Mobilidade Urbana no Brasil: Desafios e Alternativas
O livro mapeia alguns dos problemas na mobilidade urbana de quatro cidades brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belém e Curitiba. Cada uma delas possui características próprias em relação ao tema da mobilidade, mas ao mesmo tempo dialogam entre si, mostrando como ainda no Brasil os desafios para governo e sociedade são consideráveis.
Agregamos também artigos que trazem aspectos relevantes para análise desse panorama, como os desafios de acessibilidade para as pessoas com deficiência, o significado do florescimento do ativismo urbano ligado ao tema da mobilidade, a insegurança das mulheres nos meios de transporte, o potencial do uso das bicicletas como alternativa nas cidades e os projetos das smart cities.
Na leitura dos artigos fica claro o quanto ainda é preciso avançar. O principal incentivo para que as pessoas deixem seus carros na garagem é um transporte público de qualidade, limpo, seguro, que chegue em horários previstos. Esse é o mesmo desejo dos usuários do transporte público. Em meio a tantos anseios os autores nos contam dos diversos projetos em mobilidade que foram e estão sendo implementados, em geral com pouca consulta à população, o que é mais um desafio para a jovem democracia brasileira.
Os megaeventos ocorridos no Brasil (Conferência da ONU sobre Meio Ambiente (Rio +20), Jogos Mundiais Militares, Jornada Mundial da Juventude, Copa do Mundo de Futebol e finalmente Jogos Olímpicos, em 2016) marcaram sua passagem pelas cidades brasileiras e encheram de expectativa a população local com as promessas de legados. Nos discursos de autoridades de governo a ênfase na melhoria da mobilidade urbana, com a adoção de novos sistemas de transporte, construção de vias e viadutos e reconfiguração da malha metroferroviária foram uma constante. Diversos e controversos, os legados colocaram o tema em evidência. Mas não pode ser esquecido também que o tema foi o estopim das manifestações das Jornadas de Junho em 2013, quando o aumento das passagens de ônibus em São Paulo levou milhares de pessoas às ruas, num movimento que se alastrou pelo país em pautas diversas.
Os movimentos sociais e coletivos urbanos ligados à pauta da mobilidade exigem transporte público de qualidade e tarifas mais justas, alguns inclusive a tarifa zero, além do comprometimento dos governos para que essa pauta não fique restrita as soluções advindas da tecnologia e sim focadas nas necessidades dos cidadãos. O que significa não apenas apostar no transporte de massa, necessário e urgente no Brasil, mas também em promover mudanças que contribuam para uma população mais saudável, como o uso da bicicleta, uma alternativa ambientalmente correta. Nesse sentido, é urgente e preciso trabalhar para superara cultura do automóvel.
Para iniciar essa análise Juciano Rodrigues nos convida a uma primeira reflexão sobre as principais mudanças ocorridas no tema da mobilidade no Brasil, não deixando de ressaltar como a cultura do automóvel ainda é forte e promovida pelo estado brasileiro. O aumento do tempo médio de deslocamento nas regiões metropolitanas de 38,1 para 43,3 minutos nos últimos 10 anos demonstra a saturação dos meios existentes hoje. Entretanto, a população experimenta soluções para seus problemas cotidianos e uma das principais foi o uso da motocicleta, o que gerou seu crescimento nas periferias das cidades. Apesar de mais barata e ágil para o deslocamento, a motocicleta vulnerabiliza o usuário, o que se traduziu em 12.480 pessoas envolvidas em acidentes de moto no Brasil em 2012. Mas o autor também ressalta o investimento do governo em novos projetos, como os BRTs, VLTs e extensão das linhas de metrô em algumas cidades.
A situação de quatro capitais brasileiras é analisada pelos autores. São Paulo é a primeira delas e Bárbara Lopes aponta que os interesses de grupos políticos e econômicos poderosos estiveram sempre envolvidos nos processos de urbanização da cidade, em alianças entre setor imobiliário e empresários do transporte. A cidade mais rica do país conta com uma frota de 8 milhões de veículos, entre carros, motos, caminhões e ônibus. Os congestionamentos gigantescos passaram a ser uma das marcas da cidade e exemplificam esse número. Mas ao mesmo tempo a autora aponta indícios de uma mudança de mentalidade, que está presente no crescimento do número de pessoas que afirmam que deixariam de usar carro se o transporte público tivesse melhor qualidade. Também houve um aumento nas viagens não motorizadas. Curiosamente, o segmento de renda mais baixa fez um movimento oposto, com aumento de viagens motorizadas e de veículo individual.
A cidade do Rio de Janeiro teve investimentos pesados nos últimos anos devido aos megaeventos. Copa do Mundo de Futebol e Jogos Olímpicos trouxeram promessas de melhoria nos meios de transporte na cidade. Juciano Rodrigues aponta em seu artigo que R$18 bilhões foram gastos com VLT, BRT, uma nova linha do metrô e obras em vias e estações de trem. Mas infelizmente, “a implantação desses grandes projetos excluiu a escala metropolitana e as necessidades de deslocamento da população de mais de 11 milhões de habitantes que nela residem”. De novo, os interesses e alianças entre setor imobiliário, empresários de transporte e gestores públicos foram definidores das políticas implementadas.
