Na contramão da história? - Página Inicial

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April 14, 2011

Debate organizado pela Fundação Heinrich Böll aborda programa nuclear e política energética no Brasil

O Brasil pode ser o primeiro país a possuir uma matriz energética inteiramente renovável. A afirmação foi feita pelo coordenador do Programa de Pós-graduação em Energia da Universidade de São Paulo (USP), Ildo Sauer, durante o debate “Brasil Nuclear: O País na Contramão da História?”, realizado pela Fundação Heinrich Böll, no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ), no dia 24 de março.

Em debate, a política energética brasileira, marcada pela recusa do governo federal em rever seu programa nuclear após o acidente em Fukushima, no Japão. A construção da usina nuclear Angra 3 e o plano de construir mais quatro a oito usinas até 2030 indicam uma postura diferente do restante do mundo. Europa e China anunciaram medidas que incluem até o cancelamento de novos projetos.


Matriz hidroeólica é possível

De acordo com Sauer, a matriz brasileira 100% limpa seria composta pelas energias hidráulica e eólica. O doutor em engenharia nuclear pelo Massachussets Institute of Tecnology (MIT), que foi diretor da Petrobras, explica que o país possui uma capacidade hidráulica de cerca de 250 mil MW, dos quais 150 mil MW ainda não foram desenvolvidos. Identificado no nordeste e no sul do país, o potencial eólico é de aproximadamente 143 mil MW, podendo se revelar maior se os estudos na área forem aprofundados.

- Se desenvolvermos 70% da energia hidráulica e 50% da eólica, produziremos 1,4 bilhão de MWh por ano. O IBGE nos conta que, em 2043, a população brasileira se estabilizará em cerca de 220 milhões de habitantes. Se, até os próximos trinta anos, dobrarmos o consumo per capita anual para 5MWh, o equivalente ao que consomem Espanha e Itália atualmente, a demanda brasileira será de 1,1 bilhão de MWh – afirmou Sauer, demonstrando a sustentabilidade da matriz energética proposta.

O custo, muitas vezes usado como argumento contrário às fontes renováveis, não seria um problema. Sauer calcula que Angra 3 e as quatro usinas nucleares previstas deverão custar R$40 bilhões, sem incluir despesas com combustível, estocagem e disposição final do lixo atômico. Segundo ele, a combinação de eólica com hidráulica exigiria apenas metade desse valor para gerar a mesma energia de forma limpa e segura.

Negligência em Angra preocupa Sapê

Morador de Angra dos Reis, cidade a cerca de 150 km do Rio de Janeiro, e conselheiro da Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (Sapê), José Rafael Ribeiro, defende que as atividades no complexo nuclear de Angra sejam paralisadas enquanto não houver segurança. Para ele, o vazamento radioativo em Fukushima mostra que um acidente é possível até mesmo em usinas consideradas seguras. 

- O despreparo da população, a ausência de transporte para evacuação, a falta de abrigos fora do raio de 3 km das usinas e as péssimas condições da estrada Rio-Santos mostram que as autoridades não trabalham com a ideia de que algo pode acontecer – lamentou Ribeiro, que também é mestre em ordenamento territorial e ambiental pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

Ele atribuiu a negligência em relação à segurança ao papel pouco ativo da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen):

- Ela tem uma duplicidade de função que é de estimular e fiscalizar o uso da energia nuclear, mas vive às custas da Eletronuclear. É praticamente uma subsidiária da empresa, já que não tem uma carreira de físicos independente.

Lobby influencia política energética

Enquanto o Brasil planeja projetos nucleares, a tendência mundial é de desativação de usinas, como mostrou André Amaral, ativista e ex-coordenador da campanha antinuclear do Greenpeace Brasil. Segundo Amaral, após os anos 90, apenas três países iniciaram programas nucleares. Somente, em 2005, teria havido uma tímida retomada, intitulada como renascimento pelo setor, cenário que já apresenta mudanças após o acidente em Fukushima.

- Existe um grande lobby nuclear francês.  No ano passado, Sarkozy fez uma reunião com países da ONU para criar um fundo de financiamento à construção de usinas nucleares em países subdesenvolvidos. Isso porque a indústria nuclear francesa não tem mais como crescer. Investiram muito nessa tecnologia e querem espalhar isso mundo afora – contou Amaral.

Mas, aponta que a tendência mundial à redução do uso da energia nuclear é real em razão do desenvolvimento e utilização de fontes renováveis para geração de energia:

- O custo sempre foi o argumento usado contra as energias solar e eólica. Os últimos leilões no Brasil, desde 2009, mostram que a eólica já está muito mais barata que a nuclear, colocando todos os custos na ponta do lápis, como comissionamento, gerenciamento de resíduos radioativos e preço do urânio.

Para Ildo Sauer, o poder do lobby junto ao governo federal pode ser explicado pelo atual modelo de desenvolvimento adotado, que privilegia o lucro em detrimento da justiça social. O setor nuclear seria apenas mais um exemplo nessa estrutura de poder caracterizada pela mediação de interesses e negócios.