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Presenças de um Estado partido: Cidadania e desigualdade no Rio de Janeiro

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Elaborada por Henri Lefebvre em 1968 e atualizada por David Harvey quarenta anos mais tarde, a noção do direito à cidade é, ao mesmo tempo, uma formidável categoria de análise para compreensão e um poderoso instrumento de transformação dos processos e dinâmicas das espacialidades urbanas na mo­dernidade. Por meio do direito à cidade, Lefebvre e Harvey reafirmam a imanência e a razão utópica do pensamento marxista ao mobilizar compreensões e diagnósticos das dinâmicas sociais, políticas e econômicas da vida urbana como ferramenta para a transformação das cidades em espaços de direito e cidadania. Mas pensar a cidade enquanto espaço de direito e cidadania implica funda­mentalmente pensar que tipo de Estado teremos para assegurar direitos e cidadanias nas cidades. Transformar a cidade, então, é transformar o Estado, ou, mais precisamente, transformar a práxis política da forma estatal.

 Assim, mais do que simplesmente apresentar um conjunto de análises teóricas e conceituais, o estudo “Presenças de um Estado partido: cidadania e desigualdade no Rio de Janeiro”, de Sergio Veloso e Igor Pantoja busca se somar a outras iniciativas voltadas para pensar a transformação da cidade e região metropolitana do Rio de Janeiro em um lugar mais justo, seguro e igualitário. Pois, como afirma Henri Lefebvre, qualquer prognóstico de transfor­mação concreta da realidade urbana deve vir apoiado de um diagnóstico robusto de como o poder público – metonímia para Estado – se faz presente em áreas periféricas e vulneráveis do Rio.Essa é a principal questão que orienta essa publicação, a segunda a configurar o projeto Direito à Cidade nas Favelas do Rio de Janeiro, executado pelo BRICS Policy Center, no domínio do programa BRICS-Urbe, em parceria com a Casa Fluminense e financiado pela Fundação Heinrich Böll. Na primeira pesquisa que realiza­mos no âmbito do projeto, intitulada Ninguém Entra, Ninguém Sai: Mobilidade Urbana e Direito à cidade no Complexo do Alemão (VELOSO e SANTIAGO, 2017), buscamos conhecer o cotidiano de quem se desloca do Complexo do Alemão para outros lugares da cidade e vice e versa, de modo a aprender, a partir de suas demandas e propostas, sobre a complexidade desse cotidiano. O ponto central dessa primeira pesquisa, que se repetiu na pesquisa que resultou nessa publicação, era, então, escutar o que os moradores tinham a nos dizer.  

Esse novo estudo mira na utopia, olha pro horizonte, mas busca a perspectiva de quem vive atolado na realidade da exclusão. Miramos a utopia futura, mas da perspectiva da distopia presente. Essas iniciativas buscam conhecer a realidade de quem habita espaços vulneráveis e precarizados para encontrar a síntese do contrário daquilo que desejamos como possibilidade para a vida urbana.E a realidade que encontramos é oposta a que desejamos. É a realidade de um Estado que atua não como mantenedor e garantidor da cidadania universal, sem distinção de raça, classe, poder de compra ou endereço, mas a realidade de um Estado que produz e reproduz a cidade enquanto espaço de desigualdades e cidadanias hierarquizadas. É, portanto, a realidade de um Estado que nega a si mesmo e suas responsabilidades por aqueles que estão sob seu governo e poder.

Essa publicação é resultado de uma pesquisa de campo executada ao longo do primeiro semestre de 2018 concomitantemente em dois bairros: Parque Colúmbia, na franja da cidade do Rio de Janeiro, escan­teado entre o rio Acari e a Via Dutra; e Chatuba, da cidade de Mesquita, na Baixada Fluminense, atravessado pelo rio Sarapuí. Em comum, esses dois bairros têm um longo histórico de enchentes que repetidas vezes destroem o cotidiano dos moradores que vivem perto da cabeceira dos rios. Escolhemos esses bairros – que, a princípio, não têm pontos de contato – justamente por enfrentarem as águas com alguma frequência.

Enchentes forçam alguma presença do poder público, pois são tragédias com grande poder destrutivo e, por isso, causam bastante impacto midiático. Ambos os bairros, por conta do histórico de enchentes, são atravessados por obras públicas de revitalização e requalificação infraestrutural que, de uma forma ou de outra, podem até ter melhorado o cotidiano de uma parte de sua população, mas que, no geral, foram incapazes de resolver o problema das enchentes ou até mesmo de requalificar e revitalizar áreas historicamente degradadas.

O histórico de obras financiadas por programas públicos como o Programa de Aceleração do Cresci­mento (PAC), o Projeto Baixada Viva, no bairro de Chatuba da cidade de Mesquita, ou o Bairro Maravilha ou o Programa Morar Carioca, no bairro de Parque Colúmbia, na cidade do Rio de Janeiro, evidenciam um esforço do poder público de se fazer presente materialmente, construindo ou reconstruindo equipamentos infraestruturais nessas regiões. Todavia, o que pudemos perceber nas nossas visitas e aprendemos com os moradores com quem conversamos é que tais obras foram ineficientes em cumprir com seus objetivos.

Por isso, como ponto de partida, buscamos articular e desenvolver a ideia elencada por Jaílson de Souza e Jorge Barbosa (2013), fundadores do Observatório de Favelas, de que vivemos sob a égide de um Estado partido, que produz sistemática e arbitrariamente a exclusão e a exceção como aspecto central do cotidiano de várias pessoas e lugares que estão sob seu governo. Essa publicação se apresenta, então, como um es­forço de compreensão de como esse Estado partido atua em áreas periféricas e vulneráveis. Uma importan­te premissa de nosso trabalho é a constatação de que não há ausência de estado, mas presenças distintas, que reforçam hierarquizações e assimetrias, acarretando na reprodução e consolidação de modos desiguais de relação entre Estado e as pessoas e espaços sob seu governo.

Detalhes da publicação
Data da publicação
dezembro de 2019
Editor/a
Fundação Heinrich Böll, Casa Fluminense e Brics Policy Center
Número de páginas
48
Licença
Idioma da publicação
Português
ISBN / DOI
978-85-62669-36-1
Índice

Introdução
Capítulo 1
O Estado Partido
Da cidade ao Estado partido
Modos de Presença
Capítulo 2
Presenças Materiais
Chatuba e a produção do espaço pelo Estado
Parque Columbia: um bairro entre destruições e construções
Capítulo 3
Presenças Imateriais
“Ele era autoritário”
O manobreiro da água
“Ela tá brigando com o município, tá brigando com o Eduardo Paes”
Considerações Finais
Referências Bibliográficas