José Julio Lima traça um panorama dos problemas de mobilidade urbana na cidade de Belém do Pará, explicitando também suas consequências para a região metropolitana. O autor sugere propostas de intervenção e refaz historicamente os caminhos dos planos e políticas para a cidade. Lima aponta também que apesar da região metropolitana estar na Amazônia, localização da maior bacia hidrográfica do planeta, o modal fluvial não está inserido na resolução do transporte público.
A cidade de Curitiba já foi considerada como um exemplo de mobilidade urbana para o mundo, especialmente por conta da criação dos BRTs na década de 1970. Valter Fanini parte de uma análise histórica das transformações da organização territorial e da infraestrutura da cidade para explicitar como funciona e quais as escolhas feitas pelo poder pública na área de mobilidade.
A bandeira do transporte urbano de qualidade tornou-se também fator agregador de outras formas de ativismo social. Bárbara Lopes também é autora do artigo “Movimentos sociais: contra a cultura do automóvel, pelo direito à mobilidade”, no qual nos conta como os coletivos e movimentos urbanos ligados ao tema da mobilidade, como o Movimento Passe Livre (MPL), se destacaram durante as Jornadas de Junho, em 2013. Sob influência marxista, anarquista e autonomista esses grupos colocam em discussão as políticas públicas e o espaço público na cidade.
A falta de segurança em espaços públicos é o tema do artigo de Caren Miesenberger, que relaciona a interface entre segurança pública, mobilidade urbana e gênero nas cidades. Os meios de transporte são os principais locais públicos nos quais as mulheres são assediadas.
Outros dos problemas com mobilidade dizem respeito às pessoas com deficiência, pois apesar do crescente investimento em mobilidade as cidades possuem ainda um enorme déficit de infraestrutura e serviços adaptados à acessibilidade desse público. Juciano Rodrigues mostra os números estarrecedores em relação à falta de rampas, ônibus sem elevadores, falta de acesso às estações de metrôs e trens etc.
André Lemos, em seu artigo Cidades smart, cidades vigiadas reposiciona o debate das cidades a partir de exemplos e discussões em torno das smart cities. Sob a justificativa de aumentar a segurança e melhoria no controle de serviços as cidades construíram centros de comando e controle, o panóptico clássico, com câmeras de segurança, reconhecimento facial, etc., formas contemporâneas de vigilância do espaço urbano, e que segundo Lemos nada dialogam com outros direitos, como o open data, a transparência governamental, a economia criativa etc.
Como resposta para cidades abarrotadas de carros e congestionamentos quilométricos tem se ampliando o movimento das bicicletas que propõem também uma nova forma de convivência na cidade. Manoela Vianna discute alguns exemplos de cidades que criaram políticas de intervenção baseadas na bicicleta e traz alguns dados sobre o avanço no Brasil.
A seleção de artigos aqui apresentada reafirma a relevância do tema para a agenda de respeito aos direitos. Mais do que simples deslocamentos pela cidade, a mobilidade urbana envolve qualidade de vida, uma outra apropriação do espaço público, revalorização da cidade, além de outros aspectos. Exemplos de soluções para a diminuição de congestionamentos no centro da cidade chegam de Londres e Cingapura que adotaram o pedágio urbano. O compartilhamento de veículos (carsharing) também é outra das soluções, pois permite aos usuários utilizarem uma combinação de meios de transporte em vez de depender apenas do automóvel. Em geral uma alternativa traz contradições, mas ao mesmo tempo pode inspirar respostas e soluções mais adequadas para cada usuário. O movimento pelo uso da bicicleta cresce nos grandes centros brasileiros e exige a construção de ciclovias e um reposicionamento das políticas de governo. Políticas públicas de transporte de massa devem ser vistas como políticas sociais, pois diminuem as desigualdades e levam qualidade de vida, além de movimentarem a economia, devido aos investimentos envolvidos na cadeia produtiva.
Boa leitura a tod@s!
Detalhes da publicação
Índice
Apresentação
DAWID DANILO BARTELT
Introdução
MARILENE DE PAULA
Qual o estado da mobilidade urbana no Brasil?
JUCIANO MARTINS RODRIGUES
A cidade que não para: os deslocamentos da vida e do capital em São Paulo
BÁRBARA LOPES
O estado da mobilidade urbana no Rio de Janeiro
JUCIANO MARTINS RODRIGUES
Limites e impasses da mobilidade urbana em Belém do Pará
JOSÉ JÚLIO FERREIRA LIMA
Mobilidade urbana e ordenamento territorial em Curitiba e metrópole
VALTER FANINI
Segurança pública, mobilidade urbana e gênero no Brasil
CAREN MIESENBERGER
O estado da acessibilidade para portadores de deficiência nas cidades brasileiras
JUCIANO MARTINS RODRIGUES
Movimentos sociais: contra a cultura do automóvel, pelo direito à mobilidade
BÁRBARA LOPES
Cidades Smart, Cidades Vigiadas
ANDRÉ LEMOS
Vá de bike: as bicicletas podem melhorar a mobilidade urbana no Brasil
MANOELA VIANNA