Por uma nova política energética no Brasil

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Mais de cinquenta representantes de diferentes organizações da sociedade civil reuniram-se no “Seminário por uma nova política energética no Brasil”, realizado em Brasília entre os dias 23 e 24 de maio. O encontro buscou fortalecer a articulação entre as entidades e movimentos que atuam em favor de fontes de energia renováveis e que são contra a construção de novas hidrelétricas e ao uso de energia nuclear. O evento foi promovido pelo Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social com apoio da Fundação Heinrich Böll.

A política energética brasileira atual caracteriza-se pela falta de transparência e participação social – “a caixa preta do governo”, como disse o juiz José Gisi do Ministério Público Federal, no debate público que encerrou o encontro. Não há representação da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), como é previsto. Além disso, a política energética atual é responsável por violações de direitos Há constantes problemas de ausência da consulta consentida, prévia e informada, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as comunidades afetadas pelos projetos energéticos. Exemplos recentes foram os conflitos entre indígenas, policiais e o governo, que aconteceram em maio, no canteiro de obras da hidrelétrica Belo Monte. O canteiro foi ocupado por cerca de 170 manifestantes das etnias Munduruku, da bacia do rio Tapajós, e Arara, Juruna e outros, do rio Xingu. Os indígenas protestaram pela falta de consulta. Essa falta de práticas democráticas na política energética do Brasil afeta impactados por diversos projetos como os de hidroeletrecidade na Amazônia, energia nuclear no Sudeste e Nordeste, petróleo e gás no Sudeste, agrocombustíveis em todo o país e biomassa e energia eólica no Nordeste. Representantes de movimentos dos afetados do Ceará contaram que os parques eólicos depredam o meio ambiente, em especial as dunas, e tem impactos sociais fortes, ameaçando a vida das populações locais.

Assim, uma articulação desses setores se faz necessária para que se construa uma nova política.
Para o diretor da Fundação Heinrich Böll Dawid Bartelt, o seminário pode constituir o ponto de partida para uma nova aliança da sociedade civil para pressionar mudanças num setor político que é chave para o modelo de desenvolvimento brasileiro. “Democratização, no sentido de participação da sociedade civil organizada e principalmente das pessoas afetadas, é fundamental. Num país de tanto Sol e vento, precisamos aumentar, e muito, a participação das energias solar e eólica na matriz energética brasileira. No entanto, não há energia sem impacto, e é obrigação do estado de evitar impactos ao máximo, e onde eles ocorrem iniciar um processo político que garante efetiva e não apenas formalmente os direitos das pessoas.”

Dois documentos resultaram do seminário: a “Carta Aberta ao Presidente da Caixa”, na qual são cobrados esclarecimentos sobre as possibilidades de que o banco conceda à empresa encarregada da construção da Usina Nuclear Angra III um empréstimo para que a construção seja terminada. O segundo documento, reproduzido abaixo, foi chamado de “Mensagem à sociedade brasileira.” A mensagem afirma que a “a humanidade vive a segunda década do terceiro milênio sem fazer as mudanças na economia e na forma de vida exigidas pela crise em que se encontra o planeta Terra.” Além disso, são enumeradas uma série de reivindicações dos participantes, entre elas: “que a política nacional de produção de energia elétrica assuma prioritariamente o sol e os ventos como fontes, desde que respeitando, com consultas prévias, as populações da região em que os projetos forem implantados; que seja proibida imediatamente a construção de usinas nucleares, e que sejam desativadas as que estão em funcionamento; que sejam suspensos os projetos de grandes hidrelétricas na Amazônia que comprometam a reprodução da vida das populações indígenas, tradicionais e ribeirinhas da região.

Reproduzimos abaixo também o artigo “Por uma nova política energética” de Heitor Scalambrini Costa, Professor da Universidade Federal de Pernambuco. O autor afirma que os especialistas da área energética do governo federal têm tomado decisões que estão na “contramão da história”.

