loteamento São Francisco, que representa um pouco do cenário de cerca de 9.600 pessoas que vem sendo impactadas. Famílias estão sendo postas na rua sem conseguir acessar indenizações, que já não são justas e não garantem o acesso a outra moradia. Se houvesse interesse por parte do Governo do Estado, o dinheiro que foi empenhado no pagamento de indenizações, conjugadas a outras fontes de financiamento, seriam suficientes para a elaboração de alternativas que minorassem o impacto das remoções. O Governo usa um discurso de legalidade extremamente seletiva. Por vezes fundamentado numa legislação caduca, de 1941, em outras, usa de inovações como o RDC (regime diferenciado de contratação), tudo para que possa legitimar a condição de exceção. O Judiciário e a Defensoria não contestam. E assim se desrespeita todos os pactos de direitos humanos e normativas, como a própria Constituição e o Estatuto da Cidade. Não existe preocupação com política pública, a parceria é privada. Para os desterritorializadas/os, o dinheiro que recebem não compra uma casa num mercado imobiliário aquecido.
3- Quais as dificuldades para obter as informações oficiais em relação aos imóveis desapropriados e aos gastos da Copa do Mundo em Pernambuco? Existe uma estratégia de desinformação? O Estado produz desinformação a todo o momento. Isso não é uma fala minha, do Comitê Popular da Copa, mas também das famílias atingidas. Elas próprias não foram informadas do processo, muito menos o Comitê Popular da Copa e o restante da sociedade, que em geral não tem tido acesso a esta realidade pela grande mídia. Isso se justifica também porque o investimento em mídia é, inclusive, superior aos gastos com estádios. São mais de 6 bilhões investidos neste setor. Um dos nossos principais papéis dos comitês é gerar contrainformação, que nesse caso é informação real. Não se fez audiências públicas de fato, não se discutiram os projetos no Conselho das Cidades, não se dá respostas efetivas a ofícios ou em reuniões. Isso impactou diretamente na nossa capacidade de se antecipar às violações, perdeu-se muito tempo tentando dialogar com a gestão e buscar a construção de alternativas que garantissem o mínimo de dignidade.
4 - Vocês acompanharam algumas mortes, dezenas de pessoas que adoeceram após receberam a notícia de desapropriação dos seus imóveis e o empobrecimento de milhares de moradores da comunidade especificamente do Loteamento São Francisco, em Camaragibe. Qual tem sido a reação diante da denúncia das violações aos direitos humanos e o que se pode pensar para tentar diminuir os efeitos dessa situação após o Mundial 2014?Estamos buscando gerar informação, mobilizar as pessoas, articular organizações, organizar as famílias atingidas e formular estratégias para reverter esse cenário de violações e garantir o direito à cidade. De tais tentativas resultaram, por exemplo, as visitas da Relatora da ONU para o Direito Humano à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, e do Relator para o Direito à Cidade da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA) Leandro Gorsdof, que deram visibilidade ao que vem acontecendo e impactaram positivamente no aprofundamento do diálogo com as famílias, que vem sendo fortalecida com reuniões periódicas com os afetados, produção de conteúdos (textos, vídeos etc.), realização de seminários e participação junto à Ancop.