O G20 e a arquitetura financeira regional da América Latina

 

A crise global e a ascensão do G20 criaram um dilema em relação aos processos de integração regional. A participação do Brasil e da Argentina no âmbito do G20 vem promovendo mudanças sutis, porém importantes no andamento dos processos de integração.

De fato, o Brasil tem apresentado uma posição ambígua desde o momento em que aceitou cumprir um papel global no G20 em detrimento de um papel regional. A participação mais ativa e direta no âmbito da governança global, notadamente no G20, mas também nos BRICs, ocupa aparentemente o centro das intervenções políticas e diplomáticas brasileiras, deixando em segundo plano o espaço regional.

O governo brasileiro continua as negociações e articulações regionais de integração e, aparentemente, busca manter nelas arranjos de baixo grau de institucionalidade que lhe permitam uma maior liberdade de ação no âmbito multilateral. Também a participação da Argentina no G20 pode ter arrefecido seus ânimos integradores, talvez por conta das últimas notícias divulgadas por Wikileaks sobre a possibilidade de expulsão da Argentina do seleto grupo em razão de suas posturas muito radicais.

Por outro lado, a morte do secretário da Unasul - o ex-presidente argentino Néstor Kirchner - e a presidência da Guiana na secretaria rotativa desse bloco têm agravado a lentidão e a falta de iniciativa política para movimentar esse processo.

Evidentemente, as contradições e tensões não são poucas. Em certo sentido, isso dificulta os entendimentos, especialmente entre Argentina e Brasil, e retarda os avanços dos vários processos integradores em curso, em particular do Mercosul, da Unasul e do projeto de criação do Banco do Sul.

Entretanto, algumas notícias podem ser alentadoras para a retomada do rumo integrador. Com a assinatura do presidente colombiano, em março passado, o Tratado Constitutivo da Unasul entrou em plena vigência, o que confirma o interesse em consolidar o processo. A nomeação da nova secretária – Maria Emma Mejía - e a possibilidade de mudança política no Peru com a eleição de Ollanta Humala também trazem ares mais positivos para a integração. Entretanto, as declarações apontam para o fortalecimento do processo político, com ênfase no combate às ameaças comuns como o terrorismo, o combate às drogas, o tráfico de armas e o crime organizado transnacional, e não tanto ao fortalecimento de uma arquitetura financeira regional.

Apesar dessa pouco propositiva atitude política, é preciso mencionar que a iniciativa do Banco do Sul como banco de desenvolvimento continua sendo desenhada ainda que lentamente. Segundo os acordos estabelecidos até o momento, o banco terá como objetivo a recirculação da poupança regional, não para projetos de infraestrutura, e sim para aqueles relacionados ao desenvolvimento de políticas econômicas regionais (políticas de alimentação, saúde, meio ambiente etc.). O ponto de partida para esses esforços será uma análise dos danos causados pelas políticas tradicionais dos bancos multilaterais e seus impactos sobre a autonomia dos países.

Também existe uma proposta inicial de um Fundo do Sul, que teria um papel contracíclico e de proteção diante de ataques especulativos, mas que ainda não foi debatida nos âmbitos decisórios. Ao mesmo tempo, Brasil e Argentina continuam discutindo um sistema de pagamentos em moedas nacionais, já que o Sucre é usado como moeda comum pelos países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba).

Enfim, o G20 com sua estratégia de debilitar as frágeis alianças Sul/Sul que vinham sendo construídas, em particular entre as potências emergentes agora incorporadas ao grupo da elite mundial, tem cooptado esses países para uma agenda não mais da disputa hegemônica na perspectiva da ordem multipolar, e sim da reconfiguração global do sistema. Dessa forma, as estratégias de fortalecimento da integração regional perdem espaço para o chamado a compor o eixo restabelecedor da ordem internacional e de uma arquitetura financeira que confira estabilidade ao sistema global.

Nesse cenário, o processo integrador regional da América Latina, especialmente da América do Sul, e a construção de uma nova arquitetura financeira regional se encontram em “compasso de espera”. Os movimentos sociais da região buscam incidir mantendo a construção da institucionalidade regional e, especialmente, os termos de uma arquitetura regional que possibilite a inadiável perspectiva de transformação do modelo regional extrativista em desenvolvimento sustentável.

Graciela Rodriguez é coordenadora do Instituto Eqüit - Gênero, Economia e Cidadania Global



Saiba mais:



» Graciela Rodriguez também escreveu o artigo "Participação da América Latina no G20". Leia (em espanhol).



» Os dois artigos da autora fazem parte do relatório "O G20, a América Latina e o Futro da Integração Regional", publicado pela Fundação Heinrich Böll, escritório de Washington, Estados Unidos (em inglês). Acesse o documento completo.