Mais informações sobre o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social

Mensagem à sociedade brasileira

A humanidade vive a segunda década do terceiro milênio sem fazer as mudanças na economia e na forma de vida exigidas pela crise em que se encontra o planeta Terra. Confirmando percepções dos povos indígenas, estudos científicos indicam claramente que a prática capitalista de produzir e consumir cada vez mais para concentrar lucros já retirou da Terra mais bens naturais do que ela é capaz de repor. E para produzir a energia necessária para o “progresso” capitalista, retirou do ventre da Terra e queimou, e continua queimando, quantidades imensas de petróleo, gás e carvão, jogando na atmosfera quantidades cada vez maiores de gases que provocam aquecimento e mudanças climáticas. O modelo atual de desenvolvimento capitalista é marcado pela concentração de renda e poder, pela exploração intensiva dos recursos naturais e do trabalho humano, e pela destruição dos ecossistemas. Sua reprodução acelerada se dá através da imposição de uma maior carga dos danos ambientais às populações de baixa renda, às mulheres, aos grupos raciais discriminados, às comunidades étnicas tradicionais e às populações marginalizadas.

Por isso, continuar promovendo a aceleração do crescimento econômico capitalista é decisão que coloca em risco o planeta e destrói as condições de vida de milhões de pessoas e comunidades que com seus modos de vida inspiram as alternativas ao modelo de desenvolvimento em curso e a política energética que o sustenta.

Tendo presente esta realidade, as políticas públicas adequadas à atualidade devem caracterizar-se por duas prioridades. Em primeiro lugar, pela mobilização democrática da cidadania em favor de mudanças do modo consumista de vida, animando as pessoas a viver e conviver com os semelhantes com simplicidade e a conviver com a Mãe Terra com respeito, cuidado e harmonia. A segunda prioridade, que deve ser promovida ao mesmo tempo, é a prática de só utilizar recursos públicos para incentivar a produção do que é de fato necessário para uma vida feliz das pessoas e demais seres vivos, junto com o uso de tecnologias que impactem o mínimo possível no equilíbrio já fragilizado do ambiente vital da Terra.

Não vale a pena continuar espalhando mentiras. Já é sabido que a maior parte dos negócios das grandes empresas não responde a necessidades humanas. Seus interesses, comandados nas últimas décadas pelo capital financeiro, exigem aumento contínuo da exploração da natureza e do trabalho humano como base real para seus negócios especulativos. Por isso, rechaçamos esse modelo energético centralizado dominado por interesses privados e baseado numa lógica produtivista de crescimento infinito para atender objetivos estranhos à população brasileira, principalmente comunidades tradicionais que sofrem mais diretamente.

Por outro lado, já se produz mais alimentos do que os necessários para todas as pessoas e já é possível produzi-los em processos naturais, que usam tecnologias que ajudam a Terra a recuperar o equilíbrio perdido por causa da agressão ao solo, subsolo e atmosfera feita pelo sistema do agronegócio. Existe um bilhão de pessoas sofrendo e morrendo na miséria porque grandes empresas acumulam riquezas especulando com o preço dos alimentos.

Tendo tudo isso presente, não se pode aceitar que a política energética brasileira continue sendo pensada e executada como se estivéssemos no século XX: na ilusão de que se pode continuar fazendo qualquer coisa para avançar no crescimento econômico até alcançar os países mais ricos. Sendo realistas, mesmo sabendo que os países mais ricos têm maiores responsabilidades e devem, por isso, mudar mais profundamente sua economia e os valores de convivência social e com o meio ambiente, na verdade todos devem mudar em tudo que for possível e quanto antes.

Todas as pessoas que têm presente e levam a sério a crise ecológica, alimentar, ética, econômica e social dos nossos dias sentem a urgência de exigir mudanças profundas e estruturais na sociedade brasileira e em todas as sociedades do mundo.

