Realizou-se entre os dias 28 e 31 de maio, em Macapá (Brasil), o VII Fórum Social Panamazônico (FSPA). Sob o lema “No Meio do Mundo os Povos se Encontram”, membros de mais de 50 organizações vindas de todos os estados amazônicos no Brasil, bem como representantes de países de toda a Panamazônia, encontraram-se em Macapá, cidade atravessada pela linha do Equador. Ao chamar a atenção para a linha imnaginária que divide o mundo ao meio, os participantes e organizadores do Fórum quiseram também realçar que no entre o Norte o e Sul, os povos e comunidades tradicionais de toda a Panamazônia se encontrariam para debater a centralidade da região em suas vidas e para imaginar outros mundos possíveis para as próximas gerações desde uma perspectiva panamazônica Dentre os participantes do FSPA, destacaram-se os movimentos sociais por justiça ambiental, com forte presença de mulheres, indígenas e quilombolas, e articulações de atingidos por mega-empreendimentos, que lutam contra a violação sistemática dos direitos humanos na região. Chamou-se a atenção para a criminalização crescente daqueles que lutam pelos direitos dos povos amazônicos, bem como para a tentativa recorrente de invisibilzar a resistência social na região, dado o espaço conferido aos projetos de desenvolvimento na grande mídia. Estas reivindicações e o chamamento para outras lutas fundamentais no contexto panamazônico podem ser encontradas na Carta de Macapá (link), que encerrou o VII FSFA e reafirmou os eixos de resistência presentes desde o primeiro evento, em Belém, estado do Pará, Brasil, tais como a luta contra os grandes projetos de desenvolvimento e a afirmação de um projeto de viver bem com base nas múltiplas identidades panamazônicas.
Sob o contexto de avaliar a presença do poder corporativo na Panamazônia, promovida por projetos de desenvolvimento infraestrutural e de aceleração econômica financiados pelo Estado, o Transnational Institute (TNI) e a Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais co-organizaram no FSPA a mesa “Capital Transnacional e Conflitos Socioambientais na Panamazônia”. Participaram da discussão Luis Yanza, da Unión de Afectados por Chevron-Texaco (UDAPT), do Equador, Diana Aguiar, do Transnational Institute (TNI), que atua na campanha “Desmantelemos o Poder Corporativo”. A mesa foi mediada por Marcela Vecchione, da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, e teve como um dos objetivos enfatizar a presença constante de oligopólios de empresas transnacionais em grandes projetos na panamazônia, que de maneira sistemática violam os direitos humanos e territoriais de povos e populações na região, causando repetidamente conflitos socioambientais que colocam em xeque as formas de viver desses grupos.
Destacou-se, especialmente, o papel das empreiteiras (sobretudo Odebretch, Camargo Correa e Andrade Gutierrez), mineradoras (tais como a Vale), petroleiras (como a americana Chevron), companhias de geração e distribuição de energia hidrelétrica e do agronegócio (a exemplo da Cargill), em conflitos socioambientais caracterizados por violações de direitos humanos e da natureza. Coube lembrar que estas empresas representam uma configuração concentrada do capital, que se diferencia em várias áreas de atuação, embora gerenciada por vezes por um mesmo grupo. Este é o caso dos consórcios de empreiteiras que realizam obras de infraestrutura e que, frequentemente, estão envolvidas no processo de distribuição de serviços resultantes dos mesmos empreendimentos, sendo este o exemplo das empresas que controlam a construção de hidrelétricas na Amazônia em países como Brasil e Peru. Além disso, foi destacada a cumplicidade dos Estados nestes processos, que legitimam e moldam uma arquitetura da impunidade, seja por meio de concessões que fogem às regras gerais de licitação, sela pelo desmantalemento de mecanismos de proteção do direitos de populações e povos afetados, beneficiando o capital transnacional na região, em nome da rapidez na realização dos empreendimentos tidos como necessários ao desenvolvimento e à integração regional.