Como parte e protagonista destas mudanças, o Seminário por uma nova política energética no Brasil, exige mudanças na definição das fontes que compõem a matriz energética, na definição dos critérios de eficiência na geração, na distribuição e no uso da energia, na definição do em quê deve ser utilizada epara quem deve ser destinada a energia. Exige também que seja paralisado todo processo de privatização e concessão dos recursos naturais geradores de energia, assim como a reestatização das empresas nacionais, vendidas a iniciativa privada, dando a uma minoria o controle sobre os bens comuns necessários à vida.
Partindo dos dados já disponíveis sobre fontes de energia, o Seminário exige que se dê prioridade ao sol e aos ventos na matriz energética brasileira, complementando-a com o movimento natural das águas e a biomassa, além da eficiência e conservação de energia. Mesmo sendo verdadeira a afirmação de que a energia solar é, ainda, mais cara, é preciso ter presente que isso se deve à falta de vontade política de promover e valorizar pesquisas e empresas de produção de componentes no Brasil. Com a queda anual de 15% nos preços mundiais, em pouco tempo se igualará e será até mais barata do que as demais fontes. No que se refere à energia eólica, deve-se considerar que os recentes projetos de implantação das “fazendas de vento”, projetos de grande escala de usinas eólicas, têm expulsado as populações que antes ocupavam o território, além de grande par te delas não considerarem a fragilidade ambiental por se localizarem em regiões de dunas e na caatinga do Nordeste do país.

Coerentemente, por não ser necessária e por ser ameaça à vida e ao ambiente vital da Terra, o Seminário exige a proibição da produção de energia por meio de usinas nucleares. Os acidentes atômicos, em especial o de Chernobyl (Ucrânia, 1986) e Fukushima (Japão, 2011), provaram que a tecnologia nuclear ameaça a humanidade, levando países ricos a buscar alternativas energéticas. No Brasil, o agressivo lobby nuclear, com forte influência nos governos, nos setores legislativos e energético, segue tentando promover a expansão do Programa Nuclear Brasileiro, que nos foi imposto pela ditadura militar e nunca foi discutido com a sociedade. Pelo contrário, é mantido sob um sigilo inaceitável, com a desculpa de ser estratégico, de segurança nacional, impedindo o acesso da população a um assunto que diz respeito à sua vida e segurança. Na realidade, a falta de transparência e de participação popular num debate democrático, amplo, participativo e inclusivo sobre a política nuclear é extensiva ao todo da política energética do Brasil.

Mas a insegurança, o sigilo e a mentira institucionalizada que imperam no setor nuclear não conseguem esconder que essa tecnologia, intimamente ligada à indústria armamentista, é insustentável do ponto de vista socioambiental e econômico. Toda a cadeia de produção da energia atômica é poluente, cara, insegura e perigosa, afinal o subproduto dessa cadeia é matéria-prima para a produção de armas de destruição em massa. O Brasil trata irresponsavelmente tanto os riscos de acidentes como as toneladas de lixo atômico acumuladas em toda a cadeia produtiva. A região de Angra dos Reis não está preparada para a necessidade de evacuação da sua população em caso de um acidente nuclear. O risco será ainda maior se for finalizada a construção de Angra 3 . E o mais importante de tudo é que, além de todas as desvantagens da cadeia produtiva da energia nuclear, o Brasil não precisa desta energia! Somos um celeiro de fontes renováveis que permitem produzir toda a eletricidade que realmente vamos precisar.
O Seminário exige igualmente a diminuição e, logo que possível, o abandono e proibição da produção de energia térmica produzida com a queima de fontes fósseis poluentes, especialmente o diesel e o carvão. No uso de resíduos sólidos e matéria orgânica, a produção deve ser cuidadosa, preferindo a produção de biogás à queima direta para produção térmica de energia. Além do risco ao ambiente em função da emissão de gases poluentes e substâncias cancerígenas, a incineração de lixo, retira dos catadores de material reciclável a possibilidade de sobrevivência.