Sobre o último ponto, os debates promovidos pela mesa destacaram o não cumprimento ou a prática inadequada de mecanismos ratificados internacionalmente pelos países panamazônicos, como a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) tal qual prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os direitos dos povos indígenas e tradicionais pelos governos e pelas empresas. Ademais, também foram frisados casos em que legislações ambientais nacionais não são cumpridas, bem como foram mencionados os casos em que as mesmas legislações seguem em detrimento da assinatura de Tratados de Livre Comércio (TLCs) e Tratados de Investimento que, usualmente, acirram conflitos socioambientais. Na panamazônia, um elemento central da arquitetura da impunidade na Panmazônia está na forma como são feitos e liberados os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Brasil, à grande maioria dos empreendimentos. Frequentemente, desrespeitando a CLPI e o calendário de cumprimento de condicionantes à realização de empreendimentos com impactos socioambientais, consórcios de levantamentos de dados sobre situação socioambiental e consórcios construtores mostram a flagrante cumplicidade dos bancos públicos com crimes ambientais catalisadores de violações de direitos humanos, incluindo os intergeracionais, na região.
Neste sentido, a fala de Luis Yanza (UDAPT), que apresentou a luta histórica de resistência dos 30 mil atingidos pelos derramamentos de petróleo causados pela Chevron (antes Texaco), nas províncias de Sucumbíos e Orellanas, na Amazônia Equatoriana, reafirmou o padrão de conflito socioambiental citado, mas, ao mesmo tempo, ofereceu esperança à resistência dos representantes de movimentos presentes no debate. Yanza falou sobre o caso jurídico que teve decisão favorável às vítimas na Suprema Corte equatoriana e sobre a luta dos demandantes para obter a reparação judicialmente determinada, frente às recusas de Chevron de cumprir a sentença. Os movimentos da Amazônia brasileira presentes se comprometeram a apoiar uma campanha no Brasil para pressionar o Superior Tribunal de Justiça (STJ) neste país a homologar a sentença da Corte Suprema equatoriana. A homologação da sentença no Brasil estaria de acordo e se relacionaria com o fato de que a transnacional Chevron ainda detém ativos neste país, que poderiam ser expropriados por decisão judicial do STJ se o mesmo decidir em processo que tramita na instituição a favor de que o montante relativo possa ser usado para o pagamento da reparação sentenciada no Equador. Como Yanza contou a história da decisão judicial contra a Chevron-Texaco sob a visão da resistência e da articulação dos atingidos pelo crime ambiental praticado pela empresa, sua fala sensibilizou representantes da Articulação dos Rios Amazônicos, criada durante o VI FSPA, em Cobija, Bolívia, como expressão da resistência dos atingidos pelos projetos de hidrelétricas na região, a se mobilizar para desenvolver litígios similares em casos de efeito transnacional, como é o caso das hidrelétricas no Rio Madeira. Discute-se, atualmente, a contribuição estrutural que as duas hidrelétricas em construção no lado brasileiro tiveram para a cheia histórica no Rio Madeira, entre os meses de janeiro e abril deste ano. A cheia desabrigou milhares de pessoas em Porto Velho, Rondônia, e mais de um milhão de pessoas, no departamento de Beni, a montante do Madeira, na Bolívia.
Na mesa, como em todo o FSPA, a afirmação do direito de resistência dos povos da região e o rechaço à criminalização das lutas, à militarização e à repressão do Estado, às práticas ilegais das empresas transnacionais - como a espionagem, o assédio moral e a perseguição de trabalhadores e trabalhadoras e lideranças comunitárias) - foi contundente. Esta mesma crítica foi feita nos momentos de preparação ao Fórum, que ocorreram desde o mês de janeiro de 2014, e no Encontro de Pesquisadores da Panamazônia, realizado entre os dias 26 e 27 de maio de 2014, antecedendo o evento principal. No mesmo dia de aprovação da Carta de Macapá, foram aprovadas moções sugeridas por movimentos sociais e por seus representantes (http://foropanamazonico.wordpress.com/2014/05/31/carta-de-macapa-os-povos-livres-da-panamazonia-vencerao/) que se referiam a causas e casos específicos que demandavam o apoio das comunidades, organizações e povos em resistência na panamazônia. Entre estas estavam a moção sugerida pela UDAPT, via Luis Yanza, para a aprovação da homolagação da decisão contra a Chevron-Texaco pelo STJ, no Brasil, e aquela formulada desde os debates na mesa sobre capital transnacional, denunciando a arquitetura da impunidade promovida pela associação entre Estados e o poder corporativo.
A UDAPT apresenta em 23 de junho, deste ano, o caso contra Chevron ao Tribunal Permanente dos Povos, em Genebra, na Suíça. Nesse marco, a Campanha Global Desmantelemos o Poder Corporativo e Paremos a Impunidade segue apoiando a denúncia de crimes, violações provocadas pela arquitetura da impunidade, bem como reafirma o apoio à articulação de resistências e ações de solidariedade contra os mesmos fatos e fatores.