A exploração do pré-sal vai tornar o país e a sociedade brasileira ainda mais dependente dos combustíveis fósseis, aprofundando os efeitos climáticos do aquecimento global. Na 11ª rodada de licitação de blocos de petróleo foram leiloados 143 blocos exploratórios, sendo que os blocos em terra sobrepõem-se a áreas de Reforma Agrária, a territórios indígenas, quilombolas, campesinos, pesqueiros e de importante sociobiodiversidade. O petróleo é um bem comum de enorme valor e não deve ser usado para prejudicar comunidades, queimado em engarrafamentos urbanos, em guerras, agrotóxicos etc. Sua exploração deve ser muito criteriosa, para usos muito necessários e específicos, e seu valor só aumenta quando mantido em subsolo.

Exige também que não mais sejam construídas grandes e médias hidrelétricas na Amazônia e nas demais regiões do País, e que não sejam multiplicadas as “pequenas centrais hidrelétricas” – PCH’s - em regiões de fragilidade ambiental como é o caso das PCH’s previstas no alto rio Paraguai, na região do Pantanal e na Amazônia. Nessa última região, por causa de sua topografia, os represamentos cobrem áreas imensas de floresta, forçam deslocamentos e mudanças na forma de vida de povos indígenas, de ribeirinhos e de outras comunidades tradicionais. Articuladas com as empresas de mineração, para quem se destina grande parte da energia produzida, essas hidrelétricas são o anúncio do fim da Amazônia. Sua integração ao tipo de crescimento econômico dominante se fará, como é tradição no entorno dos projetos de mineração e de hidroeletricidade, com a remoção dos povos indígenas e comunidades tradicionais, com a destruição da floresta, com a poluição e envenenamento do que resta de rios, com a implantação de vilas de trabalhadores empobrecidos.

Junto a isso, estudos científicos demonstram que os reservatórios das hidrelétricas são fontes de emissão de gás metano na atmosfera, um gás mais poderoso do que o dióxido de carbono na capacidade de guardar calor solar, agravando o processo de aquecimento do planeta.

Diante de tudo isso, o Seminário por uma Nova Política Energética no Brasil propõe-se levar informação verdadeira e mobilizar a cidadania brasileira em favor das seguintes prioridades:

1) Que seja democratizada a formulação e a execução da política energética nacional, começando pela participação da representação da sociedade civil prevista no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), hoje inexistente.
2) Que a política nacional de produção de energia elétrica assuma prioritariamente o sol e os ventos como fontes, desde que respeitando, com consultas prévias, as populações da região em que os projetos forem implantados, com produção e uso descentralizados e com participação da comunidade envolvida no planejamento, na implantação e na administração.
3) Que sejam reconhecidas as tecnologias de produção de energia fotovoltaica desenvolvidas no país, e que haja incentivos de caráter social para a produção dos componentes necessários à energia solar.
4) Que seja considerada de imediato a eficiência energética como uma alternativa de oferta energética, que comece com a modernização das usinas existentes, que exija revisão de todos os usos de energia, na indústria, no transporte, na agropecuária e nas residências, tendo como critério central a redução máxima de uso e seu destino para finalidades ligadas às necessidades reais das pessoas, comunidades, povos.
5) Que seja exigida e favorecida a produção de biogás em todas as atividades em que seja possível, utilizando-o na produção de energia ou em usos que substituem a energia elétrica. Da mesma forma, que seja favorecida a construção de pequenas usinas comunitárias de etanol e biocombustível a partir da agricultura camponesa familiar, com produção de etanol aliada à produção de alimentos e gerando autonomia e diminuindo gastos com distribuição de energia.
6) Que seja proibida imediatamente a construção de usinas nucleares, e que sejam desativadas as que estão em funcionamento.
7) Que sejam suspensos os projetos de grandes hidrelétricas na Amazônia que comprometam a reprodução da vida das populações indígenas, tradicionais e ribeirinhas da região.

Finalmente, afirmamos que nossa luta quer ser parte do processo urgente de mudanças que devem ser feitas para que a vida continue sendo possível e em boas condições no Brasil e em todo o planeta. Vista a partir das consequências já experimentadas, toda forma de produção centralizada deve ser colocada em questão, porque a transformação em mercadoria de bens essenciais à vida, como, por exemplo, a energia, as sementes e os alimentos, dão aos seus proprietários um poder de vida e morte sobre toda a população.

Defendemos, por isso, a descentralização da produção e do uso de energia, junto com a produção e distribuição de alimentos. Isso favorecerá a vida comunitária nos diferentes territórios e biomas em que as pessoas e povos vivem, e diminuirá o desperdício e a emissão de gases que provocam aquecimento e mudanças climáticas. Com isso, o Brasil fará parte verdadeiramente da comunidade dos povos que lideram as mudanças que a Terra está exigindo, adotando a prática do Bem Viver, para que possa continuar agasalhando com amor todas as formas de vida existentes nela.

Brasília, 24 de maio de 2013

Entidades participantes do Seminário:
Amazon Watch
Articulação Antinuclear Brasileira
Articulação São Francisco Vivo
Articulação Semiárido Brasil
Associação Floresta Protegida
Cáritas Arquidiocesana de Brasília
Cáritas Brasileira
Célio Bermann – professor do Instituto de Energia e ambiente da USP
Centro Burnier Fé e Justiça
Coletivo Cidade Verde
Comissão paroquial e meio ambiente
Comissão Pastoral da Terra
Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil
Conferencia Nacional dos Religiosos do Brasil
Conselho Indigenista Missionário
Conselho Pastoral dos Pescadores
DAR – Derecho Ambiente y recursos naturales – Peru
FASE
Fian Brasil
Fórum Eco Sol
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
Fórum de Direitos Humanos da Terra – MT
Gambá/AAB
Greenpeace
Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul
International Rivers
Jubileu Sul Brasil
Koinonia
Marcha Mundial do Clima
MEB – Movimento Educação de Base
Movimento de Afetados por Desastres Socioambientais
Movimento dos Pequenos Agricultores
Movimento Pastoral dos Pescadores
Movimento Paulo Jacson – Ética, Justiça e Cidadania
Movimento Rio Madeira
Movimento Tapajós Vivo para Sempre
Movimento Xingu Vivo
OIMECRIKANAZ
Pastoral da Criança
Pastoral da Ecologia da Arquidiocese de São Paulo
Pastoral do Povo da Rua
Pastoral Operária
Povo Munduruku
Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
SOS Clima Terra
WWF Brasil

Por uma nova política energética
Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Os especialistas da área energética do governo federal, inclusive a mais “famosa” e que ocupa o principal cargo público da nação, têm demonstrado o quanto suas decisões estão na contramão da história.
O Brasil, elogiado até então por contar na sua matriz elétrica com mais de 80% de sua geração com fontes renováveis de energia, em particular as hidroelétricas, não tem levado em conta a nova realidade do papel mundial das fontes renováveis de energia. Indo mesmo na direção contrária, conforme atestam os dados produzidos pelo próprio governo, e de decisões tomadas. Segundo o último inventário de emissões de gases de efeito estufa 2005-2010, lançado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); houve no setor de energia uma alta das emissões no período, de 21,4%.

Com o mesmo discurso do desconhecimento do setor energético, a presidente repetiu a “chantagem” feita pelo seu antecessor. No passado recente foi dito que, ou se aceitava a construção de mega-hidrelétricas na Amazônia, ou teríamos que conviver com novas usinas nucleares. Agora o discurso proferido em abril último é de que, ou se constrói novas hidrelétricas ou aumenta-se a participação das termelétricas a combustíveis fósseis na geração energética.
Só que não dá mais para continuar a enganar ninguém, pois a opção declarada e escrita do governo federal, que consta no Plano Nacional de Energia 2030 (PNE), é de ofertar energia elétrica construindo mega-hidrelétricas, termelétricas a combustíveis fosseis e novas usinas nucleares.

Ao mesmo tempo, se concentra na indústria brasileira do petróleo (o maior vilão do efeito estufa) em torno de 2/3 dos investimentos feitos pelo país no setor energético.

Para alguns, a surpresa maior foi à portaria 137 de 30/4/2013 do Ministério de Minas e Energia (MME), liberando usinas térmicas a carvão mineral - a fonte de energia que mais libera CO2 entre todos os combustíveis fósseis, além de outros gases tóxicos, como o enxofre - a participar do leilão de energia elétrica A-5, programado para agosto próximo. O que contribuirá efetivamente para um aumento da participação desta fonte energética, que hoje corresponde a 1,5% da matriz elétrica do país. Ao mesmo tempo foi proibida a participação da energia eólica neste leilão.
Mesmo que a energia nuclear esteja sendo questionada mundialmente, devido aos riscos de acidentes, o Brasil irá investir R$ 850 milhões no setor, e ainda prevê a construção de um reator multipropósito. Além, dos R$ 10 bilhões na construção de Angra 3. No PNE esta previsto ainda até 2030, a construção de mais 4 usinas nucleares, sendo 2 no Nordeste, e mais 2 no Sudeste. Tudo isto com a defesa apaixonada pela energia nuclear do atual ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (como seus antecessores já haviam feito), que chegou a declarar que a reativação do programa nuclear brasileiro para fins pacíficos é “um dos principais programas da pasta”, do qual ele “não abre mão”. Pode-se contrastar este depoimento, com o que falou o eminente físico Robert Oppenheimer, responsável pela construção da primeira bomba atômica, quando visitou o Brasil, em 1953: “Quem disser que existe uma energia atômica para a paz e outra para a guerra, está mentindo”.

O que acontece na área energética se assemelha ao “modus operandi” como as decisões e opções nefastas têm sido adotadas em outras áreas. Sem consulta e participação popular verificam-se decisões completamente autocráticas e descoladas dos anseios da maioria da população. Decisões que afetam não só as gerações atuais como as futuras.
Opções existentes e são apontadas por inúmeros documentos produzidos pela comunidade acadêmica e organizações não governamentais que militam na área energética. Por exemplo, o relatório O Setor Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade, lançado em novembro de 2012, mostra a potencialidade da energia solar e eólica no Brasil. Estas fontes são menosprezadas nas políticas públicas. Este documento aponta que, com as tecnologias atuais de energia solar, seria possível atender a 10% da demanda atual de energia elétrica do Brasil. No caso da energia eólica, o potencial inexplorado chega a 340 GW, quase três vezes o total da capacidade elétrica instalada atualmente no país.
Sem contar com outras medidas factíveis, como a implantação de programas de eficiência energética e redução de demanda. Segundo estudo da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco), cerca de 10% do total consumido anualmente (430 TWh) são desperdiçados, volume superior ao consumido pelo total da população do estado do Rio de Janeiro, que alcança cerca de 36 TWh.

Alternativas existem, e daí a necessidade urgente de se discutir uma Nova Política Energética para o Brasil. Este assunto foi debatido em um seminário nos dias 23 e 24 de maio último em Brasília, promovido pelo Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, e que teve ao seu final o lançamento de um documento assinado por mais de 40 organizações, instituições e pesquisadores presentes, intitulado “Mensagem a Sociedade Brasileira Por uma Nova Política Energética”. Neste documento a sociedade, os participantes não aceitam mais o modelo autocrático em que são tomadas as decisões, pregam a urgência na mudança de rumo no setor energético, exigindo ampla participação e controle social em uma área estratégica do país.